Passos usa mutualização para legitimar austeridade contra o PS

Primeiro-ministro recorreu a relatório europeu para validar a contenção do défice e dos excedentes. Seguro acusou Passos de ser "porta-voz" de tecnocratas.

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Passos tentou enterrar a mutualização da dívida, uma das bandeiras do PS Rui Gaudêncio

Foi um confronto aceso e que provocou momentos mais vivos que o habitual entre o primeiro-ministro e o líder do principal partido da oposição. O debate quinzenal desta sexta-feira arrancou logo sob o signo de ataque quando Pedro Passos Coelho recuperou um relatório entregue à Comissão Europeia a 31 de Março sobre os termos em que poderiam ser criadas soluções de mutualização de dívida e euro-obrigações.

Um estudo que o primeiro-ministro utilizou para validar a sua posição mais reticente em relação à mutualização e para tentar colar ao PS a imagem de um partido afastado da realidade. Em causa estavam os “pré-requisitos” que os peritos invocaram para que a medida pudesse avançar.

Nas conclusões, alertava Passos, os países que se candidatassem a essa solução teriam sempre de “mostrar” serem “capazes de reduzir os défices, de exibir excedentes primários, e não de ganhar mais espaço para criar mais dívida e mais défice".

Precisamente, os dois pilares da governação de Passos, como o próprio fez questão de sublinhar: “Estou muito confortado com a avaliação que tenho feito e exprimido publicamente aos portugueses, e ela está muito em sintonia com as conclusões que são apresentadas neste relatório."

António José Seguro – que há mais de dois anos vem apresentando a mutualização da dívida pública acima dos 60% do Produto Interno Bruto (PIB) como essencial para, por um lado, refrear a austeridade imposta ao país e, por outro, relançar o investimento na economia – reagiu de forma ácida ao triunfalismo do primeiro-ministro, reduzindo Passos Coelho ao “melhor porta-voz” que aquele mero “trabalho técnico” podia angariar.

E depois rematou com a crítica implícita às limitações políticas de Passos. “Há uma diferença entre tecnicidade e política: Nós precisamos de política no posto de comando da União Europeia e no nosso país", disse.

O embate entre os dois prosseguiu ainda a propósito das implicações do acesso à mutualização da dívida. Um cenário que Passos Coelho fez questão de desenhar como sombrio: “Possibilidade de vetos dos orçamentos”, “períodos de avaliação” externa e até “transferência de soberania para a esfera europeia”.

Seguro sacudiu as nuvens sombrias lembrando que se estava a falar de solidariedade. “Mais solidariedade [europeia] implica mais responsabilidade, qual é o problema?”, retorquiu para Passos, antes de lembrar que a actualidade era pior. Já que a maior “responsabilidade” estava a ser imposta aos portugueses sem que estes tivessem em contrapartida a “solidariedade”.

Cortes? Quais cortes?
O tom inflamado entre os dois piorou quando Seguro confrontou Passos com a polémica à volta dos cortes permanentes. "Diga com clareza quais os cortes permanentes que está a preparar" exigiu o socialista, depois de acusar o primeiro-ministro de estar a esconder novas medidas devido à proximidade das eleições europeias. Insistindo, por mais de uma vez durante o debate, não ter em grande conta “a palavra” do chefe do Governo.

Visivelmente irritado com aquilo que classificou como “insinuações”, Passos respondeu de forma virulenta. “Fique a saber que não condicionamos as nossas decisões ao calendário eleitoral e que não foi este Governo que aumentou funcionários públicos e desceu o IVA antes das eleições. Agradecia um pouco mais de compostura política por parte dessa bancada", atirou. Teve ainda tempo para prometer que a decisão seria anunciada até ao final do mês e que não haveria lugar a “alargamento de cortes”.

Mas a esquerda não desarmou. João Semedo, coordenador do BE, insistiu em saber quais as medidas que serão anunciadas, dizendo que o primeiro-ministro “tem um problema com as palavras”. “O senhor admite que tem que se ir mais longe, está a preparar mais cortes na saúde, na escola pública”, afirmou João Semedo.

Passos Coelho sublinhou que “o Governo tem demonstrado que não há menos saúde, mas que há menos dívida na saúde”. E disse que “milagres” não pode fazer: “Descer o défice e não encontrar poupanças no Estado”.

E Heloísa Apolónia, d'Os Verdes, aproveitou para destacar uma nuance nas afirmações Passos, que Semedo, aliás, já detectara. Não havendo “alargamento”, haveria manutenção dos cortes existentes. “O que está a dizer é que o corte ficará. Isto é uma traição aos portugueses. Tinha dito que eram transitórios”. E acusou as políticas do Governo de “gerar mais desemprego e fechar mais serviços públicos”.

Passos Coelho replicou que o que empobrecia “o país era o resgate externo e o excesso de dívida”: “Não fui eu que trouxe o país ao resgate, mas sou eu que vou tirar o país em resgate”, afirmou, uma frase-slogan que tem dito repetidamente. 

Já o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, confrontou o primeiro-ministro com os dados do INE sobre o empobrecimento para perguntar: “Almeida Garrett perguntava ao Governo de então ‘quantos pobres são precisos mais para criar um rico ?’".

O primeiro-ministro reconheceu que não há ajustamento sem recessão, mas disse estar convencido que as assimetrias foram corrigidas. "É o próprio Instituto Nacional de Estatística que o desmente, que mostra que a assimetria foi esbatida. Até no índice de privação de bens materiais das famílias houve uma redução das dificuldades económicas entre 2009 e 2013 e não é de certeza devido ao (ex-primeiro-ministro socialista) engenheiro Sócrates”, disse, sublinhando que, em Portugal, "quanto mais se ganha mais se paga", em virtude de uma "taxa de esforço progressiva".

As notícias do 2º resgate
O debate manteve o clima elevado quando Passos Coelho acusou António José Seguro de “defender” um segundo resgate e até citou uma notícia de 9 Julho de 2013, em plena crise política. A resposta mais dura do líder socialista veio já no final do debate: “Foi de baixo nível”.

Num frente-a-frente em que Passos Coelho tentou colar os socialistas ao BE, o primeiro-ministro acusou o secretário-geral do PS de ter defendido um segundo resgate, mas que já deveria ser negociado por um novo Governo, com uma renovada legitimidade democrática. E leu uma notícia de 9 de Julho de 2013, dias depois do pedido de demissão de Paulo Portas e quando se estava em plena crise política.

Logo em seguida, António José Seguro respondeu: “Nunca defendi um segundo resgate para o país”. Os socialistas argumentam que o secretário-geral só falou em segundo resgate quando respondia ao primeiro-ministro.

A questão seria retomada pelo líder da bancada do CDS, Nuno Magalhães, que citou várias notícias para insistir que Seguro fez menção a um segundo resgate como “inevitável”.  É esta a expressão de todas as notícias lidas, mas Nuno Magalhães conclui que “fica claro quem defendeu um segundo resgate”.

Como o líder do PS já não tinha tempo para responder no hemiciclo, falou depois aos jornalistas para dizer que a ideia de ter defendido um segundo resgate “é uma falsidade” e lamentou que o primeiro-ministro tivesse usado “uma estratégia de baixo nível”. Seguro considerou que esta foi uma “manobra de diversão” para esconder os cortes que vão ser aplicados. 

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