Peritos dizem que mutualização é boa na teoria mas difícil na prática

Relatório encomendado pela Comissão Europeia defende que mutualização serviria para estabilizar mercados da dívida pública, mas exigiria mudança dos tratados, sob o risco de se gerarem "questões de controlo democrático".

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Comissão Europeia reagiu a pedido de mudança feito por 8 países

Dez peritos juntaram-se, a pedido da Comissão Europeia, e concluíram que a mutualização da dívida a nível europeu teria efeitos positivos na estabilização da zona euro, mas que a sua aplicação em termos políticos tem tantas dificuldades que o melhor, nesta fase, é esperar e ver como é que as outras medidas já tomadas, incluindo a mais apertada fiscalização dos orçamentos dos países da zona euro, irão funcionar.

O relatório final do grupo de peritos, publicado no início desta semana e em destaque nesta sexta-feira no Parlamento português, avalia de que forma é que poderia ser possível transformar parte da dívida pública de cada Estado membro numa responsabilidade conjunta de todos. Esta hipótese foi colocada para responder ao desafio criado pela acumulação, principalmente nos países da Europa periférica, como Portugal, de um montante tão elevado de dívida pública.

Dois instrumentos foram discutidos pelos especialistas nomeados pela Comissão Europeia: a criação de um fundo de redenção de dívida comum, que passaria a gerir a dívida em excesso dos Estados membros, e a emissão de títulos de dívida de curto prazo à escala europeia (eurobills), onde os Estados poderiam obter parte do seu financiamento.

O relatório assume que ambos os instrumentos, a serem adoptados, “seriam meritórios para a estabilização dos mercados de dívida pública, apoio à transmissão da política monetária, promoção da estabilidade e integração financeiras”. Na prática, os países sob pressão estariam menos sujeitos aos humores dos mercados, a relação entre crises financeiras e soberanas seria reduzida e a dívida deixaria de pesar tanto na capacidade dos países em crise encetarem uma retoma.

No entanto, apesar destas vantagens, o relatório vê muitos obstáculos à aplicação prática de cada um dos instrumentos. As principais dificuldades são de ordem política, já que é defendido que, para fazer face aos “riscos económicos, financeiros e morais” que estão associados a estas soluções, os Estados membros teriam de avançar para uma integração política mais profunda que envolveria, por exemplo, alterações dos tratados europeus.

O grupo de peritos - liderado por Gertrude Tumpel-Gugerell e do qual fez parte o português Vítor Bento -  diz que, tanto para o fundo de redenção como para os eurobills serem mais eficazes, teriam de funcionar num regime baseado em responsabilidade solidária, em que cada um dos países do euro assumia o compromisso da dívida em causa. Funcionariam pior, caso o regime fosse apenas de uma garantia pro rata, em que os compromissos eram assumidos unicamente na proporção do peso de cada país no total.

O problema, defende o relatório, é que para se avançar para a responsabilidade solidária seria necessário alterar os tratados europeus, uma mudança vista geralmente como muito complexa e morosa tendo em conta os diferentes interesses e prioridades nacionais dentro da UE. Uma garantia pro rata poderia não exigir mudanças no tratado, bastando um sistema intergovernamental. No entanto, apesar de esta ter sido a solução encontrada recentemente na união bancária, os peritos defendem que tal “suscitaria questões de controlo democrático”.

Perante isto, o relatório assinala que foi há pouco tempo que a UE mudou o seu modelo de governação a nível económico e orçamental, com maior fiscalização das políticas e adoptando as regras do Pacto Orçamental. O melhor, defendem os peritos, será esperar para ver quais os resultados. “Atendendo à experiência muito limitada do quadro reformado de governação económica da UE, pode considerar-se prudente começar por recolher provas da eficácia dessa governação antes de adoptar quaisquer decisões em matéria de emissão conjunta”, afirma o relatório, deixando claro que a mutualização de dívida não será uma solução a curto prazo.

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