O paradoxo das presidenciais

Consumou-se no plano da eleição presidencial a divisão dos socialistas.

A pré-campanha da eleição do Presidente da República foi um espectáculo triste. Foi-o pela falta de qualidade do debate político, pela ausência de verdadeira discussão sobre o futuro por parte dos candidatos. Foi-o também pela falta de comparência da comunicação social. Foi notória a ausência de critério jornalístico que seleccionasse, priorizasse e hierarquizasse. Isto para já não falar do absurdo de organizar três frente-a-frente por dia ao longo de uma dezena de dias. O resultado foi uma cacofonia aparentemente democrática, baseada num suposto critério igualitário, que amalgama tudo e todos e funciona como um apelo à abstenção do eleitorado, vencido pelo cansaço e pela inexistência de condições de escolha.

A falta de qualidade da pré-campanha não é um fenómeno que tenha nascido apenas de uma eventual falta de interesse ou de qualidade intelectual e política dos candidatos. Assim como não é somente resultado de as sondagens apontarem para uma vitória de Marcelo Rebelo de Sousa. Nem é apenas responsabilidade das direcções editoriais que aparentemente se demitiram de fazer escolhas criteriosas sobre as presidenciais, depois de as redacções terem ficado exangues com a maratona das legislativas e da formação de dois governos sucessivos.

O problema é mais profundo e passa mesmo pelo paradoxo de formalmente a eleição do Presidente ser uninominal e de os candidatos serem apoiados por cidadãos, mas na prática os candidatos existem enquanto tal porque têm origem em universos partidários ou porque as organizações partidárias e as máquinas regionais e locais dos partidos suportam, alimentam e animam as campanhas no terreno.

Na democracia pós-25 de Abril, nenhum Presidente foi eleito sem ter origem ou apoio explícito de partidos. Ramalho Eanes, era militar mas teve o apoio do PS na primeira eleição e do PSD na segunda. E quer Mário Soares, quer Jorge Sampaio, quer Cavaco Silva foram os candidatos naturais das suas famílias políticas depois de terem sido líderes partidários. Mais. Todos os candidatos significativos em eleições presidenciais tinham apoio ou origem clara em partidos. As excepções a este princípio nunca foram longe nas urnas, de Maria de Lourdes Pintasilgo a Fernando Nobre.

Na eleição em curso, a falta de peso dos partidos é determinante para a falta de dinâmica das candidaturas, impossibilitando-as de descolar e impedindo a repetição do confronto esquerda-direita, que se viveu no processo das legislativas. A ausência dos partidos será determinante para o resultado. Expliquemos.

À direita, Marcelo Rebelo de Sousa é o candidato natural. A sua vitória é dada como garantida. E, se a sua campanha parece morna e prosaica pela ausência de glamour do seu protagonista, o que é facto é que a distância e a frieza da direcção de Pedro Passos Coelho em relação ao seu antecessor na liderança do PSD foi determinante para o perfil de campanha que este desenhou.

Ou seja, o facto de Marcelo não ser o candidato de Passos e o PSD oficial ter fugido até à última hora, criou uma situação potenciadora da atitude populista de Marcelo de fazer de conta que não quer o apoio do PSD, depois de ter andado longos meses em pré-campanha junto das estruturas do partido a propósito dos 40 anos do partido. Por exemplo: Marcelo afirma na entrevista ao PÚBLICO (03/01/2016) que não quis máquina de candidatura e muito menos partidária a recolher assinaturas, mas conta que Virgínia Estorninho abriu um escritório em Lisboa para o efeito. Pergunta-se: a histórica dirigente do PSD é o quê, se não um expoente do que é o aparelho de um partido político?

Já à esquerda o problema começou quando o candidato natural António Guterres se negou à batalha e disse que o seu campo de guerra era outro, mais internacional, numa entrevista dada em Bruxelas significativamente em inglês, para que toda a gente percebesse bem na ONU. Perante a fuga de Guterres, o PS ficou perdido. E o líder então eleito, António Costa, acabou por informalmente mostrar que apoiaria Sampaio da Nóvoa, o ex-reitor sem origem partidária, mas que se movimentara antes na área política do PS, colaborara com o partido e tinha já o apoio formal de referência dos socialistas como Mário Soares e Jorge Sampaio.

Só que as divisões no PS entre os apoiantes de Costa e os do anterior líder, António José Seguro, acabaram por criar espaço para que a ex-presidente do partido Maria de Belém Roseira sentisse que podia avançar com o seu desejo de ser candidata. Consumou-se assim no plano da eleição presidencial a divisão dos socialistas, acabando por determinar a falta de gás quer da candidatura de Nóvoa, que da de Belém. Por isso a campanha prossegue deslaçada, sem o suporte político consistente que caracterizou anteriores embates presidenciais, mesmo quando havia vencedores anunciados à partida.

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