“A Justiça é bastante mais independente e autónoma do que era”

O ministro da Presidência não se mostra adepto do Bloco Central, mas diz que os resultados eleitorais podem “empurrar o país para isso”. Já sobre a Justiça, polémico, afirma que, com este Governo, os “poderosos” são “cidadãos iguais aos outros”.

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À esquerda, há pessoas que admiro que se encaixavam para serem bons presidentes: Guilherme d'Oliveira Martins Daniel Rocha

Aos 57 anos, Luís Marques Guedes é, pela segunda vez, responsável pela presidência do Conselho de Ministros que acumula com os Assuntos Parlamentares. Com o à-vontade de quem desempenhou estas funções durante a década do cavaquismo e regressou a elas com Passos Coelho, após a queda de Miguel Relvas, Marques Guedes tem dado cara pelo Governo, com a discrição habitual. Não hesita em defender que o Governo deu mais autonomia e independência à Justiça, advoga a necessidade de se rever a Constituição sem pôr em causa o Tribunal Constitucional, apoia a renovação da coligação e admite que Guilherme d’Oliveira Martins tem perfil para Presidente.

Concorda com o diploma do PS sobre incompatibilidades?
Do que me lembro da proposta de António José Seguro, há questões que fazem sentido. Por exemplo, alargar aos autarcas a situação que existe a nível central. Outras coisas são exageros. Muitas vezes embarca-se nestes pacotes da transparência numa competição e perde-se a noção do bom-senso e do equilíbrio. Os políticos em Portugal têm regras de transparência bastante exigentes e existe imprensa livre, que permite o escrutínio. E deixe-me dizer que este Governo deu passos inequívocos no sentido de aumentar a transparência e o combate à corrupção. A prova disso é a realidade dos processos que estão em tribunal sobre situações irregulares no sector público, que não tem qualquer paralelo com os anos anteriores. Foram criadas objectivamente por este Governo condições de autonomia, de independência e de meios aos órgãos e às autoridades judiciais e policiais.

Está a referir-se à prisão de um ex-primeiro-ministro?
Não me estou a referir a nenhum caso. Estou a referir-me a todos os casos dos chamados poderosos, seja no sector público seja no privado, que eram tradicionalmente tidos como intocáveis e que passaram a ser cidadãos iguais aos outros à luz da lei. E a força da lei passou a cair sobre eles exactamente na mesma medida que cai sobre todos nós.

Refere-se a quê? 
Há claramente uma não ingerência. Foi um ponto de honra deste Governo, relativamente às questões do mundo económico, cortar com práticas que vinham do passado de permanente ingerência do poder político junto do poder económico. Temos os casos que foram públicos do BPN, do BPP, das OPA [Ofertas Públicas de Aquisição], em que houve aquela vertigem do poder político para ingerir e ter influência nas decisões que são tomadas na economia. 

Está a fazer uma acusação muito grave.
Não estou a fazer acusação nenhuma. Estou constatar. O que digo, com orgulho do trabalho feito, é que hoje a Justiça é bastante mais independente e autónoma do que era antes deste Governo. 

É uma constatação muito grave.
Não é muito grave, é muito positiva.

Por oposição, está a dizer que no anterior Governo havia ingerência.
Não havia tanta independência nem tanta autonomia.

Como viu o anúncio pelo ministro Poiares Maduro de que ia fazer briefings com ministros e com jornalistas?
É uma experiência que existe noutros países com resultados mais ou menos positivos. Vejo com toda a normalidade essa tentativa. Podia ter resultado. Não acho que seja grave não ter resultado. Para muitas coisas podia ter sido útil e para a comunicação social ,que tantas vezes se queixa que não tem acesso aos membros do Governo.

Não se sentiu atropelado nas suas funções de ministro da Presidência? 
Não. As responsabilidades de comunicação são das decisões do Conselho de Ministros. Exerço-as e nunca senti qualquer tipo de atropelamento, pelo contrário.  

A ascensão de Paulo Portas a vice-primeiro-ministro facilitou a coordenação do Governo?
Costuma dizer-se que o que não nos mata torna-nos mais fortes. A coligação, na situação muito difícil que viveu no Verão de 2013, saiu fortalecida. Podia ter acabado, esteve à beira da ruptura. Mas com a capacidade que houve, com méritos indiscutíveis de resiliência e de determinação do primeiro-ministro, foi possível superá-la. Estava e continuei no Governo, posso dizer que a coligação ficou bastante mais coesa, unida, focada no programa comum.

Foi o momento pior da legislatura?
Foi o pior momento da coligação. O pior momento da legislatura foi todo o programa de ajustamento que tivemos de cumprir.

E o melhor?
Não há um melhor. Sempre que começamos a ver a inversão da tendência. Não diria que há um momento de glória, até porque esta legislatura é de enormes dificuldades, talvez a mais difícil dos 40 anos da nossa democracia.

Foi fácil governar com o CDS?
Para mim foi bastante fácil. Sempre tive a sensação da total lealdade quer por parte dos membros do Governo do CDS, quer dos independentes, quer dos deputados do CDS. Também tenho as responsabilidades da ligação ao Parlamento e a lealdade dos deputados do PSD e do CDS tem sido à prova de bala.

Quando é que o PSD apresenta o programa eleitoral?
Rapidamente, estamos a seis meses do acto eleitoral e o normal é que até ao início do Verão haja uma definição sobre os programas. No caso do PSD o que há a resolver é a relação dentro da coligação, a renovação ou não. Do meu ponto de vista, faz todo o sentido que essa coligação se renove, desde que os objectivos continuem a ser comuns, para bem da estabilidade da governação do país.

A coligação deve ser negociada para se manter para além das eleições?
Uma coligação deve fundamentar-se em princípios, em objectivos e em programas e, independentemente do que sejam os resultados eleitorais, as pessoas devem continuar vinculadas a esses objectivos que elegeram como comuns.

Imagine que são precisos três partidos para formar Governo. A negociação deve ser feita de um lado pela coligação em conjunto e do outro lado o terceiro partido?
Os partidos políticos só existem para resolver os problemas do país, não existem para olhar para o seu umbigo. O objectivo de qualquer força política é contribuir, de acordo com o que são as suas convicções, os seus valores, os seus princípios, para definir um caminho de progresso do seu país. Para qualquer democrata, quem é soberano é o povo. Se do voto resultar que o povo decidiu que nenhum partido governe sozinho, os partidos o que têm de fazer é negociarem uns com os outros e encontrarem uma solução de compromisso para o país continuar a andar para a frente. Não se podem fechar. Portanto, se o resultado eleitorais disserem que não há nenhuma maioria, que não é possível definir nenhum governo estável que não passe por três partidos, a obrigação é sentarem-se os três à mesa e encontrarem uma solução.

António Costa já fechou a porta a um Bloco Central. Vai ser mais difícil construir um Governo?
No plano dos princípios eu também sou daqueles para quem um Bloco Central é uma solução de último recurso. Porque um Bloco Central tem o problema de restringir a alternância de que vive o pluralismo democrático. O Bloco Central tende a esbater o confronto entre a tese e a antítese e, portanto, não é uma solução desejável. Agora o resultado eleitoral pode empurrar o país para isso. Como aconteceu na Alemanha, por exemplo. Se for essa a vontade dos eleitores, não dependerá nem de António Costa, nem de Passos Coelho, nem de Paulo Portas, nem de Jerónimo de Sousa. Será uma imposição dos eleitores. E a democracia terá de ter sempre soluções.

O PSD defendeu a revisão constitucional na última campanha, depois esqueceu isso e governou colidindo com o Tribunal Constitucional (TC). A revisão é uma urgência?
No que tem a ver com as apreciações do TC, não. Elas foram feitas sempre à luz do princípio da confiança, da proporcionalidade. Esses princípios nunca podem ser retirados da Constituição. Não há revisão constitucional que ultrapasse leituras como aquelas que o TC fez. É evidente que não há Estado de Direito sem princípio da confiança, não há revisão constitucional que valha para resolver esse problema. Agora, a Constituição não é uma vaca sagrada. É a lei fundamental e, como todas as leis, é feita pelos homens e tem de evoluir à medida que a sociedade também evolui. Há necessidades que se colocam hoje e que não se colocavam há 40 anos.

O que pode ser alterado?
Primeiro é demasiado programática. Eu revejo-me nos valores que estão na Constituição, acho é que ela é demasiado especiosa. E tem como consequência que, nos momentos mais acesos, lá vem a querela constitucional, e não deveria vir. A Constituição na nossa democracia não devia ser um factor de querela, mas de unidade do nosso Estado de Direito, dos direitos, liberdades e garantias em que nos revemos.

O TC foi uma força de bloqueio?
Os tribunais nunca são forças de bloqueio, são órgãos de soberania e funcionam de acordo com as competências que têm. O Governo tem é discordado da interpretação que o actual elenco do TC faz. Mas o tribunal é soberano.

O caso das dívidas do primeiro-ministro pode afectar os resultados eleitorais? 
Não. O primeiro-ministro, enquanto cidadão teve falhas no seu relacionamento com as contribuições para a Segurança Social. Já explicou que o fez por desconhecimento. E pagou o que lhe era exigido pelos serviços. Isso é perceptível por parte das pessoas. Não acho que isso o afecte. Não acho que isso ponha em causa nem a honestidade nem a honradez do primeiro-ministro. E como isto radica apenas no plano pessoal e não no plano político, o primeiro-ministro será julgado nas próximas eleições pela política que conduziu e pela sua actividade pública à frente do Governo.

Que perfil para o próximo candidato presidencial?
O melhor Presidente que houve desde o 25 de Abril foi o professor Aníbal Cavaco Silva e eu revejo-me muito no perfil dele. Uma pessoa conhecedora dos problemas nacionais, conhecedora e respeitadora da separação de poderes e com uma capacidade de reserva para só intervir nos momentos em que deve actuar como árbitro. A moção de estratégia do PSD diz que o exercício de funções pelo actual Presidente é o modelo em que mais se revê. Eu vou mais longe e revejo-me mesmo naquele modelo. Não estou com isto a dizer que me revejo em todos os actos e decisões do professor Cavaco Silva, mas no perfil.

Manuela Ferreira Leite: gostava de a ver como candidata?
Uma pessoa para ser candidata tem que ter uma vontade interior muito grande. Nunca falei com ela sobre isso, não sei se ela tem vontade interior.

Adequa-se a esse perfil?
Assim ela tenha motivação para isso. Mas não faço ideia.

Então o perfil é não ser um catavento mediático?
Não conheço essa caracterização.

É a definição do primeiro-ministro na moção ao congresso e Marcelo Rebelo de Sousa reagiu a ela.
O professor Marcelo esteve nesse congresso e sabe bem a recepção que ele teve. A leitura que faço da moção é a de que aponta para um candidato que se coaduna com o que foi o exercício do professor Cavaco Silva.

E Marcelo Rebelo de Sousa?
É uma pessoa muito diferente. Mas há muitas qualidades que o professor Cavaco tem que o professor Marcelo também tem, nomeadamente o conhecimento de assuntos e a inteligência. Mas eu estou à espera que haja candidatos e que apresentem o seu programa. Posso até ter uma grande simpatia pessoal com um candidato, mas, se não concordar com o programa, não acho que tem o perfil. Isto não é um concurso de vaidades. Mas o professor Marcelo pode-se encaixar no perfil da moção.

E Santana Lopes também se encaixa nesse perfil?
É a mesma coisa. Como sabe também sou amigo dele e, se o Pedro avançar, cá estarei para olhar para o seu programa e serei amigo como antes, quer concorde ou não. Eu não tenho preferência por um Presidente da República pela cor dos olhos ou pela simpatia que tenho para com ele. Por exemplo, à esquerda, há pessoas que admiro, não sei sequer se têm vontade de serem candidatas, mas poderiam ser pessoas que, à partida, se encaixavam para serem bons Presidentes.

Por exemplo...
O doutor Guilherme d’Oliveira Martins. É uma pessoa que considero bastante. É uma pessoa séria, honesta, conhecedora, que serviu o Estado em várias funções.

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