O que está em causa

Vou dar-vos o cenário mau, o cenário péssimo e o cenário medonho, para que depois se possa ver o que verdadeiramente está em causa para o futuro próximo em Portugal.

O cenário mau: em 2015 o Partido Socialista ganha as eleições, mas sem maioria absoluta. Para constituir Governo precisará do apoio do PSD, ou do CDS, ou de ambos. O Presidente da República, é sabido, tem grande preferência pela solução de Bloco Central para governar o país, no que aliás será apoiado por boa parte da elite económica e da opinião publicada. O problema: para aceitar fazer parte do Governo, o PSD porá em cima da mesa a revisão constitucional para diminuir o nível de proteção dos direitos económicos e sociais. António José Seguro já disse que não fará revisões da Constituição antes de eleições, mas não se sabe o que fará depois – e pode ser que não tenha outra hipótese. E mesmo sem alteração da Constituição, as medidas de um tal Governo passarão a ter uma aprovação de dois terços do Parlamento – uma maioria “paraconstitucional”, que talvez o Tribunal Constitucional decida valorar como tal: não é tão fácil chumbar uma medida aprovada por uma maioria que poderia mudar a Constituição.

Cenário péssimo: o PSD/CDS ganha as próximas eleições legislativas. Até agora nunca tinha referido aqui esta possibilidade, para não agourar, mas ela é suficientemente plausível para que não possa deixar de ser considerada. A velha tática de Margaret Thatcher durante os anos oitenta funcionava assim: dois anos a apertar, dois anos a aliviar, e uma vitória eleitoral no fim. Com a ajuda do “efeito Draghi” e da sua descida dos juros, e com quase um ano e meio de pós-troika pela frente, não será preciso muito alívio para que Passos Coelho e Paulo Portas tentem convencer o eleitorado de que o pior já passou e que não se deve mudar de comandantes depois da borrasca. Como é natural, já houve eleitorados que se deixaram convencer por estes argumentos.

O cenário medonho: o PSD e o CDS ganham, mas sem maioria absoluta. Para poderem governar, precisam do apoio do PS – mas como parceiro menor. Após alguma pressão e justificando-se pelo receio de atirar o país para novas eleições numa fase em que a posição de Portugal nos mercados continua vulnerável, o PS aceita. Neste cenário, as comportas estão abertas. A própria revisão constitucional pode ser revista – para cima. A privatização parcial da Segurança Social e do Ensino Público podem continuar. A desregulação dos direitos laborais também – e sem oposição de dois terços do Parlamento. Mas há mais: a degenerescência da democracia portuguesa acelera-se, os casos de corrupção contam com a solidariedade passiva dos três partidos de Governo, o escrutínio parlamentar diminui, e os dois grandes partidos tornam-se indistinguíveis.

E sabem que mais? Se olharmos para as tendências das sondagens, o cenário medonho é o mais provável.

É, pois, isto que está em causa, muito para lá de questiúnculas partidárias, de processos de intenção e de ataques de caráter e de todas as vicissitudes em que a esquerda é pródiga. Ou queremos fazer tudo para evitar os cenários acima, ou podemos marcar já a Aula Magna para irmos chorar em conjunto a partir de 2015. Não podemos dizer é que não fomos alertados a tempo.

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