As cápsulas de café tomaram conta da Kaffa

A família Telles está no negócio do café desde 1900 e fundou a emblemática A Brasileira. Mas, desde então, a indústria mudou de forma radical.

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Este ano a estimativa é aumentar a facturação de 15 para 20 milhões de euros Daniel Rocha

O cheiro do café começa a sentir-se assim que a porta abre. Em Trajouce (concelho de Cascais), a fábrica de cápsulas da Kaffa está a produzir para oito países as pequenas embalagens de plástico que, desde que a Nespresso revolucionou o mercado com a invenção, transformaram a indústria, agora recheada de sistemas compatíveis e sabores para todos os gostos.

Óscar Telles de Noronha Galvão, presidente da Kaffa, herdou do bisavô a ligação ao café, Adriano Telles, o fundador de A Brasileira, mítica casa de comércio de cafés importados do Brasil (país onde a família já plantava e comercializava esta matéria-prima). Mas os tempos de A Brasileira vão longe – este negócio deixou de estar sob alçada da família em 1970 – e o mercado mudou muito desde o café moído vendido em “sacos de 125 gramas”, recorda o gestor, sentado num gabinete cheio de peças decorativas inspiradas nas cápsulas e na história da Kaffa.

O pai de Óscar (neto de Adriano Telles e com o mesmo nome do filho) criou em 1960 uma fábrica de torrefacção, a Cafa Armazéns de Café, que fornecia essencialmente café para a restauração e hotelaria. Até que chegaram as cápsulas. “Em 2005, a Nespresso estava a ter uma notoriedade brutal a nível nacional e internacional e fazia todo o sentido massificar para o público em geral”, recorda. As primeiras cápsulas da marca Kaffa foram encomendadas a uma empresa externa e a boa resposta nas vendas levou a que, em 2009, se instalasse a primeira linha de produção. Na altura, a empresa ainda tinha grande actividade na torrefacção de café e as cápsulas só podiam ser usadas nas máquinas que comercializava.

Foi com a chegada dos chamados “sistemas compatíveis” que o negócio acelerou a ponto de, dois anos depois, a torrefacção e venda de café à restauração ser abandonada. A Kaffa passou a ser uma empresa produtora exclusivamente de cápsulas. “Fomos os terceiros no mundo com cápsulas compatíveis com as da Nespresso, fazia todo o sentido estar nos supermercados e aumentar as vendas”, conta. O grupo Nestlé, dono da Nespresso, tentou travar a “fúria” das compatíveis, com inúmeros processos em tribunal. Mas “quanto mais processos e notícias, mais notoriedade havia para as compatíveis”, diz o responsável. Com uma cápsula que poderia ser usada nas sofisticadas máquinas Nespresso, a Kaffa pôde exportar e assistiu a um aumento “brutal” da produção. De uma linha, passou a três. Em 2013 e 2014 deu-se “o grande boom”, com oito linhas de produção nacional e sete sistemas de cápsulas. No ano passado lançou um produto para a Delta Q e, em Fevereiro, para a Dolce Gusto, também da Nestlé, incluindo extras, como leite com café.

Óscar Noronha Galvão reclama uma quota de mercado de 25 a 30% na produção de cápsulas em Portugal. E defende que “quantas mais máquinas existirem, melhor para todos”. Não duvida de que este sistema veio para ficar: os consumidores bebem cada vez mais café em casa e o mercado tem crescido 10% ao ano. “Consegue-se fazer um café de muito maior qualidade e com um preço mais reduzido”, argumenta, sublinhando que a compra da máquina fideliza o cliente. A próxima tendência é generalizar as cápsulas também na restauração, algo que a Nespresso e a Delta Q já estão a fazer. A Kaffa também está a estudar um sistema fechado (ou seja, uma máquina para as suas cápsulas), com variedade de produtos.

O Brasil surgiu no mapa da empresa “porque esteve na origem de tudo”. Fazia sentido. Em 2013, arrancaram os primeiros estudos de mercado e as primeiras diligências para abrir uma fábrica, a única forma de contornar os entraves à importação. O investimento de dois milhões de euros valeu a pena, diz Óscar Noronha Galvão. “Este ano prevemos produzir 40 milhões de cápsulas de café no Brasil. Em Portugal produziremos 170 milhões”, detalha. “Dois anos depois, o trabalho é fantástico. Distribuímos para mais de 100 clientes, com consumos pequenos, mas diversificando o risco. O mercado de cápsulas cresceu 58% em 2014, o que até é demais para a nossa dimensão porque não temos capacidade de resposta, mas significa que há potencial”, continua.

A marca Kaffa não está nas prateleiras dos supermercados. A empresa produz para as marcas dos clientes e está a finalizar um projecto de torrefacção. “Vamos receber o café cru, estudá-lo em laboratório e temos um mestre que nos assessora no estudo do café”, conta.

Em Portugal, a fábrica faz o processo completo, da torrefacção ao encapsulamento. Não há grandes mistérios: o café chega cru em sacas de serapilheira, oriundo de países como o Brasil, Vietname, Colômbia ou Timor Leste. Segue para a torre de torrefacção durante 15 a 20 minutos, numa temperatura que pode oscilar entre os 220 e os 230 graus, dependendo do tipo de café (quanto mais torrado mais amargo). Depois, entra na linha de produção da fábrica, onde é moído e colocado nas cápsulas.

Este ano a estimativa é aumentar a facturação de 15 milhões de euros, para 20 milhões de euros. Os principais clientes são o Aldi (Reino Unido e Portugal), Auchan, Candelas, Continente, a Smart Coffee na Rússia e a Utam no Brasil.

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