A leviandade de Pierre Moscovici

É desconcertante a ligeireza com que o comissário abordou um assunto de extrema gravidade.

À partida parecia que estávamos perante um problema de comunicação. Mas rapidamente se percebeu que o problema seria mais grave. No início desta semana, na reunião do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem e Pierre Moscovici foram confrontados com um aparente problema lexical nos comunicados do Eurogrupo sobre a necessidade de Portugal ter de apresentar um plano B com medidas de austeridade adicionais para garantir que o Orçamento do Estado cumpre as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Supostamente, em vez de um "se necessário", apareceu a expressão "quando necessário", o que terá causado alguma confusão entre os jornalistas.

O assunto seria rapidamente sanado, se Dijsselbloem ou Moscovici dissessem aquilo que nós todos já sabemos – no dia 11 de Fevereiro, o Governo português comprometeu-se a preparar medidas adicionais de consolidação das contas públicas, o tal plano B, que só seriam aplicadas “se fosse necessário", ou seja, se houvesse alguma evidência de que a execução orçamental estaria a correr mal, o que manifestamente ainda não é o caso.

O presidente do Eurogrupo, confrontado com a diferença entre o "se” e o "quando", respondeu num tom irónico a dizer que iria reflectir sobre o assunto. Como se a gravidade do tema fosse convidativa a algum tipo de ironia ou a deixar o assunto a pairar, sem uma resposta clara. Já Moscovici não foi ambíguo e respondeu de forma taxativa e sem hesitações: "Eu posso explicar a diferença entre 'se' e 'quando' na declaração: significa que essas medidas terão de ser aplicadas, e eu estarei em Lisboa na quinta-feira para discutir isso com o ministro das Finanças e com o primeiro-ministro."

A notícia caiu que nem uma bomba em Lisboa, já que o socialista francês tinha acabado de garantir que, afinal, o plano B passaria a plano A e que a partir de Abril ou Maio os portugueses teriam de contar com novas medidas de austeridade. Passaram-se 24 horas e provavelmente depois de muito trabalho do Governo nos bastidores, Pierre Moscovici volta a aparecer em público para dizer, com a maior das naturalidades, precisamente o contrário do que tinha dito na véspera: “Se as minhas palavras foram interpretadas de forma ambígua, queria clarificar esta manhã: não, não há nenhuma mudança na nossa posição, [há] confiança na capacidade do Governo em integrar as opiniões da Comissão e as recomendações do Eurogrupo."

Entre o “se” e o “quando” até pode haver alguma ambiguidade. Mas o “essas medidas terão de ser aplicadas” é cristalino. Das duas uma: ou Moscovici sabe alguma coisa que nós não sabemos e enganou-se no timing de a dizer, o que é grave; ou o comissário europeu está a tratar um assunto sério e que mexe com a vida e com as expectativas de milhões de pessoas de uma forma irresponsável e leviana, o que é igualmente grave.

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