Bruxelas exige a Portugal a devolução de 143 milhões de fundos agrícolas

Comissão Europeia detectou falhas no sistema de controlo de pagamentos e identificou áreas agrícolas que estavam a receber ajudas de forma irregular. Após um ano de negociações, Bruxelas apresentou a factura que terá de ser paga pelo Orçamento do Estado.

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As irregularidades detectadas na concessão das ajudas agrícolas não são um exclusivo de Portugal Paulo Pimenta

A Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia está a exigir ao Governo português o reembolso de 143,4 milhões de euros relativos a pagamentos irregulares aos agricultores portugueses nos anos de 2009, 2010 e 2011. A exigência foi apresentada em Janeiro e o Governo guardou-a discretamente até poder jogar o trunfo que lhe resta para evitar a perda desse montante. Após dez meses de negociações em sede de uma instância de conciliação, a Comissão Europeia recusa acolher as pretensões portuguesas e agora só uma decisão do Comité de Fundos Agrícolas - ou, numa instância final, do Tribunal de Justiça - poderá salvar o país desta pesada pena.

Tudo começou em 2009, quando Jaime Silva era ministro da Agricultura do Governo de José Sócrates. Numa auditoria a 400 explorações, o organismo financeiro que transfere os fundos da Política Agrícola Comum para os agricultores portugueses, o IFAP, detectou um desvio de 3,6% nas áreas elegíveis. O que estava então em causa era uma verificação do complexo mecanismo de transferência dos pagamentos, que requer uma gigantesca base de dados digital onde estão registadas todas as explorações agrícolas.

Nessa verificação, constatou-se que Portugal não tinha procedido à “ revisão do parcelário das ajudas”, nota o gabinete da ministra Assunção Cristas. Depois de verificado o desvio, a Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia realizou uma segunda verificação e concluiu que os erros detectados pelo IFAP estavam subavaliados – o desvio nas áreas elegíveis para os pagamentos era de 5,1%.

O relatório que esteve na base desta constatação teve como ponto de partida a análise de dez explorações de diferentes regiões do país. No confronto entre o parcelário digital e as propriedades reais, os inspectores da Comissão constataram uma série de falhas no modelo de controlo que colocava “riscos” à boa gestão dos fundos agrícolas. A delimitação das parcelas não obedeceu a um padrão único, a área máxima elegível registada no sistema foi sobrestimada, introduziram-se pastagens permanentes que não cumpriam as regras dos pagamentos da PAC, optou-se por uma fixação “generosa” das linhas demarcação das propriedades e constataram-se debilidades nos controlos no terreno.

Feitas as contas, os inspectores concluíram que as falhas do sistema de controlo e os erros na fixação das áreas sujeitas a pagamento provocaram um prejuízo financeiro ao fundo correspondente a 5,1% em 2010 e 4,9% em 2009. O relatório das Comissão, que já está nas mãos do Governo há quase dois meses, aponta para que esse prejuízo seja reparado através de um corte de 10% nas verbas destinadas ao desenvolvimento rural (o chamado primeiro pilar da PAC ) e de 5% nas verbas do segundo pilar, onde se inscrevem os pagamentos baseados nas áreas das explorações e na sua sustentabilidade ambiental. Mas estes cortes não poderão ser repercutidos nos agricultores. A sua reposição terá de ser feita pelo Ministério das Finanças. “Esta situação não penaliza os agricultores, mas acaba por ser paga por todos os contribuintes”, explica Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), para quem todo este problema se deve ao ministro Jaime Silva, “contra o qual nós organizámos 24 manifestações”.

O Governo, entretanto, tinha contestado os critérios da fiscalização e as suas conclusões. No organismo arbitral criado para conciliar as posições portuguesas com as da Comissão (que falhou rotundamente os seus propósitos) o executivo criticou o facto de os dez beneficiários das ajudas escolhidos como amostra não terem sido escolhidos ao acaso – seis tinham explorações que combinavam floresta com prados permanentes, pelo que “os resultados não podem ser extrapolados para o universo dos 400 agricultores”. Por outro lado, as imagens aéreas utilizadas para verificar eventuais discrepâncias eram de 2012, quando os pagamentos de 2010 tiveram como base imagens desse ano.

A Comissão responderia dizendo que o objectivo era “validar” as conclusões sobre os 400 agricultores e não encontrar novos parâmetros de risco. A escolha dos dez beneficiários, acrescentava, procurava representar o peso de cada região do país na agricultura. De resto, justificou a Comissão, o recurso a imagens de 2012 aconteceu apenas quando as de 2010 suscitavam dúvidas.

As irregularidades e as deficiências detectadas no sistema de controlo português das ajudas agrícolas não são raras na União Europeia. Em Dezembro, a Grécia tinha já sido penalizada com um corte de 88,1 milhões de euros nas transferências a que tinha direito por situações similares às registadas em Portugal. Os problemas resultam em grande medida do próprio gigantismo e complexidade do sistema de pagamentos da PAC. Para manter o sistema nacional actualizado, o Governo concedeu “prioridade absoluta à correcção do parcelário, apelando ao envolvimento de todo o sector”, de modo a evitar “pagar multas por ter um parcelário com erros”, nota o gabinete da ministra.

Depois da reforma política de 2002, que desligou o pagamento das ajudas da produção real, fazendo-as depender em exclusivo das áreas agricultadas, foi necessário criar um parcelário onde se inscreveram os milhões de explorações agrícolas da União. Cada agricultor tem de registar a sua parcela na base de dados e delimitar as suas fronteiras com recurso ao GPS. Esta declaração é depois confrontada com o LPIS (Land Parcel Identification System, ou sistema de identificação das parcelas agrícolas) que é gerido ao nível dos estados-membros. A fiscalização das declarações dos agricultores cabe em Portugal ao IFAP, mas as verificações das instâncias europeias são frequentes. Uma dessas verificações pode acarretar um prejuízo de 143 milhões aos cofres públicos.

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