Portugal e EUA com as Lajes ao fundo: Uma reunião tarde de mais?

A redução de efectivos militares é “inevitável”. Mas Portugal pode ainda apostar as suas fichas noutra área capaz de trazer desenvolvimento aos Açores.

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A base norte-americana das Lajes arrisca-se a ser apenas memória Miguel Madeira

O nome é cerimonioso. A Comissão Bilateral Permanente junta esta quarta-feira, em Lisboa, directores-gerais e embaixadores ao longo de um dia inteiro. Portugueses e norte-americanos reúnem-se, pela primeira vez, desde que o Departamento de Defesa dos EUA confirmou a redução drástica do seu efectivo militar na Base das Lajes, localizada na ilha Terceira, Açores.

Nos corredores do poder lisboeta ninguém contesta a seriedade da questão “Esta não é uma questão de Governo, é uma questão de Estado”, admite um responsável português. Oficialmente, é tudo o que se consegue arrancar do Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). A 8 de Janeiro, esse ministério assumiu o seu “forte desagrado” pela “decisão unilateral” dos EUA, ainda antes do presidente do Governo regional dos Açores clamar pela revisão do Acordo de Cooperação e Defesa e da mais comedida reacção do primeiro-ministro, que limitou essa revisão ao acordo técnico.

“A redução é inevitável”, assevera-se em Lisboa, deixando pouca “margem de manobra” para restaurar a imagem de uma ligação diplomática já com mais de 70 anos. 

As expectativas não são, portanto, elevadas. José Filipe Pinto, investigador e professor catedrático de Ciências Políticas da Universidade Lusófona, autor do livro "Lisboa, os Açores e a América", admite apenas “base negocial” para “fazer funcionar o acordo laboral”.

O embaixador Francisco Seixas da Costa, que na sua carreira diplomática ocupou os postos de Londres e Paris, passando por Nova Iorque enquanto representante permanente de Portugal nas Nações Unidas, reconhece também que a “discussão mais fácil” está na procura de um compromisso que defina um “phasing out que tenha em conta os impactos” da redução.

Mas duvida que a “resposta” americana à reunião “possa configurar uma mudança” na decisão da redução. O ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus dos governos de António Guterres justifica essa dificuldade com a “assimetria de reacção” esperada pelos dois lados. “Nos Estados Unidos, a questão está do lado da Defesa, mas o interesse português é na área social.”

Os sinais foram chegando ao longo dos anos. A redução de efectivos nas Lajes não aterrou na Terceira em 2012, quando os norte-americanos pela primeira vez fizeram saber da intenção. As pistas para a retirada já vinham dos anos 90 do século passado, sem que ninguém em Lisboa as sinalizasse. Afinal, há anos que os EUA vinham negociando com a vizinha Espanha – que, ao contrário de Portugal, não foi um Estado fundador da NATO, tendo aderido apenas em 1981 - a instalação de bases militares nesse território.

Sendo a retirada militar uma inevitabilidade, José Filipe Pinto é um dos que critica a forma ineficiente como os sucessivos Governos defenderam o interesse português. Em certa medida, Seixas da Costa reconhece-o igualmente: “Portugal nunca conseguiu usar as Lajes como elemento da sua política externa.”

Mas o investigador acredita que ainda há uma carta que Portugal pode jogar no seu interesse. O Acordo de Cooperação e Defesa sempre compreendeu a possibilidade de um apoio norte-americano ao desenvolvimento da ciência portuguesa. José Filipe Pinto tem dificuldade em “perceber porque é que a cooperação científica tem sido tão baixa”: “Muita gente viu na FLAD a porta para isso, mas a FLAD definiu outros objectivos.”

Investigação e desenvolvimento
E já muita gente identificou uma área onde a cooperação científica com os EUA poderia ser benéfica para Portugal. Três cientistas e investigadores portugueses – Carlos Vieira, Ruben Eiras e Nuno Oliveira - defenderam há dois anos o investimento em projectos capazes de recolocar os “Açores e as Lajes em particular no centro económico do Atlântico”, no âmbito do “potencial de toda a plataforma continental portuguesa”. Através do desenvolvimento de um “cluster de investigação e desenvolvimento, centrada por exemplo na Universidade dos Açores”, com capacidade para “atrair a colaboração de outras instituições de investigação estrangeiras e até uma eventual relocalização”.  

O Plano de Revitalização, apresentado em meados de Janeiro pelo Governo Regional dos Açores, levanta essa possibilidade. Vasco Cordeiro defendeu a criação, na ilha Terceira, de um centro de apoio à extensão da plataforma marítima, conjugando a base militar com uma infraestrutura naval adequada, o que permitiria, por um lado, ajudar a ilha a fazer face ao impacto da redução militar norte-americana e, por outro, "reconhecer e assumir o papel central que os Açores podem ter neste processo".

Pelas contas de José Filipe Pinto ainda há tempo para construir essa solução. A sub-comissão da ONU de especialistas em geociências que analisará a pretensão portuguesa de extensão da plataforma continental só reunirá em 2016. E depois do parecer emitido, “aí será possível fazer valer os argumentos” políticos perante os diferentes Estados na ONU.

Para Seixas da Costa “faz sentido” que Portugal procure capitalizar a retirada militar norte-americana para um apoio político e uma cooperação científica. “Mas não sei se não será demasiado tarde. Além dos mais, os EUA compartimentam sempre as questões e trazer outros actores [departamentos da administração Obama] para esta questão não será fácil”.

Resta, portanto, saber o quando e como Portugal pode jogar a sua carta. “O capital de queixa fica e deve ser explorado por parte da diplomacia para obter qualquer coisa noutras áreas”, remata Seixas da Costa. Mas apenas desde que o Estado português não fique à espera, até que se veja perante uma reunião em que será mesmo tarde de mais.

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