Aos olhos dos investidores, “o caso do BES colocou uma sombra sobre o país”

Martin Gruschka, um dos fundadores da Springwater Capital, que comprou em tempo recorde a ES Viagens, está de olho nas empresas portuguesas e não descarta novas aquisições.

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Springwater diz que quer investir "muito mais em Portugal" Enric Vives-Rubio

Martin Gruschka é um dos três fundadores da Sprigwater Capital, a empresa de capital de risco sedeada em Genebra que comprou em apenas um mês a totalidade do capital da ES Viagens, posta à venda depois dos problemas no Grupo Espírito Santo. Em entrevista em Lisboa – onde esteve para se reunir com a administração do maior grupo português de agências de viagens e operação turística – não descarta novas aquisições em Portugal. Diz que vai manter a marca Top Atlântico e promete dar capital à empresa para crescer por aquisições. A Springwater Capital gere uma carteira global de fundos na ordem dos 900 milhões de euros e está de olho nas empresas nacionais. O alemão Martin Gruschka acredita Portugal vai estar no radar dos investidores internacionais dentro de um ou dois anos. Mas admite que o caso BES penalizou o país.

Por que compraram a ES Viagens?
Somos donos de uma empresa de grande dimensão em Espanha, a Pullmantur, que detém uma agência de viagens chamada Nautalia, uma companhia aérea [Pullmantur Air], um operador turístico e circuitos turísticos de autocarros. Foi por isso que fomos abordados para o negócio da ES Viagens. Sabiam que eramos investidores no sector do turismo. Foi também por isso que pudemos fazer a transacção muito rapidamente. Conhecemos a indústria e temos uma equipa que analisa o mercado em Espanha (não em Portugal), ou seja, há muito know how, o que nos deu coragem para nos movimentarmos depressa. Foi uma oportunidade. Sentimos que era uma empresa em boa forma, que já tinha passado por uma reestruturação significativa, num mercado difícil. Encaixava bem com a estratégia de investimento que fizemos em Espanha.

Foram abordados directamente pela Rioforte?
Sim, pelo banco de investimento que geriu o processo [BESI, Banco Espírito Santo Investimentos].

Antes dos problemas no Grupo Espírito Santo já tinham interesse em investir em empresas portuguesas, nomeadamente de turismo?
Há pouco mais de um ano começámos a olhar para oportunidades em Portugal e fizemos mesmo duas propostas para comprar duas empresas que não se concretizaram.

Que empresas?
Infelizmente, não posso divulgar. Estavam à venda, mas acabaram por não ser vendidas. Já tínhamos interesse e já tínhamos sido abordados por vários bancos de investimento, não só o BESI, porque viram que estávamos muito activos em Espanha. Mas a oportunidade do ES Viagens surgiu de forma espontânea.

Também foram abordados para comprar os hotéis Tivoli?
Sim, foi uma oportunidade que nos foi mostrada mas não queremos comprar companhias hoteleiras. Não queremos investir em activos fixos, como edifícios. Gostamos de empresas de gestão hoteleira, mas não de hotéis. Declinámos. Não por ser uma má empresa, mas porque não encaixa na nossa estratégia.

A vossa estratégia é reforçar investimentos no negócio do turismo na Península Ibérica?
Sim e não só. Gostávamos de fazer mais no sector do turismo, não só em Portugal e em Espanha. Neste momento, não temos nenhuma oportunidade específica em Portugal, mas gostávamos de investir mais. Tal como na América Latina. O objectivo maior é ter um grupo forte no Mediterrâneo e na América Latina, mas até lá chegarmos há um longo caminho a percorrer.

Isso significa que estão à procura de oportunidades para investir noutras empresas portuguesas?
Gostávamos de investir muito mais em Portugal. Só para fazer uma pequena comparação, fui a Espanha pela primeira vez há três anos e no primeiro ano procurámos muito mas não havia nada. Estava tudo ainda numa fase pré-crise. Nos dois anos seguintes, já houve mais oportunidades e nos últimos 18 meses comprámos 12 empresas. Ultrapassou qualquer expectativa que tinha. Há dois anos, quando falava com investidores, todos me perguntavam porque deveriam investir em Espanha. Hoje, todos gostam deste país. E sinto que a situação é semelhante a Portugal. Ainda não está no radar da comunidade de investimento internacional – agora está em Espanha, já esteve na Alemanha – mas dentro de um ou dois anos haverá um interesse muito maior. Há um desencontro entre a percepção internacional e a realidade. Portugal tem feito muitas reestruturações, passou tempos difíceis, mas fez coisas boas. Contudo, devido a um caso (o BES) pensa-se que é um mau país. Penso que a situação real é muito melhor do que a percepção dos investidores estrangeiros. Os portugueses e os espanhóis foram forçados a cortar na sua qualidade de vida e isso permitiu que as empresas se tornassem mais competitivas internacionalmente.

Pode concretizar?
Comprámos várias empresas de engenharia em Espanha. Um engenheiro que constrói um túnel em Espanha é tão como bom um engenheiro que constrói um túnel na Alemanha. A diferença é que o espanhol ganha um quarto do salário do alemão. Se concorrer para uma obra na Arábia Saudita, a oferta espanhola ganha porque é mais competitiva. Vai acontecer o mesmo com Portugal. Penso que têm pessoas muito qualificadas, um bom sistema de educação e vão ter sucesso internacional.

O investimento estrangeiro em Portugal vai aumentar nos próximos anos?
Acredito que sim.

Diz então que os cortes de custos e os despedimentos destes anos de crise emagreceram as empresas e isso, no final, é bom para atrair investidores.
Sim, aliado ao facto de as empresas se terem focado mais na expansão internacional. Antes estava tudo bem no mercado doméstico, era mais fácil ficar em casa do que apanhar um avião. Penso que a necessidade obrigou as empresas a tornarem-se mais ágeis. Isso aconteceu em Espanha e penso que acontecerá também em Portugal. Mas, de repente, o caso do BES colocou uma sombra sobre o país, o que é injusto. Podemos sempre olhar para as coisas de uma outra perspectiva e transformar este acontecimento numa oportunidade.

O caso BES foi um revés para Portugal?
Sem dúvida. Tudo indicava que o país ia na direcção certa. Se hoje falarmos com alguém sobre Portugal, o nome “Espírito Santo” vem ao de cima. Não significa que as suas empresas não sejam boas. Para nós foi uma grande oportunidade. E espero que possamos beneficiar disto, vamos colocar mais capital e gostava de abrir um pequeno escritório local com alguns gestores de investimento.

Em Lisboa?
Sim, acredito que temos de nos mover localmente. Em Madrid temos oito gestores de investimento. Mesmo que haja uma estratégia global, no final, o negócio é local.

Vão recrutar?
Sim.

E quando pretendem abrir o escritório?
No início do próximo ano.

Resumindo, a crise tornou a Península Ibérica numa espécie de “paraíso” para o capital de risco?
Acredito que sim. É esse o caso dos nossos investidores e do interesse que recebo de Londres ou de Nova Ioque. Quanto a Espanha, claramente. Digo-lhes que é o mesmo com Portugal. Mas não acho que se deva colocar os dois países no mesmo cesto. Seria injusto.

Porquê?
Porque em Portugal as pessoas estão mais focadas no contexto internacional, falam outras línguas muito bem, são mais abertas a fazer negócio com outros países. Penso que Espanha só agora, porque foi preciso, avançou. São países com características diferentes. Há, claro, oportunidades de negócio entre os dois, mas acredito que é preciso estar aqui para gerir.

Vão manter o nome Top Atlântico?
Sim, estamos muito satisfeitos com a marca e com a equipa de gestão. É uma boa empresa e o que queremos é dar-lhe os meios para crescer.

E os trabalhadores? Vão manter?
Sim. A empresa passou por uma dura reestruturação e pensamos que isso foi feito com sucesso. Seguimos a estratégia da gestão. Nós não estamos a gerir este negócio, a equipa é boa.

Quanto é que pagaram pela empresa?
Não posso revelar.

A Springwater Capital é uma empresa de capital de risco. Vão vender a ES Viagens dentro de cinco anos?
Temos uma abordagem mais de longo prazo. Pensamos que três ou cinco anos é um período curto porque o que queremos é valorizar a empresa. Isso não se faz de um dia para o outro. Preferimos, por isso, ter um horizonte mais alargado.

Dez anos?
Algo entre cinco e dez anos. Temos empresas no nosso portefólio que detemos há nove anos. O maior risco é quando entramos num novo sector e numa nova empresa porque não conhecemos, há muita incerteza. Quando começamos a perceber o negócio e ele corre bem, é bom ficar, é bom investir mais. Isso é mais importante do que pensar em vender.

Tendo a Pullmantur em Espanha acreditam que têm know how para avançar agora para a Es Viagens?
Temos certamente algum conhecimento. Ter a Pullmantur deu-nos a coragem para responder rapidamente a esta oportunidade. A transacção aconteceu de forma muito rápida.

Em quanto tempo fecharam negócio?
Um mês. É pouco usual para investidores financeiros. Só foi possível porque conhecíamos o sector.

Planeiam investir mais no sector do turismo?
Temos por princípio não investir em sectores específicos, mas ter experiência é mais fácil. Podemos fazer mais. Na engenharia investimos muito, nomeadamente em Espanha. Isso poderia significar que em Portugal iríamos comprar empresas dessa área – e gostaríamos que isso acontecesse – mas não queremos olhar apenas para um sector. Estamos a analisar empresas da agricultura, por exemplo. Pensamos que o turismo está muito ligado ao ciclo económico. Tem havido muitos problemas, com encerramento de empresas, porque os investidores recorreram muito à dívida bancária e num sector que é tão volátil com o turismo isso é muito perigoso. Noutras indústrias isso não é um problema. Mas não se passa o mesmo no turismo, não tem activos fixos e acredito que a dívida deve ser muito pequena.

Onde captam o dinheiro para fazerem os investimentos?
Angariamos capital de investidores institucionais, fundos de pensões, instituições financeiras que investem em capital de risco. Gastamos algum do nosso tempo a falar com investidores e a fazer roadshows para angariar dinheiro.

Com a compra da Top Atlântico passam a liderar o mercado nacional das agências de viagens. Como olham para a concorrência?
Há outros dois grupos portugueses, que ainda não conheço em detalhe. Sei que há três players importantes e que depois o mercado é muito fragmentado.

É um mercado sofisticado?
Não tenho um conhecimento suficiente para fazer essa análise. Mas em Espanha posso dizer-lhe que não é sofisticado. Há operadores grandes, mas não há nenhum que possamos dizer que é o verdadeiro líder.

Vão investir na ES Viagens?
Queremos seguramente dar capital para crescimento orgânico e aquisições. Se a empresa detectar um alvo interessante, certamente que iremos dar apoio. Somos orientados para o crescimento. Mesmo na Unipapel, em Espanha, que opera num mercado em declínio, continuamos a investir em novas máquinas.

Estão interessados em comprar um dos dois concorrentes, a Abreu e a Geostar?
Não os conheço. Em teoria, sim. Na prática, não faço ideia. É demasiado cedo para dizer.

Pode falar-me um pouco sobre a Springwater Capital? Quando é que nasceu?
Sou um dos três fundadores, juntamente com Manilo Marocco e Carlo Stellmamm. Nasceu há 13 anos em Londres. A sede é em Genebra e inicialmente fizemos muitos investimentos em Itália, Alemanha e Suíça. Há dois anos comecei a viajar mais para Espanha e fiquei positivamente surpreendido. Gostamos de olhar para situações especiais, transacções um pouco mais complicadas. Aqui em Portugal foi o tempo. Tínhamos de agir muito rapidamente. Gostamos de casos em que alguém precisa de vender rapidamente, mas tem uma boa empresa. Também compramos empresas em dificuldades, que possam ter elevada dívida, cujo problema é mais de capital.

Actualmente há muita concorrência entre fundos de capital de risco?
Na Europa do Norte neste momento há. É por isso que vim para Espanha e para Portugal. Em Espanha já começa a haver mais concorrência e, de certeza, que o mesmo vai acontecer a Portugal. O resultado vai ser uma subida dos preços.

O tempo para investir em Portugal é agora?
Acredito que sim. É a minha percepção.

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