Presidente da Ucrânia quer revolução política e social para bater à porta da UE em 2020

Programa Estratégia de Reformas – 2020 tem 60 medidas que devem ser aprovadas o mais rapidamente possível. Petro Poroshenko considera que "a parte mais importante e mais perigosa da guerra já acabou".

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"Hoje é o primeiro dia em muitas semanas e meses sem mortos ou feridos na Ucrânia", anunciou Petro Poroshenko Valentin Ogirenko(Reuters

Depois de ter falhado o objectivo inicial de derrotar os separatistas pró-russos pela força, o novo Presidente da Ucrânia está apostado em queimar inúmeras etapas políticas com o sentimento de urgência de quem quer colocar o seu país a caminho da União Europeia até ao final da década. Ainda com uma guerra por resolver no Leste do país, Petro Poroshenko comprometeu-se nesta quinta-feira a revolucionar a justiça e o funcionamento de todo o Estado em apenas seis anos, num programa intitulado Estratégia de Reformas – 2020, que pode resumir-se a uma ideia fundamental: o combate à corrupção no país.

A visão de Petro Poroshenko para o futuro da Ucrânia foi apresentada na manhã desta quinta-feira, na primeira grande conferência de imprensa desde que assumiu a Presidência, em Junho.

Foi uma comunicação ao país e ao mundo, repleta de mensagens para Moscovo, apelos a Bruxelas e Washington e avisos a todos os sectores da sociedade ucraniana, em particular a juízes, políticos e militares – a Ucrânia quer formalizar o pedido de adesão à União Europeia (UE) até 2020 e, para lá chegar, é preciso que todos estejam dispostos a assinar um contrato social, um pacto que deixe para trás os anos de corrupção que deixaram de joelhos as principais instituições do Estado.

A tarefa já seria difícil se uma parte do país não estivesse mergulhada numa guerra há quase sete meses, que já fez mais de 3200 mortos, mas Poroshenko está convencido de que o pior já passou.

"Não tenho dúvidas de que o meu plano de paz vai funcionar e que a parte mais importante e mais perigosa da guerra já acabou. Não tenho dúvidas de que a paz vai ser restaurada em breve", afirmou o Presidente ucraniano, na declaração mais forte até agora em defesa do cessar-fogo assinado no dia 5 de Setembro e do memorando do fim-de-semana passado, que estabeleceu uma zona desmilitarizada de 30 quilómetros entre as partes em confronto.

Antes, numa declaração durante o XII Congresso Extraordinário dos Juízes, Poroshenko reforçara a ideia de que os acordos assinados nas últimas semanas em Minsk, na Bielorrússia, estão finalmente a dar frutos.

"Hoje é o primeiro dia em muitas semanas e meses sem mortos ou feridos na Ucrânia. O cessar-fogo começou realmente a funcionar. É uma razão para festejar. Imaginem: ninguém morreu, ninguém ficou ferido. No último dia houve dois pequenos ataques com armas ligeiras perto de Debaltseve. As armas de artilharia continuaram em silêncio", disse o Presidente ucraniano.

Para além da diminuição da intensidade dos combates, a troca de prisioneiros acordada a 5 de Setembro prossegue também a bom ritmo, apesar de nem sempre incluírem apenas combatentes.

Numa reportagem escrita para o jornal The New York Times em Donetsk, o jornalista Andrew E. Kramer notou que as 28 pessoas entregues pelas autoridades de Kiev aos separatistas pró-russos na quarta-feira constituíam "um grupo heterogéneo de homens, mulheres e adolescentes vestidos com fatos de treino ou calças de ganga sujas, e retirados, segundo os próprios, de cadeias de cidades tão distantes quanto Kiev".

"Sou um civil e fui posto neste grupo só para fazer número. Nunca combati, nunca matei ninguém. Eles [as tropas fiéis a Kiev] detiveram-me, espancaram-me durante dois dias e depois ficaram comigo para me trocarem" por soldados ucranianos capturados pelos separatistas, disse ao jornal norte-americano Nikita Podikov, de 17 anos.

Entre as pessoas detidas pelas forças de Kiev estão civis que, embora não tendo participado em combates, participaram em acções públicas em defesa dos separatistas. Segundo o The New York Times, "uma troca comum parece ser um soldado ucraniano por um agitador político pró-russo detido durante protestos na Ucrânia na Primavera, fora das províncias de Donetsk e Lugansk".

Num relatório publicado no início do mês, a Amnistia Internacional diz ter documentado "vários casos de tortura e outros maus tratos contra pessoas capturadas por membros dos grupos separatistas armados, e também pelas forças pró-ucranianas no Leste da Ucrânia".

Apesar da instabilidade do cessar-fogo, os acordos das últimas semanas tiveram sucesso suficiente para que o Presidente ucraniano pudesse concentrar-se no futuro do país – um futuro que terá de passar pela aprovação de um pacote com 60 reformas políticas e sociais o mais rapidamente possível, para que a Ucrânia possa bater à porta da UE até 2020.

Entre as principais medidas estão o combate à corrupção; a reforma da Justiça e das forças de segurança; a independência energética; e um alívio fiscal para as empresas do país, "para responder às exigências de potenciais investidores internacionais", disse Petro Poroshenko.

A ajuda financeira para a recuperação do país também esteve em destaque no discurso do Presidente ucraniano, em forma de apelo a mais empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI), da UE e dos Estados Unidos – para além de uma "revisão" do pacote de 17 mil milhões de dólares (13,2 mil milhões de euros) atribuído pelo FMI, Poroshenko pediu pelo menos mais mil milhões de dólares (780 milhões de euros) à UE e outros mil milhões aos EUA.

Ao desafio de futuro lançado a toda a sociedade ucraniana (que passa também pela substituição de dois terços dos funcionários públicos nos próximos seis anos), o Presidente da Ucrânia juntou anúncios mais concretos, como o encerramento imediato de toda a fronteira com a Rússia para impedir a passagem de combatentes separatistas (e de soldados russos, segundo Kiev e a NATO) de um lado para o outro – uma medida que pode ter efeitos limitados, já que os separatistas controlam algumas centenas dos cerca de 2000 quilómetros dessa linha.

Na semana passada, o Parlamento da Ucrânia aprovou uma lei que dá mais autonomia às regiões controladas pelos separatistas, mas os pró-russos não abdicam de lutar pela independência das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk.

Os separatistas não aceitam votar para eleger representantes locais no dia 7 de Dezembro, nem nas legislativas antecipadas de 26 de Outubro para a composição do Parlamento de Kiev. Em alternativa, marcaram eleições para dia 2 de Novembro, para escolherem a composição dos seus próprios parlamentos e dos respectivos presidentes.

A este respeito, o Presidente ucraniano apelou nesta quinta-feira a todos os países – incluindo a Rússia – para que não reconheçam as eleições organizadas pelos separatistas.

"Quaisquer outras eleições convocadas por organizações terroristas e datas agendadas à margem das leis ucranianas, sem observadores, em violação dos direitos de voto dos cidadãos ucranianos, não serão reconhecidos nem pela Ucrânia nem pelo resto do mundo. E espero que também não sejam reconhecidas pela Rússia", disse Poroshenko.

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