Governo de Bagdad pede a Obama que mande bombardear os jihadistas

Os sauditas consideram o Iraque às portas da guerra civil. Muitos analistas vão mais longe e pensam que o Estado iraquiano está a caminho da implosão. E os Estados Unidos são forçados a retomar o papel de mediadores no Médio Oriente

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Refugiados que fugiram à violência na província de Nineveh junto a um veículo militar destruído, perto da capital regional curda, Arbil KARIM SAHIB/AFP

O Governo iraquiano pediu formalmente aos Estados Unidos nesta quarta-feira o bombardeamento das posições dos jihadistas do grupo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS). A notícia foi confirmada pelo general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior Interarmas americano: “Temos um pedido do Governo iraquiano para ataques aéreos.”

O Presidente Barack Obama deverá consultar os líderes democratas e republicanos do Congresso. Está excluída qualquer intervenção no terreno. Os americanos parecem encarar a hipótese de ataques selectivos, de preferência com drones, em lugar de bombardeamentos que poderiam atingir a população civil. Numa audiência no Senado, Dempsey declarou que “conter [o ISIS] é um interesse nacional americano”. E atribuiu a responsabilidade da situação “à falência” dos políticos iraquianos. 

A solicitação de Bagdad segue-se ao ataque do ISIS, na passada madrugada, à maior refinaria de petróleo do Iraque, em Baiji, 200 km a Norte da capital. A ofensiva do ISIS, que conquistou no dia 10 Mossul, a segunda cidade iraquiana, prosseguia perante a manifesta incapacidade do exército. 

Assalto à refinaria
O assalto à refinaria ocorreu de noite e de surpresa, como é hábito do ISIS. Foi precedido de ataques com morteiros. Uma fonte da Reuters no interior da refinaria informou que os jihadistas controlavam 75% das instalações. Esta afirmação foi negada pelo exército. Um vídeo mostrava a zona coberta de fumo negro e homens do ISIS festejando em camiões carregados de armamento. Fontes curdas de Kirkuk indicavam à AFP que os combates prosseguiam a meio do dia.

Baiji refina mais de um quarto do petróleo iraquiano. A sua paralisação não significa apenas a perda de uma importante fonte de receita, ameaça o abastecimento das centrais eléctricas. Se os rebeldes controlarem a refinaria, venderão petróleo para financiar as suas operações, tal como fizeram na Síria. 

Havia notícias de combates na cidade de Tal Afar (Nordeste), ocupada pelo ISIS na terça-feira. O exército iraquiano mantinha o controlo da cidade de Baquba, 60 km a Norte de Bagdad, que os rebeldes tinham assaltado também na terça-feira. Durante um assalto à cadeia local terão sido abatidos dezenas de presos: a polícia iraquiana atribui o crime aos jihadistas. 

Repórteres em Mossul, ocupada pelo ISIS, dão conta da reorganização da cidade. Após uma vaga de terror, marcada por execuções sumárias, pelo saque de bancos e de bens governamentais, o ISIS restabeleceu o funcionamento dos serviços essenciais, dos hospitais à recolha do lixo. E decretou as suas normas islâmicas: proibição do álcool e do tabaco, obrigação das cinco preces quotidianas, uso do niqab pelas mulheres. A ladrões e saqueadores será cortada uma mão e os “apóstatas” serão decapitados em público. 

O ISIS conta com a cumplicidade de muitos sunitas hostis ao Governo de Bagdad, a começar por adeptos de Saddam Hussein.

Dado o número de refugiados — talvez 1,5 milhões — a falta de alimentos e a ameaça de problemas sanitários, a ONU declarou o Iraque zona de “desastre humanitário”. 

O jogo de Maliki
O ministro saudita dos Negócios Estrangeiros, príncipe Saud al-Faisal, lançou um novo aviso ao primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki. “A situação extremamente perigosa no Iraque tem condições para uma guerra civil, cuja evolução e consequências sobre a região são imprevisíveis.” Voltou a denunciar a “política confessional e de exclusão” do de Bagdad perante os sunitas. O primeiro-ministro respondeu acusando Riad de favorecer os jihadistas. Os sauditas apoiaram “a rebelião sunita” que se seguiu à ocupação americana mas são hostis ao ISIS.

Por sua vez, o Presidente iraniano, Hassan Rohani, reagiu à ameaça do ISIS de atacar as cidades santas xiitas: o Irão defendê-las-á militarmente. O Wall Street Journal informou há dias que há duas brigadas da Guarda Revolucionária no Iraque a proteger Bagdad e as cidades santas de Kerbala e Najaf. O Irão negou. Mas, no dia 13, foi homenageado o primeiro “mártir” iraniano no Iraque, um pasdar (guarda da revolução).

A Administração Obama partilha as críticas sauditas a Maliki, considerando-o responsável pela frustração dos sunitas que o ISIS explora politicamente. 

Uma análise do Washington Post dá nota de um paradoxo: pelo menos a curto prazo, Maliki aproveita a ofensiva do ISIS para unir os xiitas à sua volta e recusar quaisquer reformas ou negociações sérias com os políticos moderados, xiitas ou sunitas. Quer obter um terceiro mandato como chefe de governo. Tem recusado as pressões americanas para fazer uma abertura em direcção aos sunitas. Responde aos apelos de reforma dos opositores com o argumento de que este é um momento de combate. “É evidente o risco de uma ainda mais funda polarização em termos religiosos”, conclui o jornal.

Entretanto, os curdos, com quem Maliki também cortou as pontes, consolidam o controlo da região petrolífera de Kirkuk. 
A situação é definida por um analista nos seguintes termos: o ISIS não tem força para ocupar Bagdad e formar um governo e a maioria xiita está a mobilizar-se. Mas o exército iraquiano não tem vontade de combater e é altamente improvável que o Governo de Bagdad recupereo controlo das áreas sunitas do país. 

O risco de implosão
Nerchivan Barzani, chefe do governo autónomo curdo, declarou à BBC: “Não acredito que o Iraque possa voltar a ser o que era antes [da queda] de Mossul. É quase impossível.” O analista Fanar Haddad, do Instituto do Médio Oriente da Universidade de Singapura, considera que a ocupação da região de Kirkuk pelos curdos, na sequência da queda de Mossul, é “uma viragem irreversível” no sentido da independência curda. “Os últimos acontecimentos favorecem uma divisão informal do país. Nunca a possibilidade de partilha das regiões árabes do Iraque [xiitas e sunitas] foi tão grande.”

Ruba Husani, uma especialista do petróleo iraquiano, declarou à AFP: “Os americanos desmantelaram as instituições, mas Maliki entrará na História como o homem que perdeu grande parte do Iraque.” O francês Arthur Quesnay admite que o Iraque poderá sobreviver nacionalmente, mas apenas numa estrutura federal ou confederal. “Al-Maliki age numa base confessional, marginalizando as elites sunitas que se encontram encostadas à parede.”

“Pode o Iraque ser salvo?” — interroga-se Zalmay Khalilzad, antigo embaixador americano em Bagdad, Cabul e na ONU. Defende uma política americana de forte pressão sobre Maliki. A América está condenada a servir de mediador político, no Iraque e na região. “A situação no Iraque, tal como a da Síria, demonstra que os EUA não podem fingir que ignoram os problemas do Médio Oriente.”

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