O referendo suíço e o desconcerto europeu

Os sinais de alarme para o projecto europeu, obviamente com grande culpa da própria União Europeia, são poderosos e chegam de todo o lado.

O resultado do referendo suíço contra a imigração foi desconcertante, embora não seja propriamente inesperado, porque já não é a primeira vez que os argumentos nacionalistas e xenófobos da UDC, de Christophe Blocher, conseguem seduzir o eleitorado. É certo que ainda se vai abrir um processo legislativo para regulamentar a proposta aprovada no referendo, mas a verdade é que se criou uma situação muito complexa tanto para a Suíça como para a União Europeia.

Se na Suíça existe hoje algum embaraço com o resultado do referendo, na União Europeia o desconforto não é menor, porque foi diretamente atingida a liberdade de circulação e, com ela, os valores estruturantes do projeto europeu, como o humanismo, a tolerância e a solidariedade que ao longo de cinco décadas se foram construindo sobre os escombros da II Guerra Mundial.

No rescaldo do referendo de 9 de Fevereiro, o que ainda paira no ar são as declarações eufóricas dos líderes extremistas de França, Holanda, Reino Unido, Itália e outros, que advogam o fim do projeto europeu e têm hoje uma aceitação alarmante nas opiniões públicas dos seus países. Ficou assim clara uma divisão que se acentua cada vez mais e que, a continuar, trará no futuro um crescente aumento das tensões sociais e políticas no espaço comunitário.

Com efeito, os populismos e os nacionalismos de diferentes matizes estão a ganhar terreno de forma assustadora, indo inclusivamente ao ponto de em alguns países se inspirarem no nazismo, como acontece na Grécia, Bulgária ou Hungria. E, no entanto, apesar de todas as suas insuficiências e imperfeições, a União Europeia não deixa de ser o projeto político mais brilhante que a História já produziu e o espaço de prosperidade mais dinâmico do mundo. E mesmo apesar da sua atual matriz neoliberal e da péssima gestão que fez da crise económica que potenciou um aumento da emigração.

Em Portugal, a reação do Governo através do ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, foi frouxa e tardia e revelou um displicente distanciamento quer quanto à defesa dos portugueses na Suíça quer do projeto europeu. E tal como Portugal deve defender estas duas dimensões, também a União Europeia deve ser intransigente na defesa da liberdade de circulação, um dos pilares da identidade europeia.

Seja como for, vai agora abrir-se um processo de consulta aos cantões, partidos políticos e parceiros sociais sobre o projeto de lei que irá regulamentar o texto constitucional aprovado no referendo, que provavelmente será votado em Dezembro de 2015. Tudo dependerá da forma como a lei estabelecer os regimes de quotas, agrupamentos familiares, definição dos critérios para conceder as autorizações de permanência e outros aspetos. No limite, pode até acontecer uma de duas coisas: ou a lei proposta chumbar no Parlamento, ou ser aprovada e ser objeto de um novo referendo para que seja revogada. Mas para os cerca de 1,8 milhões de imigrantes (1,2 milhões de comunitários, entre os quais mais de 250.000 portugueses) nada mudará enquanto não houver uma nova lei.

O que há de surpreendente no referendo para travar a imigração, é que a Suíça viveu uma década de crescimento acentuado desde a sua adesão ao acordo de livre circulação com a União Europeia e tem atualmente uma das taxas de desemprego mais baixas do mundo, de apenas 3,5 por cento. O mais provável é que a adoção futura das novas regras burocráticas de controlo de imigração venha criar dificuldades acrescidas à atividade económica e mais ainda se vierem a ser denunciados os acordos com a União Europeia.

É por tudo isto que os populismos são perigosos, porque arrastam com a sua retórica enganadora os povos para aventuras de que mais tarde se poderão arrepender. É certo que o projeto europeu não encontrou a sua morte na Confederação Helvética, mas não faltará muito se continuar pelo mesmo caminho e se continuarem a crescer os partidos eurofóbicos, xenófobos e nacionalistas. Os britânicos, que sofreram muito com as grandes guerras, até já anunciaram um referendo para 2017 decidirem se querem ou não manter-se na União Europeia. Os sinais de alarme para o projeto europeu, obviamente com grande culpa da própria União Europeia, são poderosos e chegam de todo o lado.

Deputado do PS

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