Estaleiros sem encomendas nas mãos de um grupo endividado

A evolução recente dos negócios dos irmãos Martins tem-se traduzido em prejuízos elevados (54,4 milhões de euros, em 2012) e na acumulação de uma dívida líquida assustadora (377 milhões de euros). As perspectivas de evolução do negócio dos estaleiros são sombrias. As dúvidas sobre a racionalidade dos negócios avolumam-se, e não apenas junto dos trabalhadores

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A proposta da criação de uma comissão de inquérito sobre o processo de subconcessão dos estaleiros é do PCP. Paulo Pimenta

Quando a Martifer ganhou a subconcessão dos estaleiros de Viana, um analista financeiro já habituado a ver os irmãos Martins a sair de vários negócios com imparidades, decidiu olhar para as contas dos estaleiros de Viana, para avaliar se este negócio era atractivo. O que leu na introdução do relatório de 2012 surpreendeu-o, mas pela negativa, designadamente a referência a que actualmente existe um “excedente de oferta de frota a nível mundial”, que cria “uma concorrência feroz e muitas vezes desleal por parte dos agentes económicos deste sector”.

O relatório refere uma série de alertas negativos – que até já vinham de anos anteriores - sobre as perspectivas de futuro da indústria naval, que contrastam com as declarações optimistas de Carlos Martins, presidente da Martifer, face às perspectivas de negócio e de contratação de trabalhadores.

De um lado, estava um estaleiro à procura de comprador com um passivo de 280 milhões de euros e sem perspectiva de mercado. Do outro, um comprador cuja dívida líquida atinge os 377 milhões de euros.

O analista ficou de pé atrás. A história recente de entrada da Martifer em novos negócios tem deixado uma marca de grande voluntarismo e empreendedorismo dos irmãos Martins, Jorge e Carlos, que controlam 42% do capital da holding, mas que em muitos casos têm acabado por sair com imparidades ou perdas brutais, que deixam rasto nas contas, principalmente desde 2009.

A imagem de voluntarismo dos dois accionistas, que têm liderado os negócios da empresa, não é pacífica. Há quem veja na entrada e saída de negócios uma estratégia em que os novos activos servem sobretudo para aumentar a capacidade de contrair dívida. “É sustentar o insustentável, baseado na expectativa”, para um gestor do sector.

A expectativa tem sido gerida também com uma especial proximidade ao poder, a ex-políticos e ex-altos funcionários, que se tornaram sócios ou foram recrutados, assim que terminam funções oficiais e nunca por mais de três anos. Foi o caso de Manuel Lancastre, que foi secretário de Estado de Energia no governo de Durão Barroso, Miguel Barreto, que foi director-geral de Energia de 2004 a 2008, e João Dias, responsável pelo gabinete da mobilidade eléctrica que funcionava sob a tutela directa de José Sócrates. Tiago Andrade e Sousa foi, por seu lado, da Martifer para chefe de gabinete do ex-secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes.

A Martifer chegou à bolsa em Junho de 2007, como uma “estrela” cheia de potencial. Estava em duas frentes de negócios auspiciosas: as construções metálicas e as energias renováveis. As acções foram vendidas a 8 euros e no dia de estreia chegaram aos 12 euros. Um mês antes tinha ganho, associada aos indianos da Suzlon, a corrida ao controlo da Repower Systems AG, um dos principais fabricantes mundiais de turbinas eólicas, beneficiando da desistência dos franceses da Areva. Foi um dos seus anéis mais preciosos, mas com tempo contado.

Reforçada pela operação da Repower, a Martifer assinou em Setembro desse mesmo ano o contrato com o Governo para a construção de 400 MW de parques eólicos (através do consórcio Ventinveste liderado pela Galp) e comprou em Janeiro de 2008 a totalidade do capital dos estaleiros de Aveiro, a Navalria. Seis meses depois, os irmãos Martins entraram também no negócio das minas, em Aljustrel, mas fizeram-no através da sua holding pessoal, a MTO, sem nunca ter sido conhecido o valor da transacção, apenas a contrapartida – a mina do Gavião e o seu imenso filão de cobre.

Pouco depois, a “estrela” Martifer foi perdendo brilho e as acções foram caindo. A crise financeira internacional e os relatórios e contas que foram sendo publicados foram encolhendo o valor aos títulos. A última cotação, de sexta-feira, foi a 0,79 cêntimos por acção.

A Mota-Engil, que detém 37,5% do capital da Martifer, tem sofrido duplamente o impacto dos prejuízos da empresa e da desvalorização das acções. Recente, foi nomeado um novo administrador executivo, com o pelouro área financeira. Trata-se de Mário Rui Rodrigues Matias, que vem da Ascendi, e a sua entrada foi interpretada no mercado como um maior envolvimento da construtora na empresa criada pelos irmãos Martins.

Neste momento, poucas casas de investimento seguem a empresa. A rapidez de entrada e saída de negócios, a alteração regular de perímetros de consolidação, a divulgação de informação demasiado agregada e a reduzida liquidez do título estão na base deste distanciamento.

Em 2009, a Martifer apresentou um lucro que se visse, de 100 milhões de euros, mas devido à venda da participação na Repower. A venda ajudou a empresa a reduzir o endividamento, que nesse ano era de 444,5 milhões de euros, uma dimensão que dava muito nas vistas face aos resultados operacionais, que eram de 606,1 milhões de euros.

Os números do exercício de 2010 já ficam marcados por um prejuízo consolidado de 54,8 milhões de euros, devido a imparidades, essencialmente nas participadas RE Developer, de 53,8 milhões de euros. Nesse ano, os resultados operacionais foram de 602,1 milhões de euros e a dívida caiu para 343,8 milhões de euros.

Em 2011, novas imparidades, de 12 milhões de euros, por alienação de parceria nos Estados Unidos. Nesse ano, os prejuízos são de 49,6 milhões de euros, os resultados operacionais caem para 550,1 milhões de euros, e a divida líquida praticamente não sofre alteração, nos 330 milhões de euros.

Os números de 2012 não surpreendem pela positiva. Os prejuízos voltam a ficar acima dos 50 milhões, mais concretamente em 54,4 milhões de euros, e foram reportadas imparidades de 22,7 milhões de euros. A dívida líquida consolidada subiu um pouco, para 377 milhões de euros e os resultados operacionais caíram para 491 milhões de euros. O ano ficou ainda mercado pelo encerramento da unidade de construções metálicas na Polónia.

Já em 2013, a Martifer comunicou a alienação de parte da sua participação na subsidiária Prio Energy SGPS, à capital de risco OxyCapital - Sociedade de Capital de Risco, reduzindo a sua participação de 49% para 10%. A empresa adianta que o encaixe desta operação, com a qual também transitou João Dias, permitirá ao grupo Martifer uma redução da sua dívida de aproximadamente de 31,2 milhões de euros. Também este ano, a empresa vendeu os parques eólicos da RE Developer no Brasil.

Em Setembro, a empresa reportou um prejuízo consolidado dos primeiros nove meses de 48,7 milhões de euros e a dívida consolidada ascendia a 378 milhões de euros.

Os irmãos Martins e a sua Martifer chegaram a ser apelidados de grupo do regime no tempo de José Sócrates, mas não podem queixar-se do Governo de Passos Coelho: viram prorrogada por mais um ano, para o fim de 2014, a conclusão do contrato de investimento em Aljustrel; em Julho passado, a Ventinveste, da qual são os parceiros industriais, tinha apenas em funcionamento um dos oito parques eólicos previstos, beneficiando de arrastadas negociações com o Governo para alegada “adequação de calendários”; e os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, que tinham tentado comprar em Agosto de 2011, são agora da Martifer.
 
 
 
 

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