Quem manda?

Há 50 anos tínhamos um valor de dívida pública em relação ao PIB de cerca de 25%, em 1974 tínhamos 15% e hoje temos 130%. Esta evolução demonstra bem que falarmos em crise por causa deste ou daquele político é perfeitamente redutor. A crise é naturalmente das políticas que temos escolhido nos últimos 40 anos, muito em resumo do que hoje chamamos direitos adquiridos. Nem tudo é mau neste sistema, a avaliar pelos serviços e pelos apoios que temos hoje do Estado. O problema, claro, é que não temos sido nós a pagar, o que também nos dá muito jeito mas que implicou que cada vez tenhamos menos controlo, quer no que produzimos, quer no que gastamos. Em resumo fica-nos a questão de saber quem manda ou passou a mandar no nosso país.

Usar um ou outro indicador económico para dizer bem ou mal de determinado político ou sistema não é honesto, mas também não o é quando fazemos asneira e argumentamos que tivemos azar com a conjuntura internacional ou outra qualquer razão que faça parecer que o que nos acontece de mal era impossível de prever. No 25 de Abril tínhamos de facto uma dívida de 15% do PIB, mas com uma política económica desatualizada, com excessiva dependência externa, más condições de vida e um baixo poder de compra. Estas são as razões económicas que nos vêm à cabeça para justificar a revolução. O preço do petróleo ter subido 400% entre Outubro de 1973 e Março de 1974 parece ter sido um pormenor de franja. Em 1977 fazíamos o nosso pedido de adesão à CEE, entre 1980 e 1985 todas as nossas prioridades politicas foram nesse sentido e em 1986 conseguimos ser membros efetivos. O nosso rácio da dívida estava então perto dos 60%.

Entre 1986 e 1991 a Europa encheu-nos de fundos estruturais. Num espírito solidário, ou não, era preciso reduzir a nossa disparidade à Europa e modernizar o nosso sistema produtivo. Claro que as facturas também foram chegando, a contrapartida era harmonizar a nossa legislação, em especial no que se referia à economia, à fiscalidade, à energia e ao ambiente. A evolução económica foi positiva mas todos reconheceremos o sistema absurdo que criámos neste período, habituamo-nos a um Estado que distribuía dinheiro, sabemos que nem sempre, ou muitas vezes, com critérios afastados do mérito e na bondade dos investimentos. Na última década do século passado voltamos ao crescimento económico mais modesto. Em 2000, a nossa dívida rondava os 50% do PIB.

A partir de 2000, já com um apoio da Europa bem mais contido, continuamos a melhorar o nosso Estado social, não porque a evolução da economia o permitisse ou recomendasse mas porque aumentávamos a nossa dívida e os nossos impostos. Alguns terão achado, ou nem pensaram nisso, que era o empurrão que a nossa economia precisaria, uma espécie de programa de estímulos como agora vemos alguns países a tentar fazer com o sucesso que conhecemos. Em 2008 a crise financeira internacional mostrava claramente o ponto a que chegávamos com o excesso de financiamento. Portugal, num golpe de rins de José Sócrates e a anuência da Comissão Europeia em esquecer os rácios que até aí nos vendiam como factores de estabilização, resolveu que o Estado se substituiria à economia e a dívida continuou a subir. Claro que os potenciais credores foram desaparecendo e, em ultimo recurso, pedimos ajuda à troika, que nos passou a governar de longe desde então. O programa de governo, ou pelo menos a sua prática, passou a ser o de gastar, ou tentar gastar, menos.

Hoje temos uma réstia de esperança, que aqueles que decidem, os que passam os cheques, vejam que o resultado dos programas de austeridade teve um efeito negativo na economia substancialmente maior do que se previa inicialmente. O discurso político, esse até já mudou, a austeridade passou a ser um termo a evitar. Passamos a falar em reformas estruturais. É tudo igual, claro, não se pode gastar mais do que o que se tem por muito tempo, mas o nome é diferente.

A Europa vai (continuar a) flexibilizar os limites dos deficits aos países com maiores problemas, a começar por França que tem feito um trabalho notável para não ser reconhecido entre o grupo de países mais vulneráveis. A Alemanha e outros países do norte da Europa precisam dar este estimulo, pois precisam que esta gente lhes continuem a comprar o que produzem.

Os países com programas especiais de ajuda, como Portugal, também precisam mais tempo e mais dinheiro, e claro que vão ter, na mesma lógica dos outros. A solidariedade não é como sabemos inocente nem desinteressada mas claro que a aproveitaremos, dando em troca o que nos forem pedindo ou exigindo.

Portugal não tem estas coisas de borla, como seria de imaginar. Uma série de politicas, algumas muito sensíveis como a legislação do trabalho, o apoio aos pensionistas e desempregados e muitas outras já deixaram de ser decididas por nós. Continuaremos a ter eleições de quando em quando, continuaremos a ter o principal partido da oposição, seja o PSD ou o PS, a dizer que está tudo mal feito e que fariam melhor mas o certo é que nos limitaremos cada vez mais a ter um governo de gestão, que presta contas sistematicamente a quem nos for emprestando dinheiro.

Mesmo a questão de decidirmos pagar ou não pagar a nossa dívida deixou de ser nossa. Podemos dizer cobras e lagartos do nosso ultimo ministro das finanças mas ninguém terá dúvidas que ou temos capacidade em pouco tempo de diversificar os nossos credores ou cada vez nos obrigam mais a fazer o que não queremos. Reparem que não está afastada a hipótese, nem é inédito, que um dia para nos darem mais alguns euros nos obriguem a incumprir com alguns empréstimos.

Os discursos dos nossos políticos, em geral, e até dos comentadores, têm uma coisa curiosa, têm todos razão! Nós gostamos de ser enganados por essa gente e é bom que assim seja, são eles que continuam com a capacidade de nos dar esperança e confiança, mas a nossa dívida é hoje 130% do PIB, não são 15% como tínhamos em 1974. Conduzirmos nós a política do nosso país é coisa do passado, essa oportunidade já foi e naturalmente não voltará tão cedo. Quem manda somos nós, claro, somos um país democrático, mas já decidimos entregar o governo a outros!

Consultor em projectos de investimento e seguros de crédito

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