Snowden usou programas de baixo custo para entrar nas redes da NSA

Ex-analista informático conseguiu duplicar sites e aceder a milhões de documentos. Funcionários dizem que tal só foi possível por ser uma sucursal.

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Snowden está refugiado na Rússia Laura Poitras/The Guardian/Reuters

O ex-analista informático Edward Snowden usou ferramentas de baixo custo para se infiltrar nas redes da Agência de Segurança Nacional norte-americana e aceder a quase dois milhões de documentos confidenciais.

Funcionários dos serviços de informações norte-americanos assinalaram que Snowden utilizou programas de rastreio da Internet que procuram, indexam e duplicam sites, avança o New York Times. O jornal acrescenta que a revelação é surpreendente, uma vez que a missão da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos inclui a protecção dos sistemas informáticos militares e de serviços de informações mais importantes contra possíveis ataques cibernéticos, nomeadamente da Rússia e da China.

As informações eram recolhidas por Snowden durante um dia normal de trabalho, segundo adiantou um oficial ao mesmo jornal, motivo pelo qual o processo tinha de ser em parte “automatizado”. Os investigadores concluíram que a actuação de Snowden foi muito pouco sofisticada e deveria ter sido fácil de detectar.

Além disso, as acções de Snowden ocorreram cerca de três anos depois do caso WikiLeaks – em que documentos militares e do Governo foram interceptados através de meios semelhantes – considerando-se, por isso, que a técnica deveria ter sido mais prontamente descoberta. Porém, como vantagem Snowden tinha o facto de trabalhar na NSA, em regime de colaboração, com a agência no Havai, ajudando a gerir sistemas informáticos.

Aumento da vigilância
Os programas rastreadores da Internet movem-se de forma automática de um site para outro e podem ser programados para que façam uma cópia de tudo o que encontram à sua passagem. O New York Times lembra que entre os materiais destacados nos documentos obtidos por Snowden estão as "wikis" da NSA, onde analistas de informações e outros partilham informação.

Segundo funcionários da NSA, citados pelo mesmo jornal, se Snowden tivesse trabalhado na sede central da agência, perto de Washington, teria sido mais fácil detectá-lo, uma vez que o edifício está equipado com sistemas de segurança que detectam alguém a aceder a grandes volumes de documentos. Estes sistemas ainda não existem em todas as delegações mas, após o caso, aumentou a vigilância.

Snowden considerou também irónico que os Estados Unidos desenvolvam enormes esforços para evitar ataques informáticos por parte de estrangeiros e que se esqueça dos nacionais. Os investigadores, por seu lado, vão ter de tentar explicar se o informático quando entrou para aquele lugar na NSA já sabia que as funções que iria desempenhar lhe poderiam permitir este tipo de acção, para distinguir entre “sorte” e “estratégia”, acrescentou outro funcionário dos serviços de informação. Não está também excluída a hipótese de que tenha recorrido a passwords de colegas para aumentar os privilégios de acesso a informação confidencial.

Em comunicado divulgado por um dos seus advogados, Snowden afirmou que "é irónico que o Governo" norte-americano "esteja a dar informação confidencial aos jornalistas", numa tentativa de o desacreditar por ter partilhado informação confidencial. "A diferença é que eu fiz para informar o público sobre as acções do Governo e eles estão fazer para desinformar o público sobre as minhas", sustentou.

1,7 milhões de documentos copiados
Snowden, actualmente refugiado na Rússia, desviou cerca de 1,7 milhões de documentos altamente secretos sobre o programa de vigilância da administração norte-americana e divulgou-os à imprensa. Esses revelaram a intercepção secreta de tráfego telefónico e de Internet a nível global. Foi divulgada a vigilância de cidadãos em larga escala — com dados como hora, duração e assunto das comunicações, embora não o conteúdo — e também de líderes estrangeiros como a chanceler alemã, Angela Merkel, e a Presidente brasileira, Dilma Rousseff.

O antigo analista é acusado de duas violações do Espionage Act, por divulgação não autorizada de informação classificada, e de uma terceira, de roubo de propriedade governamental. Incorre em penas de prisão por cada uma delas. Em tribunal, o Governo poderá juntar novas acusações.

Em Agosto, como lembra o New York Times, o Presidente Barack Obama disse que Snowden devia regressar e responder na Justiça e sugeriu que se quisesse ter evitado as acusações de crime devia, muito simplesmente, ter comunicado aos seus superiores os abusos que tornou públicos.

O antigo analista disse em Dezembro, numa entrevista ao Washington Post, que fez isso mesmo, que comunicou as informações a dois superiores, mas que estes nada fizeram. Só depois, disse, optou pela divulgação pública. A NSA diz que não há provas de que o tenha feito.

O caso conheceu em Dezembro de 2013 três desenvolvimentos que podem alterar a forma como foi anteriormente encarado pelas autoridades norte-americanas. Rick Ledgett, que liderou o grupo da NSA que analisou as fugas de informação, admitiu, numa entrevista à CBS News, considerar a hipótese de uma amnistia se o antigo analista não fizer novas revelações.

Um juiz de um tribunal de Washington considerou que o programa que põe sob vigilância as comunicações dos cidadãos de forma indiscriminada é “provavelmente inconstitucional”. Por fim, um painel de peritos nomeado pelo Presidente concluiu que a população mundial está sujeita a uma vigilância constante e que os políticos e os juízes devem actuar. O relatório entregue a Obama preconiza a impossibilidade de ser guardada informação sobre cidadãos recolhida em larga escala e reforçou a pressão sobre a necessidade de o Congresso e a Casa Branca procederem a uma revisão dos programas de vigilância da NSA.

Na entrevista ao Washington Post, em vésperas de Natal, a primeira em território russo, Snowden declarou a sua “missão cumprida”. “Por mim, em termos de satisfação pessoal, a missão já está cumprida. [...] O que eu queria era que o público pudesse ter algo a dizer sobre o modo como somos governados”, disse.

Snowden afirmou igualmente que não se via numa luta contra a NSA. “Eu ainda estou a trabalhar para a NSA, eles é que não se apercebem”, declarou, explicando que o seu objectivo não é derrubar a agência, mas melhorá-la.

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