O último discurso de Jaurès

"Cidadãos,

Quero dizer-vos que nunca estivemos, ou pelo menos desde há quarenta anos não estávamos, em situação mais ameaçadora do que nesta hora em que tenho a responsabilidade de vos dirigir a palavra. Ah, cidadãos! Não quero forçar as cores sombrias do quadro, não quero dizer-vos que a ruptura diplomática entre a Áustria e a Sérvia de que nos chegou notícia há apenas meia hora signifique necessariamente que vá rebentar uma guerra entre a Áustria e a Sérvia e não vos digo que esta guerra se estenderá necessariamente ao resto da Europa. Mas digo-vos que as probabilidades terríveis que temos contra nós, contra a paz, contra a vida humana na hora atual, tornam necessário que os proletários da Europa façam todos os esforços de solidariedade suprema que se possam tentar.

No momento presente, estamos provavelmente nas vésperas do dia em que a Áustria se irá lançar sobre os sérvios, e se depois a Áustria e a Alemanha se lançarem sobre os sérvios e os russos, é a Europa a arder, é o mundo a arder.

Numa hora tão grave, tão cheia de perigos, não quero perder tempo procurando responsabilidades. Nós temos as nossas... O nosso ministro dos Negócios Estrangeiros disse uma vez à Áustria: “Fiquem com a Bósnia-Herzegovina, sob condição que nos deixem ficar com Marrocos”. E passávamos de potência em potência as nossas oferendas de penitentes. Dissemos à Itália: “Podes aventurar-te na Tripolitânia, já que nós estamos em Marrocos, podes ir roubar ao fim da rua, porque eu já roubei lá na outra ponta”.

Cada povo cruzou as ruas da Europa com a sua pequena tocha nas mãos; agora, eis o incêndio.

A política colonial da França, a política dissimulada da Rússia e a vontade brutal da Áustria contribuíram para criar o horrendo estados de coisas em que nos encontramos. A Europa debate-se como num pesadelo.

Pensai no que seria este desastre para a Europa: já não se trataria, como nos Balcãs, de um exército de trezentos mil homens, mas antes quatro, cinco e seis exércitos de dois milhões de homens. Que massacre, que ruínas, que barbárie! E é por isso que, quando a noite de trovoada já se abate sobre nós, ainda quero crer que o crime não será consumado. Cidadãos, se estala a tempestade, todos nós, e nós socialistas, nas horas que restam, devemos redobrar os nossos esforços para evitar a catástrofe.

Digo estas coisas com uma espécie de desespero. Não há mais do que uma esperança de manter a paz e salvar a civilização: é que o proletariado junte todas as forças do seu incontável número de irmãos, franceses, ingleses, alemães, italianos, russos — e que exijamos a esses milhares de homens que se unam para que a batida unânime dos seus corações afaste de nós este terrível pesadelo."

Este discurso, de que traduzi aqui excertos, foi pronunciado a 25 de julho de 1914, fará depois de amanhã cem anos. Nos dias seguintes, Jean Jaurès, líder dos socialistas franceses, percorreu ainda todos os clubes operários apelando a que os europeus fizessem greve geral contra a guerra “dos imperadores, dos colonialistas e dos capitalistas”. No dia 31 de julho foi assassinado por um louco nacionalista.

No início de Agosto começava a guerra.

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