Americanos, iranianos e sauditas perplexos sobre o que fazer no Iraque

Prosseguem os combates. É improvável que atinjam Bagdad e que se desloquem para o Sul. É uma guerra iraquiana, que toca americanos, iranianos e sauditas num complicado xadrez. E que envolve jihadismo, religiões, tribos e a hegemonia regional.

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O Governo iraquiano começou a dar treino militar a voluntários recrutados nos últimos dias MOHAMMED SAWAF/AFP

Tanto a situação militar no terreno como as movimentações políticas internacionais permanecem difusas e voláteis. Há combates a 60 km de Bagdad, o que inquieta o governo iraquiano, Washington e Teerão. Mas nada indica que os rebeldes jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) consigam aproximar-se da capital.

Os Estados Unidos decidiram enviar 275 soldados para o Iraque a fim de proteger a embaixada em Bagdad e os seus consulados. Barack Obama continua a reunir-se com os conselheiros para estudar as formas de intervenção. Estudariam a hipótese de utilizar drones para atacar as colunas do ISIS.

Outro ponto delicado é a colaboração com o Irão. Um pequeno sinal: o primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou que as circunstâncias são propícias à reabertura da sua embaixada no Irão, encerrada em 2011. Na segunda-feira, em Viena, diplomatas americanos e iranianos aproveitaram as negociações sobre o nuclear para abordar a situação no Iraque. Uma porta-voz do Departamento de Estado falou em “interesses partilhados” entre americanos e iranianos quanto à ofensiva jihadista no Iraque.

Frentes de combate
As forças do ISIS atacaram a cidade de Baquba, capital da província de Diyala, a 60 km de Bagdad. Segundo o exército, o ataque foi repelido depois de os rebeldes terem controlado a cidade durante horas. Haverá dezenas de mortos. Em compensação, os jihadistas apoderaram-se da maior parte de Tal Afar, uma estratégica cidade xiita, a Oeste de Mossul e a 380 km de Bagdad.

O Governo iraquiano bloqueou o acesso à Internet, designadamente às redes sociais, em cinco províncias onde o ISIS é mais activo. As redes sociais são normalmente usadas para difundir informação e mobilizar activistas. O ISIS, que se caracteriza por um grau limite de violência e crueldade, utiliza-as para espalhar o terror e intimidar as populações com a difusão de fotos e vídeos macabros, como execuções em massa. Não visa captar simpatizantes mas desmoralizar os inimigos ou exacerbar o ódio e as divisões entre sunitas e xiitas.

A utilização de drones americanos é incerta, visto depender da autorização dos países árabes que albergam as bases americanos e que são geralmente hostis ao Governo xiita de Bagdad. Os EUA encaram ainda o envio de um corpo de instrutores militares para apoiar o exército iraquiano. Há indicações de que já estarão em acção no Iraque instrutores militares iranianos.

Bagdad em risco?
A ofensiva do ISIS, lançada a 9 de Junho, foi marcada pela fulminante tomada de Mossul, de uma grande parte das províncias de Ninive, Diyala, Salahedine (Tikrit) e outras regiões no Norte.

O analista Kenneth Pollack, da Brookings Institution, assinalou ser altamente improvável que a ofensiva atinja Bagdad. Aquelas cidades, que caíram como um castelo de cartas, eram defendidas por tropas maioritariamente sunitas e curdas, hostis à política sectária do primeiro-ministro xiita, Nouri al-Maliki. Mossul é uma cidade sunita e curda com dois milhões de habitantes. Bagdad é uma metrópole de quase nove milhões e, hoje, dominada pelos xiitas (de 75 a 80% da população). Os rebeldes não têm força para afrontar os xiitas na região da capital. Admite Pollack que tentem contornar Bagdad e avançar para o Sul. Ontem, o Governo turco anunciou a evacuação do seu consulado em Bassorá (Sul) “por razões de segurança”.

Mas, previne o analista, estas análises não passam de cenários num tipo de guerra em que os próprios participantes nem sempre sabem se estão a ganhar ou perder. Por outro lado é um confronto de inúmeras variáveis, misturando jihadismo, religiões, tribos, terrorismo e rivalidades regionais — além de estreitamente ligado à guerra síria. Nenhuma das notícias é boa para a unidade do Iraque, cujo risco de “decomposição” parece elevado.

A dança das potências
A natureza de uma eventual cooperação com o Irão no conflito é um assunto delicado e complexo para os americanos. Para lá do dossier nuclear, os dois países têm posições diferentes na Síria e em relação ao próprio Iraque. Ambas as partes usam uma linguagem prudente. Por outro lado, é um tema que muito preocupa os sauditas. Estes não apoiam o ISIS mas declaram opor-se “a todas as ingerências estrangeiras nos assuntos internos do Iraque”.

Os sauditas não querem ver-se a “combater” em duas frentes, contra a Síria de Bashar Assad e os jihadistas do Iraque. Adversários do Irão na guerra síria e na disputa da hegemonia no Médio Oriente, os sauditas enviaram nos últimos dias alguns sinais de abertura a Teerão. Por sua vez, o Presidente iraniano, Hassan Rohani, manifestou o desejo de melhorar as relações com Riad.

A situação, como se disse, é difusa e volátil. Sylvie Kaufmann, enviada do Monde a Roma, reporta uma declaração do príncipe saudita Turki al-Faisal na capital italiana. Depois de frisar que a situação no Iraque se agrava “de hora a hora”, rematou: “Uma das ironias que poderia emergir desta situação seria ver guardas da revolução iranianos a combater com drones americanos para matarem iraquianos. Isto ultrapassa todo o entendimento.”

É um cenário de ficção mas traduz o espírito da semana. E com eco no Irão: jornais reformadores e conservadores digladiam-se a propósito de um entendimento com os americanos no Iraque.     

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