Unicer e Central de Cervejas, sedentas de liderança

Não haverá, provavelmente, outro sector de actividade em que a palavra guerra seja tantas vezes pronunciada. Guerra de inovações, de patrocínios, de preços, de acusações e, agora, guerra de liderança.

Central de Cervejas e Unicer, donas das marcas Sagres e Super Bock, reclamam o primeiro lugar do mercado português. Afinal, quem é o líder? E, mais importante, para quê?

As campanhas de publicidade que chegaram às televisões nacionais na semana passada são o mais recente reflexo de um duelo que dura há décadas. O mote é exactamente o mesmo: agradecer a preferência dos consumidores em 2008. Do lado da Unicer, trabalhadores de diversas áreas juntam-se para brindar com os portugueses. Do lado da Central de Cervejas, é o próprio presidente executivo, Alberto da Ponte, que oferece "uma rodada a Portugal".

A verdade é que as duas cervejas são líderes, dependendo da perspectiva com que se olha para os números do mercado. A Super Bock ganhou no acumulado do ano, registando uma quota de 45,1 por cento, contra 43,6 por cento da rival. E a Sagres ganhou no último bimestre analisado (Outubro e Novembro do ano passado), com uma quota de 45 por cento. Nesse período, a marca da Unicer ficou-se pelos 44,2 por cento.

Num comunicado enviado pela Central de Cervejas, a empresa refere que a Sagres "recuperou a liderança cerca de 20 anos depois", graças ao reforço de posição no canal não alimentar (hotéis, restaurantes e cafés, por exemplo) e na grande distribuição. Foi nesse contexto que avançou com a campanha de publicidade protagonizada pelo seu presidente e avaliada em três milhões de euros.

António Pires de Lima, presidente executivo da empresa nortenha, detida em 44 por cento pela cervejeira dinamarquesa Carlsberg, nunca negou que estava a perder terreno para a concorrência. Aliás, foi também por isso que avançou com uma reestruturação interna, logo quando entrou na Unicer, em Julho de 2006.

No total, a operação de emagrecimento, que culminou com o despedimento de 700 pessoas, custou 45 milhões de euros. "Caso contrário, teríamos dificuldade em manter rentabilidade face a um concorrente tão dinâmico", admite o gestor em entrevista.

Para medir forças com uma concorrência cada vez mais feroz, o gestor pôs em xeque os resultados financeiros. Os lucros da Unicer vão ficar-se pelos 20 milhões de euros em 2008, quando, um ano antes, chegavam aos 27,4 milhões de euros. O resultado "foi muito afectado pelos custos de reestruturação", explica. Em termos de negócio global, a empresa cresceu três por cento em valor, facturando agora de 472 milhões de euros.

A Central de Cervejas não apresenta resultados oficiais, por política interna do seu accionista - a holandesa Heineken. Os últimos dados conhecidos remetem para o primeiro semestre de 2007, quando anunciou vendas de 229,1 milhões de euros e um crescimento de 72 por cento em termos de "cash flow" operacional. Para Pires de Lima, o mistério em torno da situação financeira da sua concorrente explica os ganhos de quota de mercado.

"Os dados que temos da Central de Cervejas apontam para prejuízos em 2007 e 2006 de 40 milhões de euros e, de acordo com informações de casas de investimento, o 'cash flow' que a Heineken atribui a Portugal para 2008 e para 2009 é inferior a 50 milhões de euros. O da Unicer ronda 90 a 100 milhões de euros", afirma. É nestes resultados que sustenta a teoria de que a dona da Sagres anda "a comprar quota de mercado".

Visões diferentes

No entender do gestor, a empresa liderada por Alberto da Ponte tem feito "investimentos despropositados" em marketing, acções comerciais e redução de preços para angariar pontos de venda no canal não alimentar, o que se reflecte na quota de mercado, uma vez que esses estabelecimentos, ao contrário do que acontece nos hipermercados, passam a vender apenas a marca Sagres.

A Central de Cervejas não se mostrou disponível para comentar estas acusações, nem para revelar dados financeiros, uma vez que se encontra impedida de prestar declarações porque a Heineken, enquanto empresa cotada, está prestes a divulgar os resultados de 2008. No relatório e contas apresentado anualmente pela empresa ao Ministério da Justiça, verifica-se que gera prejuízos, pelo menos, desde 2006.

Em 2007, o resultado líquido assinalava perdas de 16,6 milhões de euros. No documento, a subsidiária da cervejeira holandesa explica que foram deduzidos 35 milhões de euros aos lucros, relativos a amortizações do valor de trepasse ("goodwill"), relacionadas ainda com a aquisição da empresa aos colombianos da Bavaria pelo consórcio português da VTR, no ano 2000. Se este montante não tivesse sido subtraído, a empresa, segundo o seu relatório e contas, daria lucros de 18,4 milhões de euros.

O argumento da Unicer é que a liderança serve de pouco, se não houver sustentabilidade. No entanto, também a empresa de Pires de Lima se envolve nesta guerra de quotas. "É um tema de motivação interna e de escala, mas é preciso saber como é que as posições são conquistadas", refere. No fundo, ser número um não serve para abrir mais portas na rede de distribuição, não ajuda na expansão internacional, nem sequer é suficiente para cair nas boas graças dos accionistas. Como o próprio ex-presidente da Compal descreve, trata-se de um discurso "esquizofrénico" e "egocêntrico".

Estratégias semelhantes

Com o abrandamento do mercado doméstico, o negócio não se faz crescendo, mas sim roubando espaço à concorrência. Em 2008, de acordo com a consultora AC Nielsen, beberam-se menos sete milhões de litros de cerveja em Portugal. E, deste consumo, cerca de cinco por cento já está nas mãos das marcas próprias da grande distribuição. Unicer e Central de Cervejas, donas de praticamente 90 por cento do mercado, terão, certamente, outras preocupações que não apenas a liderança.

No entanto, têm-se dedicado intensamente a esta guerra. Uma das armas mais utilizadas foi a da inovação, numa altura em que o mercado ainda permitia esse luxo. Há dois anos, era de crescimento que se falava e não havia lugar para a palavra crise.

Só em 2006, a Unicer e a Central de Cervejas lançaram nove produtos novos. Alguns acabaram por revelar-se uma má aposta, como foi o caso da Sagres Chopp (que só esteve no mercado pouco mais do que um ano) e da Super Bock Twin (cujo nome teve de ser mudado para Sem Álcool).

O foco nas cervejas (e também nas águas, com as marcas Vitalis, da Unicer, e Luso, da Central de Cervejas) obrigou a decisões difíceis. As grandes vítimas foram os activos complementares. A empresa de Alberto da Ponte optou por vender o negócio dos sumos, protagonizado pela marca Joi, à Schweppes, e Pires de Lima está a fechar um acordo para gerir, em regime de sociedade, os cafés Bogani e já conseguiu encontrar investidores para explorar os seus projectos turísticos.

Nos últimos tempos, esta batalha tem tido contornos de causa-efeito, com estratégias pouco divergentes - da investida em Angola, onde ambas pretendem construir fábricas e produzir marcas locais, até à campanha de publicidade agora lançada. E criou, inclusivamente, um clima de conflito entre as duas empresas, com direito a acusações de parte a parte e a queixas sucessivas contra publicidade e patrocínios indevidos.

A Unicer diz-se "diferente" porque é uma empresa "nacional", que não tem a estrutura de uma multinacional por trás que possa dar mais fundo de maneio à operação; porque tem uma estratégia de "portfolio de marcas" de cerveja (Super Bock, Cristal e Carslberg); e porque tem uma política de resultados "transparente".

A Central de Cervejas, que já está em mãos estrangeiras desde que, em 2003, a escocesa Scottish & Newcastle entrou no capital, tendo passado para a Heineken no ano passado, está a roubar espaço à rival. Conquista que diz reflectir uma "evolução sustentada", baseada numa forte estratégia de patrocínios e marketing.

O próximo ano não vai ser fácil para ambas e a entrada definitiva em Angola, uma saída para a quebra do mercado doméstico, ainda está a alguma distância. O mais natural é que esta guerra esteja para durar. Quem sabe, mais 20 anos.

Suplemento de Economia
Sugerir correcção
Comentar