Troika e Governo discutem cortes salariais enquanto esperam decisão do Tribunal Constitucional

Estratégia a seguir quando acabar o actual programa estará também no centro da décima avaliação da troika que tem início esta quarta-feira.

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A missão da troika é liderara por Subir Lall (FMI), Rasmus Ruffer (BCE) e Sean Berrigan (Comissão Europeia) Daniel Rocha

Um dia depois de o Governo ter reiniciado o processo de regresso aos mercados, a troika chega de novo a Portugal. Começar a delinear a estratégia para o final do programa e discutir novas descidas de salários, desta vez no sector privado, são as prioridades. Mas aquilo que pode fazer aumentar a tensão na décima avaliação é a eventualidade de um chumbo do Tribunal Constitucional ao corte das pensões no sector público, enquanto ainda estiverem cá os técnicos da Comissão Europeia, FMI e BCE. É que a troika já deixou claro que não avançará com a nova tranche do empréstimo enquanto não forem apresentadas medidas de austeridade alternativas.

Uma coisa é certa, ao iniciar-se esta quarta-feira a décima e antepenúltima avaliação da troika ao programa português, o Governo começa a ficar sem tempo para definir de forma mais concreta aquilo que irá fazer em Junho, quando o empréstimo da troika chega ao fim. No caso da Irlanda, que irá abdicar de qualquer apoio financeiro da troika a partir do final deste ano, foi precisamente a seis meses do final do programa que começaram a ser discutidas as hipóteses para o país.

No caso português, parece haver neste momento duas grandes opções: ou um segundo resgate, através da definição de um novo programa semelhante ao actual, ou um programa cautelar, em que Portugal ficaria com uma linha de crédito que poderia utilizar em caso de necessidade e onde as condições impostas pela troika poderiam eventualmente ser mais suaves. Portugal poderá vir a ser o país que inaugura o modelo de programa cautelar, de que ainda falta conhecer muitos pormenores.

Mas para Portugal poder aspirar a este segundo cenário, uma das condições impostas é garantir o acesso pleno aos mercados. Não é de estranhar por isso que, com o tema a ter de ser discutido com a troika, o Governo tenha querido apresentar o trunfo de uma troca de obrigações de tesouro já concretizada.

Em contrapartida, do lado da troika, com a aproximação do final do programa, existe a intenção de reforçar as exigências em relação às reformas em que os técnicos consideram que houve poucos progressos. A mais importante de todas é aquilo a que a troika chama de flexibilização dos salários. Na prática, é a criação de condições para que, também no sector privado, os salários possam baixar mais.

Os principais defensores desta política são os responsáveis do FMI. A lógica por trás desta ideia é a de que, apesar dos cortes realizados na função pública, os salários no sector privado ainda precisam de ser mais corrigidos para que o país se torne mais competitivo. No relatório das oitava e nona avaliações, o Fundo defendeu que no sector privado “a flexibilidade salarial continua a ser limitada”, pelo que estará, na avaliação que agora começa, “concentrado” nessa questão.

O FMI insiste nesta questão mesmo depois de no relatório da sétima avaliação ter justificado a sua posição com base em dados que pareciam esconder o fenómeno da baixa de salários que está a ocorrer em Portugal. O FMI estimava que 7% dos portugueses tinham sofrido cortes salariais entre 2011 e 2012, mas o Governo acabou por confirmar que o valor correcto era de 27%.

Já a Comissão Europeia tem sido menos agressiva nesta questão, falando antes de “assegurar a moderação salarial”. Bruxelas defende que manter o salário mínimo congelado e a realização de um controlo mais apertado da extensão dos contratos colectivos a trabalhadores e empresas não filiados é o suficiente para cumprir esse objectivo.

Na sua edição de terça-feira, o Jornal de Negócios noticiava que a troika estava particularmente interessada em garantir uma baixa de salários nos sectores dos bens não transaccionáveis, como as telecomunicações ou a energia. É aqui que, segundo os representantes dos credores, se nota uma maior resistência à correcção dos níveis salariais na economia portuguesa. Os sectores dos bens não transaccionáveis, apesar de não competirem com o estrangeiro, acabam por afectar a competitividade da economia se exigirem custos muito elevados ao resto da economia. Fica a dúvida contudo se uma baixa salarial no sector conduziria necessariamente a uma redução dos preços. Isto para além do impacto na economia de um reforço da tendência deflacionista nos salários.

Nesta matéria, o Governo tem apresentado publicamente nas últimas semanas uma posição diferente da troika. O ministro do Emprego, Pedro Mota Soares, garantiu recentemente que “o Governo português considera que o ajustamento, nomeadamente no sector privado, já foi feito e considera que não é modelo de desenvolvimento em Portugal um modelo assente em salários baixos”.

No entanto, os maiores motivos para dificuldades na negociação entre o Governo e a troika podem surgir no sítio do costume: os cortes orçamentais. A decisão do Tribunal Constitucional sobre o corte nas pensões do sector público terá de ser tomada nas próximas semanas. Dificilmente a troika dará a sua aprovação a mais uma tranche do empréstimo sem saber se a medida passou e se, em caso de chumbo, o Governo é capaz de encontrar alternativas credíveis para baixar o défice.

O Governo tem insistido que não tem preparado qualquer plano B, mas esta será provavelmente a primeira pergunta que os técnicos da troika farão assim que chegarem a Lisboa.

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