Providência cautelar suspende privatização dos resíduos

Acção foi interposta por seis municípios, com o objectivo de travar a venda da EGF – a empresa pública que gere os lixos de 60% do país.

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Privatização da EGF criou uma guerra entre o Governo e os municípios Enric Vives-Rubio

Uma providência cautelar suspendeu temporariamente o polémico processo de privatização da EGF – a empresa pública que gere os resíduos urbanos de 60% do país.

A providência foi interposta na segunda-feira junto do Supremo Tribunal Administrativo pelos municípios de Arcos de Valdevez, Barcelos, Esposende, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Viana do Castelo, que são accionistas minoritários da Resulima, a empresa que trata dos resíduos destes concelhos e que é detida maioritariamente pela EGF.

Nesta quinta-feira, os municípios foram informados de que a providência tinha sido liminarmente aceite, o que significa que o tribunal vai julgar se a acção é ou não procedente. A presidência do Conselho de Ministros já terá sido citada para apresentar, nos próximos dez dias, a sua contestação. Segundo o direito administrativo, a partir do momento da citação, a privatização fica suspensa até que o tribunal decida o mérito da providência cautelar.

 “O processo de privatização sofreu um rude golpe”, disse ao PÚBLICO o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, José Maria Costa. “Temos outras acções em curso. Este vai ser um processo longo”, completou.

 Os municípios da Resulima vão entrar também com uma acção administrativa especial, para impugnar definitivamente a privatização.

José Maria Costa diz que uma decisão sobre a providência cautelar pode demorar três a quatro meses, o que compromete a intenção do Governo de concluir a privatização até Julho. Ainda esta semana terminou o prazo de apresentação de propostas não vinculativas para a compra da EGF. Há sete concorrentes.

A suspensão do processo pode, no entanto, ficar sem efeito, se o Governo aprovar uma resolução fundamentada a argumentar que a paragem fere o interesse público. Este é o procedimento legal a que sucessivos governos têm recorrido em diferentes casos envolvendo providências cautelares.

O Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, que lançou a privatização, não conhecia ainda, esta quinta-feira, os termos da providência cautelar. Mas afirma que os analisará “com a maior atenção, tal como aconteceu com as anteriores providências cautelares que, até ao momento, não obtiveram sucesso”, segundo uma nota enviada ao PÚBLICO pela assessoria de imprensa do ministro, Jorge Moreira da Silva. “Este ministério continua confiante na solidez jurídica do processo de privatização em curso, considerando um sinal positivo do interesse e consistência do processo de privatização as sete propostas não vinculativas recebidas.”

A privatização da EGF – empresa detida a 100% pela holding pública Águas de Portugal – abriu uma guerra entre o Governo e as autarquias, que se sentem traídas pelo modelo que o executivo de Pedro Passos Coelho quer para o sector dos resíduos. A EGF é accionista maioritária de 11 empresas concessionárias do tratamento de lixos urbanos. São empresas de capital total ou maioritariamente público, tendo os municípios também como accionistas.

O que o Governo pretende é vender a totalidade do capital da EGF, transformando as empresas concessionárias em sociedades maioritariamente privadas. A ideia não agrada aos municípios, que são legalmente responsáveis pelo tratamento dos resíduos sólidos urbanos e que aceitaram, há anos, a intervenção do Estado para poder viabilizar investimentos em aterros e outras unidades, mas com a garantia de que as empresas concessionárias seriam sempre públicas.

Na sua providência cautelar, os municípios da Resulima apresentaram vários argumentos, em grande parte relacionados com alterações unilaterais feitas pelo Governo à legislação e ao regime estatutário daquela empresa que na prática põem em causa os pressupostos da sua criação.

Assim como as demais dez empresas do universo EGF, a Resulima nasceu como uma sociedade obrigatoriamente de capitais públicos, enquadrada por “regimes muito protectores da posição pública”, segundo um comunicado da Câmara Municipal de Viana do Castelo. A privatização, diz o comunicado, “derroga todo este edifício legislativo e estatutário, impondo (obrigatoriamente) a transformação da natureza jurídica da sociedade”.

Esta é a segunda providência cautelar apresentada contra a privatização da EGF. A primeira, da Câmara Municipal de Loures, foi rejeitada pelo tribunal.

Outras acções podem vir a ser intentadas, dado que alguns municípios estão à espera da publicação dos decretos-leis com os quais o Governo procurou afastar os impedimentos legais à privatização. Entre eles estão os que alteram os estatutos das empresas do universo EGF, eliminando uma norma que obrigava a que a maioria do seu capital fosse sempre pública e facilitando as transacções de acções.

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