“Temos tendência para resolver os problemas no gabinete ou num relatório XPTO”

António Costa, consultor do Instituto Kaizen, trabalha há mais de uma década com multinacionais de todo o mundo e diz que a preparação dos gestores é o primeiro factor que influencia a produtividade.

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“Se olharmos para o nosso Governo, percebemos que a tomada de decisão está muito distante do local onde se acrescenta valor”, diz o consultor NFACTOS/FERNANDO VELUDO

O Fundo Monetário Internacional veio recentemente defender que os gestores portugueses têm de melhorar o seu desempenho. O consultor português António Costa, que através do Instituto Kaizen gere há mais de uma década projectos de produtividade em multinacionais de renome, concorda. Diz que trabalhadores motivados e empenhados não conseguem ser eficientes se os chefes não têm as competências necessárias para “extrair um bom resultado”. Por isso, não se deve medir a produtividade pelo número de horas de trabalho. António Costa garante que em Portugal há exemplos de excelência nesta matéria e lembra que qualquer tomada de decisão – seja numa empresa ou num governo – deve ser feita no terreno, perto do local que afecta.

Gere projectos de produtividade em empresas como a Shell, Nokia, Volvo ou Burberry. Há fórmulas que resultam para todos?
O Kaizen é uma fórmula que resulta para todos. Significa mudar para melhor, melhoria contínua. É sempre possível melhorar independentemente do tamanho ou da posição que determinada organização ocupa.

Quer seja uma empresa de serviços ou uma fábrica, a fórmula é a mesma?
Sim. O Kaizen Institute nasceu em 1985 através do senhor Masaaki Imai, japonês nascido em Tóquio e que durante vários anos esteve ligado ao Japan Productivity Center e à Toyota. Nas décadas de 1950, 1960 e no início de 1970, focava-se em organizar visitas de estudo de empresários japoneses à Europa e aos Estados Unidos para conhecer os melhores exemplos. Em meados da década de 1970, começou a receber no Japão empresários europeus e norte-americanos, que visitavam empresas do grupo Toyota. Esta experiência resultou num livro, publicado no início de década de 1980, chamado Kaizen, A Chave para o Sucesso Competitivo do Japão. Foi traduzido em 24 línguas. O Kaizen Institute tem hoje um escritório global de coordenação na Suíça e 35 escritórios no mundo. Em Portugal, estamos desde 1 de Janeiro de 1999. Gerimos a Península Ibéria e desde Abril ficámos com as operações do Reino Unido.

O trabalho que fazem é baseado na eficácia e redução de desperdício que o Kaizen advoga?
A receita é simples. Olhamos para a cadeia de valor de uma organização, seja um hospital, seja uma fábrica. O desperdício (“muda” na palavra japonesa que usamos) entende-se como todas as actividades e tarefas que não acrescentam valor ao processo e pelas quais o utente não está disposto a pagar. Uma vez identificado o desperdício, o objectivo é reduzi-lo e eliminá-lo. É preciso ainda criar valor no processo. É como se tirássemos uma fatia de desperdício e colocássemos no seu lugar valor acrescentado. Nos últimos anos, a melhoria contínua tem vindo a assumir um papel primordial na gestão de grandes organizações a nível mundial…

Pela via do corte de custos, tendo em conta o contexto de crise?
Sim, hoje em dia todas as multinacionais têm um programa de melhoria contínua que, normalmente, até tem nomes como “lean”, “excelência operacional” ou Kaizen. É uma estratégia de aumento de produtividade mas o objectivo é atingir a perfeição em termos de qualidade, custo, produtividade, eficiência, serviço ao cliente e, não menos importante, de motivação dos colaboradores. A Toyota considera que estes aspectos são o verdadeiro norte da empresa, que levam ao crescimento.

Quais são os maiores desperdícios que encontra nas empresas?
Normalmente o maior desperdício é produzir em excesso, produzir sem que exista uma encomenda ou produzir mais do que o mercado está a comprar. Implica uma série de desperdícios associados. Reflecte-se sob a forma de stocks elevados que, muitas vezes, é um juro financeiro e por isso eliminá-los não é uma prioridade. Isso não se passa em negócios como a indústria alimentar, por exemplo.

E quais são as maiores dificuldades que enfrenta quando implementa esta filosofia de gestão?
Há um obstáculo que também é comum em todas as geografias e tipos de empresa. Todos nós somos resistentes à mudança, é uma condição do ser humano que quando é colocado fora da sua zona de conforto geralmente tende a contrariar e a fazer tudo da mesma forma. Seja na China, na Alemanha ou em Portugal, a resistência natural é o maior obstáculo. E é tão maior quanto o sucesso que estas organizações tiveram no passado. Estão mais ociosas e menos disponíveis para mudar.

Como é que se motiva os trabalhadores nesse ambiente?
Há sectores em que a mão-de-obra directa não é envolvida nos processos de melhoria. Existem para produzir e não se lhes coloca a pergunta: “O que podemos melhorar?”. Estes programas envolvem as pessoas, começam no posto de trabalho. Quando as pessoas são chamadas a participar, logicamente, o envolvimento e o resultado são diferentes.

O FMI defendeu recentemente que os gestores portugueses precisam de melhorar as competências de gestão nas suas empresas. Concorda?
Por vezes associa-se produtividade à pouca vontade de trabalhar dos operadores. Mas o primeiro factor que influencia uma boa ou má produtividade é a boa preparação dos gestores. Podemos ter operadores extraordinariamente disponíveis e com muita vontade, mas o seu líder ou chefe de equipa não ter as competências necessárias para extrair um bom resultado. Por isso, não se deve medir a produtividade pelo número de horas de trabalho. Nesse campo seríamos uma referência mundial, porque segundo a OCDE somos o país que trabalha mais horas por ano. Trabalhamos mais 320 horas do que os alemães mas a produtividade da Alemanha é muito superior. Não há regra sem excepção, nem a excepção faz a regra. Trabalhamos com multinacionais, a começar pelo grupo Bosch ou a própria Volkswagen Autoeuropa, cujas unidades fabris são referência mundial dentro destes grupos. Por exemplo, o Centro Hospitalar do Porto, mesmo sendo uma organização pública, tem-se destacado na excelência da qualidade. Uma das coisas que fazemos são as tais visitas ao Japão que já mencionei. Quando aconteceu o tsunami e o acidente nuclear de Fukushima, foram suspensas e, na altura, o Instituto Kaizen do Japão perguntou que país estaria disponível para receber as visitas já confirmadas. Propusemos Portugal e organizámos um evento para a Philips. Recordo-me que o director industrial, um belga a trabalhar na Alemanha, me confessou que quando sugeriram Portugal pensou o que é que o país teria a mostrar no que toca a boas práticas.

E ficou surpreendido quando veio cá?
Sim. Ficou espantado com a mentalidade dos colaboradores portugueses, visivelmente absorvida nas práticas da melhoria. Desde esse ano temos realizado um sem número de eventos com a Nokia, a Shell, a Burberry que visitam em Portugal empresas como a Salsa, a Oliveira e Irmão (Oli), a Bosch, a Sonae, o grupo Amorim, a Luís Simões… Enfim, conseguimos ter casos de referência mundial e com excelentes resultados em termos de produtividade.

Mas são casos isolados… A excepção e não a regra?
Não são únicos, mas são poucos. No dia em que forem a média, Portugal está no bom caminho.

O problema é a formação dos gestores? É que ao mesmo tempo há uma mudança geracional em curso e cada vez maior renovação na liderança das empresas.
Há vários problemas. Peter Drucker dizia que a produtividade é uma das melhores medidas para aferir a performance de uma organização. Uma empresa com bons resultados de produtividade é mais eficiente e com isso atinge melhores resultados, tendo mais hipóteses de prosperar. Se olharmos para o nosso Governo, este ou outro qualquer, percebemos que a tomada de decisão está muito distante do local onde se acrescenta valor. No Kaizen defendemos que a gestão da empresa deve estar no terreno, no local onde a acção acontece porque é lá que se cria o desperdício e o prejuízo. Normalmente em Portugal temos tendência a querer resolver os problemas no gabinete, no power point ou num relatório XPTO. Quando, pelo contrário, devemos resolvê-los onde acontecem. O segredo é aproximar a gestão ao terreno. A distância entre a tomada de decisão e o local onde acontecem os problemas é enorme, é uma pirâmide muito alta, existem muitos níveis. Por isso, por mais simples que seja a decisão, demora muito tempo. E quando se aproximam os ciclos eleitorais as decisões ficam congeladas, ninguém as toma. Os problemas arrastam-se indefinidamente. Este é um dos factores que gera, directa e indirectamente, níveis de produtividade médios e baixos em Portugal.

O outro factor tem a ver com a preparação das chefias?
Sim. É muito importante melhorar a formação contínua. Cerca de 62% das pessoas entre os 25 e os 64 anos não concluíram o ensino secundário e isso vai contribuir para uma menor produtividade.

Mas há casos de empresários de grande sucesso que não têm muita formação e conseguiram construir grandes negócios. Até que ponto o desempenho dos gestores também não está ligado a questões mais culturais? Há aquela ideia do chefe que gosta de ver o seu funcionário no posto de trabalho longas horas, muito dedicado…
Isso é verdade, mas também se educa. Em Portugal, nos mais variados negócios e tipos de indústria, as normas ou os padrões são tácitos, ou seja, estão na cabeça de cada colaborador. Verificamos que duas pessoas diferentes fazem a mesma tarefa de forma diferente e, muitas vezes, com resultados diferentes. Têm as mesmas condições, salário e equipamento, mas o resultado é diferente. A orientação no Instituto Kaizen está muito focada na normalização dos processos. E a norma define-se como a forma mais fácil, simples e rápida de realizar uma tarefa, conhecida até ao momento. O segredo passa muito pela percentagem de tempo que cada um de nós dedica a estes processos de melhoria.

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