Seiscentos milhões

Retirar 600 milhões do circuito económico, a maior parte desse valor destinado a consumo imediato, significa mais desemprego, mais emigração, mais miséria.

Mais cortes nas pensões. Nada tendo aprendido com o passado recente, o Governo arremete contra pensionistas anunciando que lhes vai extorquir 600 milhões de euros de pensões, desta vez a título definitivo.

Escolheu como porta-voz a ministra das finanças (MF) e como câmara de ressonância um jantar de Jotinhas. Tirar seiscentos milhões de euros a pensionistas é reduzir o consumo, o aforro e sobretudo levar ao garrote as famílias que hoje sobrevivem com pensões dos avós, filhos sem emprego ou com ele precário e netos a pedirem investimento educativo para sair do círculo vicioso do desemprego e emigração. A MF deve conhecer os números: a perda de 600 mil postos de trabalho, mais a emigração representaram mais de 8 mil milhões de sangria de receitas na Segurança Social (SS) em quatro anos. Os 260 mil desempregados só na construção civil são o exemplo da paragem completa no sector, do regresso de muitos trabalhadores emigrantes que contribuíam para a segurança social e consumiam bens e serviços em Portugal. Os 350 mil imigrantes nacionais, dois terços no activo, impactam na natalidade e explicam as perdas de quase vinte mil nascimentos em quatro anos, 9 mil dos quais, de 2013 para 2014. Retirar 600 milhões do circuito económico, a maior parte desse valor destinado a consumo imediato, significa mais desemprego, mais emigração, mais miséria. Tão grosseiro disparate logo desencadeou o habitual: o CDS a desmarcar-se, o PSD, aflito, negando a declaração e convocando a UGT para o habitual desmentido, o Doutor Marcelo a aproveitar o erro para recuperar credibilidade crítica. O regresso à normalidade implicou conferência da coligação e uma data para o programa, coisa que até agora se considerava pouco importante, até que Costa veio ocupar os media em várias semanas. Soaram campainhas.

As críticas ao documento socialista. Vamos a algo mais positivo: as críticas às propostas dos socialistas. Principais críticas, passada a primeira surpresa: (a) a redução da parte da taxa social única (TSU) paga por trabalhadores fragiliza a sua pensão futura; (b) a redução da TSU paga pelas empresas esvazia a tesouraria da Segurança Social (SS); (c) a compensação pela não diminuição do imposto sobre rendimento das pessoas colectivas (IRC) faz perder competitividade ao País; (d) a utilização de até 10% do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) para promover a construção e reabilitação de casas é como partir o mealheiro.

A redução transitória da TSU de trabalhadores aumenta rendimento disponível e consumo. Alguns críticos esqueceram o adjectivo “transitória” e a segunda parte da proposta onde se diz que a reposição será feita em oito anos, com início no ano terminal do mandato próximo, à razão de 0,5% em cada ano. Haverá redução ligeira de pensões desses contribuintes, certamente! Mas não punção fiscal, apenas antecipação de rendimentos para altura em que estes mais falta fazem ao trabalhador e à economia.

A redução da TSU das empresas, 4 pontos percentuais em três anos, não faz perigar a sustentabilidade da SS. Ela ocorrerá de forma gradual, à medida que se consolidarem as fontes de financiamento alternativas. Com referência aos valores de Outubro de 2013, o estímulo à economia representado por esta medida será de 850 milhões de euros por ano, valor da receita perdida pela SS. Compensada por 240 milhões vindos da não descida do IRC, por 100 milhões do imposto sobre heranças de elevado valor, por outros 100 milhões da taxa que internaliza o custo social de despedimento e o resto (160 milhões) de receita fiscal gerada pelo impacto económico destas medidas de estímulo à economia e ao emprego. Restarão 250 milhões a cobrir pelo OE o que dificilmente colocará em causa a estabilidade das contas públicas ao longo da legislatura.

Existirão não crentes neste processo. São os mesmos que não imaginavam que as medidas de Vítor Gaspar tivessem efeito devastador no emprego e na economia, gerando a espiral de mais défice na SS, mais gasto orçamental para o cobrir, mais impostos, menor consumo, mais desemprego, mais défice da SS. Deixar de basear apenas na massa salarial o cálculo da contribuição patronal amplia investimento e emprego. Não se diga que é injusto! Acresce que a redução da TSU patronal aplicando-se apenas ao trabalho regular e não ao precário, dá um empurrão inteligente à estabilidade de emprego. Não me digam que a malta dos Sindicatos não concorda!

A suposta perda de competitividade pela suspensão da baixa do IRC parece um forte argumento, mas como tudo o que acontece neste maravilhoso país, não afecta a realidade. Quem mais beneficia da baixa do IRC não são as pequenas e médias, nem as empresas recém-criadas. São os antigos monopólios naturais, hoje relutantes incumbentes, que continuam a usar todos os pretextos do mundo para manter elevados os preços de combustíveis, energia e telecomunicações, mesmo que recorrendo a um exasperante bullying publicitário. De par com as grandes superfícies, titulares do mérito de elevado emprego, mas também do demérito de esganarem pequenos fornecedores nacionais, devastadora destruição dos centros urbanos e seu comércio de proximidade.

Finalmente, o argumento de que tirar ao FEFSS até 10% dos seus quase 13 mil milhões para financiar reabilitação e habitação urbana seria partir o mealheiro. Bem ao contrário: não se vai gastar em habitação mas sim financiar habitação e reabilitação. Não se trata de crédito bonificado, mas de empréstimos a juro justo, sem spreads absurdos, e que podem bem servir os dois lados: o cliente, com acesso a financiamento mais decente e o fundo mutuante que empregará as suas reservas com mais rendimento que nas obrigações da dívida pública.

Como se vê, esta proposta tem autoridade e mérito para pedir sobre ela consensos difíceis, mas não impossíveis. A proposta da MF, que é a do Governo e da coligação, só pede consensos porque se vê aflita pela sua rejeição universal.

Presidenciais. Para obliterar o mau momento actual do PSD, nada melhor que os rumores de uma candidatura presidencial, a de Rui Rio. O PSD passaria a assobiar para as árvores, com os media ocupados na fulanização do candidato, ampliando pretextos para o inexplicável atraso de programa da coligação, adiando para data incerta a confrontação interna das soluções ideologicamente marcadas. Mas o que for bom para o PSD será mau para o candidato. Se a coligação perder as legislativas, não faltará quem culpe Rio de ter contribuído para a desfocagem do debate, exigindo outro candidato mais capaz de reparar estragos e recolar a louça partida. Comprometido com as presidenciais, Rio estará impedido de aceitar uma liderança natural do PSD, caso a coligação não ganhe as legislativas, sem as perder. Venha o diabo que escolha!

Professor catedrático reformado

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