Privados na EGF poderão ter acesso a todo o mercado de resíduos

Proposta de novas bases de concessão abre a porta a actividades desde a limpeza de ruas à exploração de aterros de resíduos perigosos.

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Veículos em fim de vida são um dos fluxos que podem vir a ser geridos por empresas da EGF Paulo Pimenta

Uma proposta legislativa do Governo poderá abrir praticamente todo o mercado dos resíduos, e não só o dos urbanos, aos privados que comprarem a Empresa Geral de Fomento (EGF) – a sub-holding estatal que controla a gestão do lixo de 60% dos portugueses. Esta possibilidade está expressa numa versão preliminar de um diploma, ainda não aprovado, que fixará as bases para as novas concessões do serviço de tratamento de resíduos sólidos urbanos às onze empresas das quais a EGF é accionista maioritária.

A legislação actual já permite que as empresas concessionárias do lixo tenham outras actividades “complementares” ou “acessórias”, sujeitas à aprovação do Governo. Mas o texto da lei hoje em vigor não vai muito mais além do que esta simples formulação.

O novo diploma em discussão tem uma redacção diferente, mais completa e com muito mais detalhes. Permite “actividades complementares” e “outras actividades”, indicando uma lista de 24 áreas onde as concessionárias sob gestão privada poderão actuar.

Neste rol, estão actividades que são feitas hoje pelas autarquias, como a recolha em bruto de resíduos urbanos ou a lavagem e limpeza de ruas. Muitas outras referem-se a fluxos específicos de resíduos, como equipamentos eléctricos e electrónicos, pneus, óleos alimentares, veículos em fim de vida, resíduos hospitalares e óleos minerais.

Também da lista faz parte a recepção de resíduos industriais não perigosos, a construção e operação de aterros de entulhos ou a exploração de aterros de resíduos perigosos.

Embora parte destas actividades já faça parte, pontualmente, do dia-a-dia de algumas concessionárias, a sua abertura clara e formal a privados que terão, com a compra da EGF, uma grande dimensão no mercado dos resíduos está a levantar preocupações. “Isto vai baralhar tudo e mais alguma coisa”, afirma Rui Berckmeier, da associação ambientalista Quercus. “Vai criar uma situação de risco de concorrência desleal”, completa.

Há pelo menos uma empresa do grupo EGF que já actua simultaneamente em várias áreas complementares – a Valnor, que trata dos lixos dos concelhos do Alto Alentejo e de parte da Beira Interior. Nas suas instalações, além de resíduos sólidos urbanos, também são recebidos óleos alimentares, pneus, resíduos de construção e demolição, equipamentos eléctricos e electrónicos e carros em fim de vida. Mas, na sua área de influência, praticamente não há empresas privadas dedicadas a estes tipos de resíduos. “A Valnor faz porque não há mais ninguém a fazer”, diz Rui Berckmeier.

O principal receio é o de que a EGF privatizada roube o mercado a centenas de outras empresas menores, formadas ao longo das últimas duas décadas. Para a recepção e desmantelamento dos veículos em fim de vida, por exemplo, há 200 empresas licenciadas no país. Cerca de 80 integram a rede da Valorcar, a sociedade que gere a reciclagem dos automóveis em nome da indústria. Contactada pelo PÚBLICO, a Valorcar não se quis pronunciar, por considerar prematuro tomar uma posição.

Para os dois centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos – os chamados Cirver –, a abertura deste mercado a outros operadores em Portugal é particularmente problemática. Instalados na Chamusca, ambos têm-se debatido com um volume de resíduos menor do que a sua capacidade de tratamento – que foi determinada pelo Governo num concurso lançado em 2004.

Manuel Simões, director-geral da Ecodeal – empresa que gere um dos Cirver – diz-se surpreendido com a ideia do Governo. “É uma medida que vai contra a legislação que regulou o mercado dos resíduos perigosos”, afirma. “Os Cirver têm o direito da concessão dos resíduos perigosos por dez anos, prorrogáveis por mais cinco”, completa.

Já no sector dos óleos minerais usados, a sociedade Sogilub – que gere o seu encaminhamento para a reciclagem – acredita que faz sentido manter nos concessionários de lixos urbanos a responsabilidade pela recolha de pequenas quantidades, por exemplo de cidadãos que façam a troca de óleo dos seus automóveis na sua própria casa. “Parece-me bem. Deve haver soluções de proximidade”, afirma Aníbal Vicente, gerente delegado da Sogilub, que vê porém como improvável que as concessionárias venham a ir muito além disso. “É uma área muito específica”, justifica.

Segundo a proposta de diploma, a abertura a “actividades complementares “ ou “outras actividades” está porém condicionada não só à autorização do Governo – como já ocorre actualmente – como a “pareceres obrigatórios” da Autoridade da Concorrência e das entidades reguladoras dos sectores em causa, o que é uma novidade.

Em Portugal são produzidas cerca de 30 milhões toneladas de resíduos, das quais menos de cinco milhões são lixos urbanos.

O PÚBLICO não conseguiu obter do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia uma explicação sobre o alcance real da proposta do Governo. Segundo o assessor de imprensa Rui Boavida, o texto ainda está em processo legislativo, tendo sido já feita consultas e recebidos contributos.

As novas bases de concessão têm outras novidades, entre elas um grande aumento no valor das multas por violação dos contratos e pelo incumprimento dos objectivos de serviço público.

Esta é uma das peças que faltam para o processo de privatização da EGF, que foi lançado recentemente pelo Governo e está a ser fortemente criticado por grande parte dos municípios e pelos partidos da oposição.

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