Portaria fulcral para venda da EGF remete compromissos para link na Internet

Governo aprovou com urgência plano estratégico de resíduos, um dia antes de anunciar os resultados da privatização.

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Reversão do negócio faz parte da proposta de governo do PS. Fernando Veludo

O Governo aprovou in extremis o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020), numa portaria invulgar em Diário da República, cujo conteúdo é remetido para um link na Internet.

A portaria foi assinada, publicada e começou a produzir efeitos no mesmo dia, quarta-feira, nas vésperas do anúncio do vencedor do concurso para a privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF) – a sub-holding estatal para a área dos resíduos. Sem o PERSU 2020 válido, o concurso sofria de uma incongruência, a de obrigar os seus concorrentes a obedecer a um plano que ainda não existia legalmente.

Segundo o caderno de encargos da privatização, um dos critérios para a avaliação das propostas vinculativas era o “cumprimento e superação das exigências ambientais previstas na legislação em vigor e dos objectivos ambientais definidos pelo Estado português e pela União Europeia, em especial os constantes do Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU 2020)”.

O PERSU 2020 fixa metas fulcrais a cumprir pelo novo dono da EGF, por exemplo, na área da reciclagem, deposição em aterro e construção de novas infraestruturas.

Mas o plano não existia formalmente até à última quarta-feira. As suas linhas gerais foram apresentadas publicamente em Outubro do ano passado e a proposta completa do documento foi submetida a uma consulta pública em Agosto.

Fruto ou não da aparente pressa com que foi publicada, a portaria assinada pelo secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, não tem o texto do PERSU 2020 em si – contrariamente ao que normalmente acontece na aprovação de planos e programas. Traz apenas a referência de que o mesmo está “disponível no sítio da Internet da Agência Portuguesa do Ambiente”.

“Não é a primeira vez que fazemos isto”, disse Paulo Lemos ao PÚBLICO, citando o caso dos planos de gestão das bacias hidrográficas, que foram aprovados em Março do ano passado.

Paulo Lemos diz que se trata de documentos longos, que, numa lógica de eficiência de recursos, é melhor estarem acessíveis na Internet, “ao invés de encherem páginas e páginas do Diário da República”.

Apesar dos méritos do lado ambiental, o método está a causar estranheza no meio jurídico. “Não é legal”, afirma o advogado José Eduardo Martins, que também já foi secretário de Estado do Ambiente. Um plano com força legal que não esteja formalmente num diploma não garante o princípio da certeza jurídica. “Não cumpre os requisitos da publicação de actos em vigor no ordenamento jurídico português”.

“O mais correcto seria reproduzir o texto integral na portaria”, concorda Joana Silva Aroso, da sociedade de advogados JPAB. O diploma, diz a jurista, “não prima pela clareza e não se coaduna com as boas regras de legística”.

A portaria foi publicada num suplemento do Diário da República, algo que só pode acontecer “em casos excepcionais, nomeadamente em casos de manifesta urgência, de complexidade técnica ou de espeficidade gráfica do acto a publicar”, segundo o Regulamento de Publicação de Actos no Diário da República.

Com duas páginas de preâmbulo e apenas quatro artigos, o diploma não tem, no entanto, qualquer complexidade técnica ou gráfica. Se as normas foram cumpridas, apenas a urgência poderá ter justificado a sua publicação num suplemento.

Paulo Lemos negou ao PÚBLICO que tenha sido pressionado para aprovar o PERSU 2020, em função dos resultados da privatização da EGF, que iriam a Conselho de Ministros na quinta-feira, 18 de Setembro. A portaria foi assinada e publicada no dia 17, produzindo efeitos no próprio dia, apesar de entrar em vigor no dia seguinte.

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