Parlamento Europeu denuncia impacto social e falta de transparência dos programas da troika

Num típico compromisso europeu, eurodeputados tanto criticam a troika como reconhecem que não havia alternativa.

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Othmar karas e Liem Hoang Ngoc, os relatores do Parlamento Europeu Daniel Rocha

Na primeira votação sobre o resultado de uma investigação à acção da troika de credores internacionais em Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre, o Parlamento Europeu (PE) dirigiu nesta segunda-feira uma série de críticas a todo o processo e pediu a criação de um Fundo Monetário Europeu transparente para tratar dos futuros casos de ajuda aos países em dificuldades.

A votação, concluída na noite desta segunda-feira, foi por enquanto limitada aos membros da comissão parlamentar dos assuntos económicos e financeiros, devendo o resultado agora obtido ser votado pelo plenário do PE em Março.

O texto constitui um “bom equilíbrio” entre os principais grupos políticos e “mantém as principais mensagens” pretendidas, congratulou-se Elisa Ferreira, eurodeputada socialista portuguesa e uma das responsáveis pelo lançamento da investigação do PE que levou os dois responsáveis pelo relatório final, o conservador (PPE) austríaco Othmar Karas, e o socialista francês Liem Hoang Ngoc, a deslocar-se a todos os países sob programa de ajuda.

O texto “acabou por ficar bastante melhor do que a certa altura receei, vamos ver se fica assim até à votação final em plenário”, afirmou.

No texto aprovado, e que foi objecto de perto de mil propostas de alteração, os membros da comissão parlamentar defendem que a troika (formada pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional para negociar e acompanhar os programas de ajustamento económico e financeiro que os países em causa tiveram de assumir em troca da ajuda externa) foi a solução possível encontrada quando a zona euro não tinha quaisquer instrumentos para fazer face a uma crise da dívida soberana. 

O texto refere igualmente que a troika enfrentou um desafio “imenso” devido ao mau estado das finanças públicas dos países que precisaram de ajuda conjugado com desequilíbrios macroeconómicos acumulados ao longo de vários anos e, sobretudo, pelo facto de os Governos em causa só terem pedido ajuda quando já estavam praticamente sem acesso ao mercado da dívida.

Ao mesmo tempo, porém, o PE “denuncia” a falta de transparência das negociações sobre os programas de ajuda, sublinhando o impacto “destas práticas, que envolvem a manutenção da informação atrás de portas fechadas, sobre os direitos dos cidadãos, sobre a estabilidade da situação política nos países em causa e sobre a confiança dos cidadãos na democracia e no projecto da União Europeia”.

A resolução votada defende assim que a troika é um formato que tenderá a acabar para dar lugar a um Fundo Monetário Europeu encarregue dos processos de ajuda com base em processos democráticos, transparentes e assentes no direito comunitário.

O texto critica por outro lado as consequências sociais dos programas de ajustamento, acusando-os de agravar as desigualdades e a pobreza em resultado das reduções de salários impostas. E denuncia igualmente o facto de o impacto da austeridade sobre o crescimento económico ter sido muito pior do que o previsto.

As referências a Portugal ilustram o tipo de compromisso alcançado entre a esquerda e a direita no PE. Enquanto a direita sublinhou os maus indicadores macroeconómicos de 2010 (no segundo Governo de José Sócrates), um ano antes do pedido de ajuda – défice orçamental de 9,8% do PIB, dívida de 94% e défice externo de 10,6% – os socialistas incluíram no texto que a economia portuguesa estava de boa saúde em 2007 (primeiro Governo de Sócrates) e que os maus indicadores de 2010 resultaram sobretudo da crise financeira de 2008-2009 e do efeito e contágio da crise grega.

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