O sucesso do calçado português também mora num laboratório que estica peles e torce solas

É no Centro Tecnológico do Calçado de Portugal, em São João da Madeira, que se testam todos os componentes da indústria que quer ser a mais competitiva do mundo. Patas de galinha, salmão e raia já passaram nos testes

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Inovar é fundamental no mercado MANUEL ROBERTO

Há uma máquina com o formato de um pé com um sapato encaixado que caminha dentro de água. É preciso tempo e um pé que não está quieto para perceber se aquele couro é totalmente impermeável, se não há qualquer fissura ou costura matreira que molhe a meia. Numa outra máquina testa-se a resistência dos sapatos: os dedos são simulados por uma espécie de plasticina azul. O impacto do peso no calçado que se quer à prova de bala dá indicações preciosas, se há ou não amolgadelas no calçado e de que forma as pontas dos pés são ou não afectadas. A maquinaria feita à medida também estica peles para confirmar maleabilidade e resistência, se rasga ou não rasga.

Há ainda equipamentos e produtos químicos para testar se os couros oxidam, se escurecem, como se comportam em determinados ambientes. Se os tacões se aguentam nos pisos mais adversos, se a pele se comporta como deve ser e deixa sair a transpiração. É num laboratório amplo do Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP), em São João da Madeira, que se testam todos os materiais dos sapatos portugueses. Milímetro a milímetro. Passo a passo. Do couro, aos atacadores, passando pelo mais ínfimo detalhe decorativo. Nada escapa.

A indústria que se assume como a mais sexy da Europa não facilita quando o tema é inovação das matérias-primas. O PÚBLICO entrou nos bastidores de um sector que não descansa à sombra dos louros conquistados – em 2013 meteu o champanhe francês num sapato e recebeu, em Bruxelas, o Prémio Europeu de Promoção Empresarial pela campanha The Sexiest Industry in Europe. No CTCP, uma equipa de mais de 15 cientistas, sobretudo químicos, arregaça as mangas para dizer ao mercado, às empresas e empresários, o que pode e o que não deve ser usado no calçado nacional. As patas de galinha, as peles de salmão, da raia e de avestruz passaram nos testes. Já o uso de componentes de metal nas solas para aumentar a resistência ao frio chumbou no final das “provas”.

“As ideias surgem de problemas ou de oportunidades”, observa Maria José Ferreira, directora de investigação e qualidade do CTCP, que faz as honras da casa. O futuro do calçado escreve-se dia após dia e passa por reforçar a capacidade de dar resposta a pequenas encomendas com o máximo de rapidez. O futuro é ter couros que podem mudar de cor num instante, é incorporar componentes electrónicas nos sapatos, é trabalhar com a nanotecnologia para perceber como crescem bactérias e fungos, é encontrar produtos que interfiram com o mecanismo de alimentação dos microrganismos. Há trabalhos em curso.

No piso de cima do CTCP, há várias novidades em exposição num projecto que envolveu a própria instituição, empresas, técnicos de várias áreas, universidades. Ali estão couros mais leves e elásticos, mais resistentes à água, que não mudam de cor com a exposição ao sol. “Temos de ter materiais que respondam às necessidades das pessoas.

Temos uma população a envelhecer, mas que está mais tempo mais jovem, e temos de ter sapatos que se adequem melhor a estas exigências, materiais mais elásticos, mais macios”, sublinha a responsável. Os processos de curtume também evoluem e há um couro 25% mais leve que o habitual e mais elástico. Há também solas fluorescentes que podem fazer furor no calçado de moda ou no calçado de trabalho e segurança - na sinalização de pessoas nos locais de trabalho com pouca luz. Há também calçado inovador, calçado injectado, em plástico, que engana o olhar e o toque com o efeito de couro e veludo. E calçado mais amigo do ambiente. Os estudos revelam que os sapatos em couro biodegradável podem passar por um processo de compostagem doméstica para voltarem à terra. O CTPC está ainda envolvido num projecto europeu para o cálculo da pegada de carbono para o sector do calçado. Portugal centra-se no processo produtivo, nomeadamente nos gastos com a electricidade e com o combustível dos transportes.

O passado tem uma palavra importante neste futuro. Maria José Ferreira recua ao tempo em que a maquinaria da indústria do calçado era importada. Tudo mudou nos anos 90 do século passado. “Portugal percebeu que podia fazer a diferença na produção”, recorda. Investiu, apostou em novas tecnologias e tornou-se num exemplo na maquinaria para produzir sapatos. No corte, por exemplo, as máquinas são das mais inovadoras do mundo. O sector soube interpretar os sinais. “Fomos flexíveis e muito rápidos, apostámos numa maquinaria automática. Antecipámos que as nossas encomendas iam ser pequenas”.

 
 
 
 

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