O novo Quadro Comunitário de Apoio e a contratação pública

A modificação da lei abalaria seguramente o quadro de promiscuidade, compadrio e favorecimento que tem atravessado a contratação pública.

A Comissão Europeia anunciou, finalmente, a aprovação de todos os programas operacionais das regiões portuguesas para o período 2014-2020, que visam a execução de 9,74 mil milhões de euros de fundos comunitários.

A propósito deste Quadro Comunitário, o ministro Poiares Maduro voltou a sublinhar que a concessão do apoio vai ter como linhas orientadoras fundamentais a transparência, a simplificação e a garantia de obtenção de resultados. Mas arrisca-se a ter uma desilusão.

Já em escritos anteriores, havíamos referido a difícil conjugação destas louváveis intenções, com o regime de contratação pública portuguesa. De facto, seis anos volvidos desde a sua entrada em vigor, há um consenso em todos os operadores, que o Código dos Contratos Públicos (CCP) é um obstáculo a qualquer desígnio de simplificação e transparência.

Não existindo vontade politica para rever o CCP, então pelo menos que se operem já algumas alterações de filigrana.

No que respeita ao objetivo de transparência, ficam as seguintes sugestões:

Instituir a obrigatoriedade em todos os procedimentos de valor superior a um milhão de euros (ou outro referencial razoável) da inclusão no júri, de um representante da Inspeção Geral de Finanças;

Obrigar que a escolha do ajuste direto, em qualquer procedimento esteja limitado a adjudicatários com mais de dois anos de atividade comprovada no objeto do contrato, seja empreitada ou aquisição de bens e serviços. Não viola a concorrência, pois a entidade adjudicante pode sempre em alternativa recorrer ao concurso público, sem essa limitação;

Restringir na escolha do concurso com prévia qualificação, a liberdade da entidade adjudicante na fixação de critérios e exigências de capacidade financeira e técnica, absurdas em relação à complexidade e valor do contrato. Esta prática, agora habitualmente utilizada, essa sim, viola claramente as regras de concorrência.

No que diz respeito à simplificação, consideramos fundamental o seguinte:

Alterar o regime de obrigação de identificação de erros e omissões na fase de procedimento, repristinando neste âmbito o regime jurídico de 1999, revogado pelo CCP em 2007. Na situação atual, em que é obrigatória a participação de todos os concorrentes, na deteção e correção antecipada dos erros e omissões dos cadernos de encargos, para além do manifesto abuso de direito destas normas, só se tem perdido tempo e gerado conflitos.

Finalmente, no que concerne à obrigação de resultado dos projetos financiados, cumpre-nos sugerir:

Alterar os referenciais do CCP para a classificação dos “preços anormalmente baixos” das propostas. De facto, não é credível – nunca o foi – que numa empreitada em que a maior parte do preço é o dos materiais e mão de obra, que são semelhantes para todo o mercado, alguém surja com uma proposta 40% inferior ao preço que a adjudicante aceita contratar, justificando isso com meia dúzia de “balelas técnicas” e acaba como adjudicatário. Claro, na maior parte dos casos, não termina a obra ou o fornecimento.

Assim, em caso de derrapagem no prazo de execução, duma obra ou fornecimento adjudicado nestas condições, o financiamento seria imediatamente suspenso e realizada auditoria às condições em que o contrato foi adjudicado.

Se o objetivo é transparência e a simplificação e acreditamos que essa é a intenção real do ministro Poiares Maduro, então porque não implementar estas ou outras medidas no mesmo sentido?

A modificação da lei, com medidas simples como estas, abalaria seguramente o quadro de promiscuidade, compadrio e favorecimento, que tem atravessado a contratação pública e prejudicado o desenvolvimento do país.

Jurista

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