Lojas temporárias levam pequeno comércio aos centros comerciais

Contratos de seis meses, em vez de uma fidelização de seis anos, estão a levar aos shoppings comerciantes que, antes, não conseguiam aceder às grandes superfícies.

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Elaine Pereira, de 35 anos, ocupou de forma temporária uma ex-sucursal de um banco no Centro Comercial Colombo Miguel Manso
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Para Pedro Brandão, 43 anos, o aluguer temporário era a única hipótese que teria para testar a Fullspot Market num centro comercial

Na loja de Elaine Pereira, 35 anos, sente-se a “energia do dinheiro”. O que antes era uma sucursal de um banco no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, agora é a Dope LX, uma loja onde se vendem sapatos e acessórios de luxo. A decorar a montra estão duas panteras douradas. Lê-se “shoe porn” escrito a letras douradas. Por cima da porta uma coroa reflecte a forma como a empresária encara as suas clientes: são as rainhas daquele espaço.

Depois de dez anos a trabalhar em lojas neste mesmo centro comercial, desde a Zara à Aerosoles, Elaine Pereira decidiu mudar-se para o Porto, onde tinha familiares. Foi lá que começou a contactar com o “mundo da moda”. “No Porto as mulheres têm mais cuidado com a forma como se apresentam e eu própria comecei a vestir-me melhor”, conta. Teve uma loja de roupa em Guimarães, mas o percurso diário desde a Invicta levou-a a abandonar o projecto.

Foi personal shopper e relações públicas, e ganhou “calo” para o que se seguiria. Conheceu os designers de sapatos Luís Onofre, Egídio Alves e Paulo Brandão e definiu um modelo de negócio. A sua loja seria de sapatos de luxo, não só com criadores de renome, mas também em parceria com fábricas nacionais (neste caso, a Helsar) que produzem sapatos com a marca Dope LX, o nome que deu à empresa.

“Andei à procura de um sítio em Lisboa, onde há mais pessoas e um segmento alto. Para testar o meu conceito teria de estar na capital”, diz. Procurou espaços no Chiado, na Avenida da Liberdade, mas escolheu o Colombo. O centro comercial da Sonae Sierra (do grupo Sonae, dono do PÚBLICO) está a comercializar desde o ano passado o conceito de flash store, o nome que deu aos estabelecimentos que podem ser usados por um período máximo de seis meses para que o comerciante possa testar o seu negócio. “Era a situação ideal para mim”, diz.

A tendência de aluguer temporário não é nova e tem estado associada às lojas pop up, usadas por marcas reconhecidas para surpreender o cliente e testar novos produtos. A moda pegou nos Estados Unidos há, pelo menos, dez anos. Em 2003, entre 4 de Setembro a 15 de Outubro, a Target abriu um espaço no Rockefeller Center para mostrar uma colecção específica do designer Isaac Mizrahi.

Mais recentemente, a Levi Strauss quis rejuvenescer a sua marca Dockers e apresentou a Alpha, uma nova linha de calças coloridas, numa pop up store em Nova Iorque, que funcionou apenas em Setembro. Por cá, marcas nacionais como a Zillian (sapatos) ou criadores como Ricardo Dourado usam esta tendência para se posicionarem no mercado e surpreender clientes.

O conceito permite “aproveitar instalações que não exijam grande investimento para actividades promocionais específicas (…) ou que, pelas suas características, sejam propícios a instalações temporárias”, resume Carlos Récio, director de agência de comércio da consultora imobiliária CBRE.

Ao mesmo tempo, numa altura em que a expansão de centros comerciais em Portugal estagnou, também estes operadores apostam em formatos pop up, dando acesso mais facilitado a pequenos comerciantes ou empreendedores. É que, até agora, abrir uma loja num centro comercial não era para todos. Os contratos de aluguer de lojas duram, no mínimo, seis anos. E só com muito fôlego financeiro um pequeno empresário conseguiria acesso a espaços comerciais com tráfego garantido: são 700 milhões de visitas por ano, segundo dados da Associação Portuguesa de Centros Comerciais. O preço por metro quadrado das pop up stores pode chegar a metade do valor das lojas “convencionais”.

“A quebra nas vendas, associada à crise que vivemos, levou a que os lojistas tivessem receio de se comprometerem com contratos longos. Isto levou a que as taxas de desocupação dos centros comerciais aumentassem”, diz Patrícia Araújo, directora da área de retalho da consultora imobiliária Jones Lang LaSalle. As lojas pop-up surgiram, assim, “como uma forma de os lojistas abrirem o seu espaço para testar o conceito”. Caso tivesse boa receptividade e as vendas fossem boas, podia-se converter então numa loja definitiva”, acrescenta. Nesta conta, há vantagens para ambas as partes: os proprietários de espaços também conseguem “baixar o número de lojas vazias nos seus projectos e dinamizá-los com constantes surpresas para os clientes”.

Desde que, em Junho de 2012, o conceito arrancou nos centros comerciais da Sonae Sierra, abriram 90 projectos, 60 dos quais em 2013. A empresa criou quatro tipologias de flash stores, que incluem a coop store: espaços para pequenos negócios locais com forte componente de fabrico manual e que podem ser partilhados por mais do que um empreendedor.

Actualmente, há 33 flash stores em operação, diz Paula Coelho, responsável pela comercialização e desenvolvimento de projectos temporários. Desde o início do projecto, dez já se converteram em alugueres de longa duração e, actualmente, estão em curso dez negociações para novos alugueres. De acordo com Paula Coelho, cerca de 35% das lojas são da área de moda, 17% de artigos para casa. Todas detidas por empresários nacionais. “Habitualmente são lojistas que não têm muita experiência em centros comerciais e querem perceber se o negócio tem aceitação”, conta.

A Sonae Sierra – que no Verão passado lançou um centro comercial temporário em Tróia – é dona de 49 centros comerciais em 12 países, já levou o conceito a Espanha e prepara-se para o testar no Brasil. “Contamos em 2014 conseguir um número mais elevado de flash stores”, diz Paula Coelho.

Para Pedro Brandão, 43 anos, o aluguer temporário era a única hipótese que teria para testar, num grande centro comercial, a Fullspot Market, marca de relógios e malas personalizadas criada em Itália. Com experiência no comércio internacional – fornecia matéria-prima diversa para clientes estrangeiros – Pedro Brandão decidiu lançar-se, com a sócia Elisabete Peixoto, num projecto a pensar nos consumidores portugueses. Primeiro adaptou o escritório da empresa, com sede na Ericeira, para abrir a primeira loja. “A percepção foi positiva. E percebi que tinha potencial para ser comercializado”, conta. Depois, rumou a Lisboa.

O primeiro teste foi no Chiado com uma pop up store, que não teve o sucesso esperado. Nem todos os que passeiam na zona mais famosa da capital vão às compras. Seguiu-se o Colombo. “As minhas expectativas em relação ao Colombo eram baixas e os meus níveis de ansiedade estavam muito altos quando assinei contrato”, recorda. Mas, apesar de ir para um centro comercial de grandes dimensões “completamente às escuras”, sentiu-se “confortável” com as condições. “Nunca teríamos vindo se não fosse o conceito de flash store. É bestialmente eficiente para ambos os lados”, defende.

O contrato da Fullspot Market arrancou a 1 de Outubro e deveria terminar agora em Janeiro, mas a intenção é prolongar a permanência. “Teremos de mudar de localização, mas eu já sabia que isso poderia acontecer”, afirma.

A Copitrage, fundada em 1975, também já fez o teste no centro comercial depois de décadas em lojas de rua. A venda de pastas, fitas e trajes académicos era feita, até Março de 2013, nas 11 unidades que a empresa familiar detém em todo o país. Bárbara Dias e Rui Nogueira Pinto quiserem experimentar uma nova localização na capital e adaptaram-se aos horários contínuos do centro comercial. O aluguer começou por ser temporário, mas a experiência correu bem e o contrato agora é de longo termo.

“O investimento inicial foi baixo. Esta era uma loja de vestuário e conseguimos adaptar o espaço. O stock já tínhamos”, conta Rui Nogeira Pinto. Além do horário, os comerciantes tiveram de aprender a gerir recursos humanos de outra forma e ter em conta as “obrigações” para com a gestão do centro, mas em troca conseguem chegar a um “público mais abrangente”.

As lojas temporárias, que aparecem e desaparecem, parecem ter chegado para ficar. Sandra Campos, directora de departamento de retalho da consultora Cushman & Wakefield, diz que o comércio de rua pode aproveitar mais o potencial desta tendência e olhar com atenção para exemplos como o projecto Embaixada, no Príncipe Real, em Lisboa, promovido pela EastBanc, uma empresa de investimento e gestão imobiliária. O palacete Ribeiro da Cunha foi transformado numa montra de marcas nacionais, com lojas permanentes e temporárias.

“Gostaria de acreditar na proliferação das lojas pop up nas ruas da cidade. Podem ajudar a revitalizar zonas urbanas”, defende, dizendo que, “muito mais do que ocupar espaços vazios, este é um conceito altamente inovador, provocador e diversificado”.

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