Governo quer rever a lei do jogo

Foto
Receitas dos casinos caíram 3,7 por cento até Março Nélson Garrido / arquivo

Foram 20 anos a distribuir cartões madrugada fora. Este mês, o bingo do Barreirense fechará as portas, pela última vez. À medida que os anos foram passando, sem que se vislumbrasse a prometida revisão da lei do jogo, os clientes deixaram de aparecer e as receitas da sala derraparam até ao prejuízo.

É apenas mais um caso numa indústria em crise, a que o Governo diz estar atento. Em breve, vai ser criado um grupo de trabalho para definir alterações à actual legislação. Será tarde demais para os 18 trabalhadores da sala do Barreiro.

A promessa de revisão da lei do jogo já tem mais de seis anos. Esteve nas mãos do governo de Durão Barroso, passou pelo gabinete de Santana Lopes e aguarda, agora, pelo aval de José Sócrates. Chegou-se a falar da criação de um órgão regulador para o sector, quando a ameaça dos operadores on-line se tornou mais evidente, mas a proposta não avançou. Agora, depois de dezenas de reuniões entre o executivo, as associações do sector e a Inspecção de Jogos, dá-se um novo passo.

Bernardo Trindade, secretário de Estado do Turismo, avançou ao PÚBLICO que "será constituído a breve prazo um grupo de trabalho com representantes das várias tutelas envolvidas na actividade" com o objectivo de alterar a actual legislação. Uma boa notícia para os 23 concessionários de bingos e de casinos espalhados pelo país, que defendem que a paralisação legislativa é uma das causas para a abrupta queda do negócio do jogo nos últimos anos.

Receitas a descer

Feitas as contas, entre 2007 e 2009, as receitas das salas de bingo caíram 13 por cento, passando de 94,2 milhões de euros para 81,8. Nos casinos, o decréscimo foi de 9,4 por cento (de 383,9 milhões de euros para 347,7 milhões). Só nos últimos três anos fecharam sete bingos e, entre os dez casinos nacionais, apenas Espinho mantém a sala. Recuando a 1990, os dados evidenciam, ainda mais, a crise do sector.

Nessa altura, havia 44 espaços em Portugal. Hoje, são metade. Quanto aos casinos, não há registo de encerramentos, mas os operadores têm sido obrigados a redimensionar as estruturas para fazer face à redução da afluência de jogadores e da predisposição para as apostas. Na semana passada, arrancou a primeira fase do despedimento colectivo de 112 trabalhadores da Estoril Sol, que detém os casinos do Estoril, da Póvoa e de Lisboa).

Os dados do início deste ano continuam a mostrar uma tendência de queda no sector. No primeiro trimestre de 2010, a venda de cartões de bingo caiu três por cento e a receita bruta dos jogos de casino 3,7 por cento.

Já é certo que o sector vai assistir a, pelo menos, mais dois encerramentos: o do bingo do Barreirense, no final deste mês, e o do Futebol Clube do Porto (FCP), ainda sem data concreta. O do Estrela da Amadora também está em risco, encontrando-se em processo de insolvência, e o bingo Brasília só está a funcionar porque o Governo interveio, prolongando o prazo da concessão da Sociedade Nortenha de Gestão de Bingos (SNGB) até ao final de 2010. No entanto, quando o prazo terminar, não é garantido que a empresa concorra para voltar a gerir a sala.

Mais do que os impactos da crise económica, os operadores defendem que é a ausência de revisão da lei do jogo que tem sido prejudicial, em vários sentidos. Principalmente, porque continua a haver uma lacuna no que diz respeito à regulamentação do jogo on-line.

"A legislação não acompanhou o desenvolvimento do mercado. Hoje há uma proliferação de casinos cibernéticos, em clara violação dos trâmites legais de exploração e sem qualquer controlo", afirmou Mário Assis Ferreira, presidente da Estoril Sol.

Além desta questão, lamentam a falta de harmonização do sector. No caso dos bingos, por exemplo, as concessões atribuídas a clubes de futebol, como o Benfica, e a pessoas colectivas de utilidade pública, como a Casa Pia de Lisboa (bingos da Amora e do Oriente), beneficiam de uma tributação mais leve, tendo direito a ficar com 35 por cento da receita gerada. Já as empresas, como a SNGB, que gere três salas de bingo (Brasília, Olímpia e Académica de Coimbra), só podem arrecadar 22 por cento da receita que exceda os 1,25 milhões de euros.

A fiscalização do jogo on-line e a definição de regras equitativas para todos os operadores são apenas duas das reivindicações do sector, representado pela Associação Portuguesa de Bingos (APB) e pela Associação Portuguesa de Casinos (APC), que têm feito chegar as propostas de alterações da lei à tutela (ver texto secundário). Ambas têm movido esforços no sentido de pôr um travão à perda de receitas e aos encerramentos.

O secretário de Estado do Turismo garantiu ao PÚBLICO que "está em curso um processo de revisão legislativa que pretende recriar as condições de exploração e devolver à actividade o fulgor antes conhecido, diversificando a oferta e tornando-a mais atractiva". Bernardo Trindade sublinhou a importância do sector para o país, ao empregar perto de sete mil pessoas e ao proporcionar receitas de 150 milhões de euros para o turismo nacional, que "constituem um factor preponderante no seu desenvolvimento e qualificação".

No entanto, deixou claro que as alterações legislativas dependem de um entendimento a nível europeu, uma vez que a questão do jogo on-line, por exemplo, é alvo de interpretações diferentes por parte dos Estados-membros. Não é só em Portugal que a legislação em torno da indústria do jogo está na ordem do dia. Daí que a própria Comissão Europeia tenha selado o compromisso de publicar um novo quadro regulamentar para o sector até ao Outono deste ano.

Os concessionários aguardam com expectativa pelo cumprimento das promessas. "Há uma grande apreensão, mas temos confiança de que a revisão avance", referiu Ivo Doroteia, director da APB. Já os sindicatos do sector têm uma visão mais pessimista. Desde 2007, perderam-se, pelo menos, 300 postos de trabalho, contando com os futuros despedimentos no bingo do Barreirense e do FCP.

Francisco Figueiredo, do Sindicato dos Trabalhadores na Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul, acredita que este número não vai ficar por aqui. "A crise que está instalada hoje no sector deve-se, em grande parte, à inércia dos concessionários. Não investem no negócio, deixam as salas ao abandono. Não acreditamos que a revisão da lei mude, por completo, as práticas de gestão", afirmou.

A crise económica não deixa antever uma inversão imediata da instabilidade no sector, mesmo que a revisão legislativa avance no curto prazo.

Sugerir correcção
Comentar