Governo quer renegociar com Galp 500 milhões de mais-valias para baixar tarifas do gás

É mais uma medida integrada na 12.ª avaliação da troika, depois do anúncio da descida dos preços da luz para os mais desfavorecidos.

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Sines é porta de entrada do gás natural em Portugal

O Governo vai abrir uma nova frente nas chamadas rendas do sector energético, desta vez com a Galp Energia. O objectivo é reduzir as tarifas do gás natural em valores que podem chegar a cinco por cento ao ano e por vários anos, nas estimativas oficiais.

Em causa estão cerca de 500 milhões de euros que o Governo calcula que a Galp ganhou entre 2006 e 2012 com a revenda de gás natural no mercado internacional, o chamado trading. A empresa terá arrecadado este valor após a revisão dos seus contratos de concessão com o Estado, em 2006, e à custa da introdução de cláusulas que não anteciparam a evolução dos preços desta matéria-prima no mercado internacional.

“Há um conjunto de benefícios acumulados que podem ascender a 500 milhões de euros e que não foram partilhados com os consumidores. O Governo entende que há justificação suficiente para que esses benefícios possam, através de um reequilíbrio da concessão, proporcionar uma descida de custos aos consumidores”, afirmou o ministro do Ambiente, Ordenamento e Energia Jorge Moreira da Silva ao PÚBLICO. O titular justificou ainda esta medida como parte do terceiro pacote de cortes para o sector energético, no âmbito da 12ª avaliação da troika.

O diferencial de preços do gás natural entre Portugal e a média dos Vinte e Sete, sem taxas e impostos, é hoje mais pronunciado no gás natural do que na electricidade e afecta, em especial, os consumidores domésticos, embora o peso da indústria no consumo seja muito maior e, por isso, onde uma descida de preço tem mais impacto.

Os últimos dados completos do Eurostat reportam ao final do primeiro semestre do ano passado, altura em que uma família portuguesa pagava mais 30% na sua factura do que a média da UE27 e a indústria mais 8,21%. E já houve períodos piores, do ponto de vista do consumidor. A diferença chegou a ser de 41,7% para os domésticos no primeiro semestre de 2010 e de 10,5% para a indústria no segundo semestre de 2012.

Em Portugal, a grande indústria e o sector eléctrico absorvem em conjunto, segundo a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), mais de 75% do gás natural do total do país, sendo os restantes 25% distribuídos entre consumidores domésticos e pequena e média indústria.

Moreira da Silva admite que a renegociação do que considera ser um “desequilíbrio consideravelmente favorável” à empresa será difícil e pode redundar em litígio, com recurso eventual a arbitragem. Também reconhece que a prática em Portugal tem sido mais de “reequilíbrio para o concessionário” do que para o Estado e diz acreditar que “se o legislador estivesse na posse da evolução dos preços do gás natural tinha exigido mais” do que fez em 2006.

A revenda de gás natural, sobretudo para o Japão, e a exploração e produção de petróleo são as áreas de onde a Galp retira actualmente maiores proveitos e que não esconde que lhe têm corrido bem.

A cláusula que permitia os referidos ganhos foi, entretanto, anulada este ano, no âmbito dos cortes impostos pela troika ao sector energético. Ficam agora seis anos de mais-valias passadas que o Governo pretende “corrigir” através da transferência de parte dos ganhos para amortizar os custos da rede de gás natural que todos os consumidores pagam na sua factura, no mercado regulado e no liberalizado.

O Governo não adianta qual a proposta que fará à Galp, em termos de prazos e montante a repartir com os consumidores, mas reconhece que uma eventual “opção por uma janela de tempo reduzida permitirá uma descida de preços nos consumidores com impacto maior”.

A potencial fonte de redistribuição de ganhos surge devido às alterações introduzidas em 2006, quando foi decidida a separação de actividades do negócio do gás natural (importação, armazenamento, transporte e distribuição) que a Galp detinha, de modo a cumprir as regras do mercado interno de energia da EU. Neste pacote, entraram os contratos de importação de gás natural da Argélia e da Nigéria que vinham do passado e que obrigam a Galp a adquirir as quantidades de gás previamente acordadas tenha consumo ou não para elas (chamada cláusula de take or pay). A partir de 2006, a sucessora da Transgás, actual Galp Gás Natural, passou a poder vender livremente as quantidades disponíveis.

Na altura, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) defendeu que os ganhos futuros derivados da nova medida deveriam ser partilhados de forma equitativa entre o concessionário e os consumidores, mas a resolução que saiu então do Conselho de Ministros não previu essa partilha.

Os efeitos começaram a tornar-se visíveis com a crise económica e a quebra do consumo nacional, que libertou gás para venda em outros destinos, mas tornou também mais oneroso para os consumidores o encargo do custo da rede. Por outro lado, a voracidade da China no consumo de gás natural e o acidente nuclear de Fukushima que levou o Japão a privilegiar o gás natural desequilibraram os fluxos comerciais do mercado mundial do gás natural. A quebra de consumo a nível interno e o crescente consumo asiático, responsável pelo aumento nos preços, têm permitido à Galp uma margem atractiva na venda de gás para o mercado asiático.

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