Governo contorna lei dos reguladores e facilita recondução da gestão do INAC

Novos estatutos do supervisor da aviação abrem a porta a um novo mandato da gestão, que, de acordo com a lei, teria de cessar funções já em Novembro.

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Equipa de gestão do INAC, presidida por Trindade dos Santos, termina o mandato em Novembro Vasco Neves

A nova lei-quadro dos reguladores é clara. Nenhum administrador pode exercer mais do que um mandato seguido nestas entidades. No entanto, os estatutos do Instituto Nacional da Aviação Civil (INAC) abrem a porta à recondução da actual equipa, liderada por Luís Trindade dos Santos e que, se o diploma publicado em Agosto fosse respeitado, deveria cessar funções já em Novembro.

Os novos estatutos deste supervisor, que têm vindo a ser articulados com o Governo mas que ainda aguardam por aprovação em Conselho de Ministros, incluem uma norma em que se lê que a sua entrada em vigor “não implica a cessação de mandatos dos membros do conselho directivo” e “nem prejudica a sua eventual designação para o conselho de administração da Autoridade Nacional da Aviação Civil” (a ANAC, que vai dar lugar ao INAC).

Abre-se, assim, a porta para que a equipa de gestão possa ser reconduzida num novo mandato de seis anos, embora essa hipótese contrarie os pressupostos da Lei-Quadro que abrange todas as entidades reguladoras. Neste diploma, que surgiu na sequência de uma imposição da troika, ficou estabelecido que “o mandato dos membros do conselho de administração tem a duração de seis anos, não sendo renovável sucessivamente”. Ou seja, só poderão ser renomeados “seis anos após a cessação do mandato anterior”.

Com esta regra, e tal como se lê na primeira parte da norma inscrita nos estatutos do INAC, os administradores que estão hoje em funções mantêm-se no cargo até ao final do mandato. A formulação que é usada pelo regulador da aviação é, aliás, comum nos estatutos de outros supervisores. Ainda na quinta-feira, com a publicação dos novos estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) em Diário da República, constatava-se que esta tinha incluído no diploma a seguinte norma: “a entrada em vigor da presente lei não implica o termo dos actuais mandatos” da administração, sem nada dizer sobre eventuais designações.

Uma vontade expressa
O que difere o INAC dos restantes reguladores é a segunda parte na norma, onde se escreve que a actual gestão pode ser escolhida para a nova administração da ANAC. Tal formulação poderia estar relacionada com o facto de o Governo ter decidido mudar o nome deste supervisor, garantindo assim que essa opção não implicaria a cessação dos mandatos. No entanto, o PÚBLICO apurou que não será esse o caso.

O conselho directivo do INAC, nomeado em Novembro de 2011 pelo actual Governo quatro meses após ter tomado posse, chegou a expressar-se publicamente sobre a vontade de fazer mais do que um mandato. Num parecer com quatro páginas sobre a nova Lei-Quadro que remeteu, em Maio do ano passado, à Assembleia da República, o próprio presidente do regulador, Luís Trindade dos Santos, defendia que o diploma deveria prever uma excepção à renovação de mandatos para os institutos que vão ser convertidos em entidades reguladoras.

Com a nova lei, o INAC vai transformar-se na ANAC, embora, na lei-quadro, o Governo tenha entendido esta alteração como uma mera “redenominação”, não lhe conferindo um cariz de reestruturação, como fez com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (que, após uma redefinição de funções, passa a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes). No parecer, Trindade dos Santos escrevia que “esta distinção [carácter de excepção] que se propõe faz sentido para os titulares que hajam sido nomeados para o exercício de funções de gestão num organismo que agora mudará a sua natureza, isto é, a passagem de institutos públicos a entidades reguladoras independentes”.

Atraso de três meses
O PÚBLICO sabe que a sugestão feita pelo INAC gerou, na altura, diferentes reacções dentro do Governo. Mas, desde então, houve uma importante mudança: a substituição do secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, responsável pela redacção da lei-quadro. A formulação que consta nos estatutos do regulador da aviação foi articulada com o executivo, nomeadamente com o ministério que o tutela – o da Economia. À semelhante de outros supervisores, o diploma deverá ir, em breve, a Conselho de Ministros para aprovação, estando já previsto que seja discutido na próxima segunda-feira, dia 10 de Março, em reunião de secretários de Estado.

Mesmo que sejam aprovados na próxima semana, os novos estatutos dos reguladores já levam um atraso de três meses face ao prazo que tinha sido estabelecido na lei-quadro. Os responsáveis da troika têm estado muito atentos ao tema, já que um dos compromissos assumidos pelo Governo era o reforço de poderes e da independência destas entidades. O PÚBLICO contactou o Ministério das Finanças, o Ministério da Economia e o INAC para obter esclarecimentos, mas não obteve respostas em tempo útil.

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