Funcionários que aleguem prejuízo pessoal escapam à mudança de serviço

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O Governo reúne-se na quinta-feira com os sindicatos do sector Pedro Granadeiro/nFactos

Os funcionários públicos poderão não ser obrigados a mudar de serviço – no âmbito da mobilidade temporária –, se isso lhes causar transtornos familiares.

O Governo está disponível para analisar as situações familiares dos trabalhadores, apurou o PÚBLICO, e poderá introduzir na proposta de lei a possibilidade de eles se oporem à transferência, alegando prejuízos sérios da vida pessoal.

Na prática, trata-se de pôr um travão à proposta enviada aos sindicatos e que obriga os funcionários públicos a aceitar mudar de serviço para qualquer concelho do país, independentemente da distância da sua residência.

Na proposta, enviada esta semana aos sindicatos, o Governo agiliza a mobilidade obrigatória entre serviços e elimina algumas disposições que permitiam que os trabalhadores o recusassem. Desde logo, cria-se a mobilidade interna temporária, com a duração de um ano, que permite a deslocação de trabalhadores para qualquer concelho do país.

Para que isso se concretize, basta que se cumpram determinadas condições, nomeadamente que a transferência se faça entre unidades orgânicas do mesmo serviço, se trate de trabalhadores nas carreiras de assistente técnico ou superior e que a mobilidade se efectue para um posto de trabalho idêntico. Os critérios de selecção dos trabalhadores são depois definidos pelos dirigentes.

A proposta prevê que os trabalhadores recebam ajudas de custo por inteiro no primeiro mês (cerca de 50 euros por dia) e metade nos meses seguintes, mas os sindicatos consideram que estes valores não incentivam ninguém a mudar e receiam que "os trabalhadores paguem para trabalhar".

O trabalhador não pode voltar a ser sujeito a esta mobilidade antes de decorridos dois anos, excepto com o seu acordo. Mas da primeira vez que lhe for proposto mudar, o funcionário não se pode opor - o que poderá ser alterado na sequência da reunião desta quinta-feira entre o secretário de Estado da Administração pública, Hélder Rosalino, e os sindicatos.

Esta solução de mobilidade temporária interessa em particular aos serviços e organismos que estão disseminados pelo país e que agora dificilmente podem transferir funcionários, mesmo que isso se justifique, e permite pôr em prática uma das medidas do programa de revitalização dos centros de emprego e que passa por deslocar técnicos das unidade menos procuradas para os serviços com maior pressão de desempregados. Esta solução permite que os técnicos de um centro de emprego de Beja passem para o Porto ou Gaia durante um ano ou que o funcionário de um serviço da Segurança Social seja enviado de Évora para Faro.

Grandes sem restrições

Mas as mudanças ao nível da mobilidade obrigatória não ficam por aqui, até porque no memorando assinado com a troika o Governo compromete-se a assumir a mobilidade como um verdadeiro mecanismo de gestão de recursos na função pública.

Assim, a mobilidade nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto far-se-á sem quaisquer restrições e será possível um trabalhador morar em Vila Franca de Xira e ir trabalhar para Cascais ou para o Seixal.

Fora destas áreas, o Governo elimina as restrições e passa a ser obrigatório mudar de serviço desde que ele se situe até 60km da residência ou a 30 no caso dos assistentes operacionais.

Nas autarquias, os trabalhadores também ficam sujeitos à mobilidade interna e serão forçados a mudar para serviços da área metropolitana ou comunidade intermunicipal em que a câmara ou junta de freguesia se integra, mesmo que isso implique mudar de concelho.

Os sindicatos rejeitam estas propostas e acusam o Governo de nem sequer ter olhado para as propostas que lhe enviaram nas últimas semanas. "Pensávamos que estávamos num processo negocial, mas o documento que recebemos não acolheu qualquer dos nossos contributos, nem sequer faz a mínima referência às nossas propostas", lamenta Bettencourt Picanço, presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado.

Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum, condenou as alterações propostas "inaceitáveis e atentatórias de direitos constitucionais fundamentais" e classificou de "miserável" o valor que o Governo se propõe pagar em ajudas de custo aos funcionários obrigados a mudar para qualquer concelho do país, mesmo que fiquem a mais de 60km de distância da sua residência.

Também a Frente Sindical para a Administração Pública (Fesap) se insurge contra a proposta e pede a intervenção do Presidente da República, para pôr termo a "mais um ataque" aos funcionários públicos. José Abraão, dirigente da Fesap, realça que a proposta põe causa "a liberdade dos funcionários públicos no local de trabalho" e é "um novo pacote de austeridade".

Perante isso, os sindicatos aproveitam a simbologia das datas que se aproximam e apelam aos funcionários públicos para que participem nas manifestações do 1º de Maio.

Além da mobilidade, em cima da mesa estão também as rescisões amigáveis, a possibilidade de cada ministério criar programas sectoriais de redução de efectivos por rescisão, a redução das indemnizações por cessação dos contratos, em linha com as alterações feitas ao Código do Trabalho, o banco de horas individual ou a redução dos feriados.

Mobilidade especial chega às autarquias

Os funcionários das câmaras, juntas de freguesia ou serviços municipais também estão sujeitos a ir para a mobilidade especial e perder uma parte significativa do seu salário. A medida faz parte das propostas que serão discutidas amanhã com o secretário de Estado da Administração Pública e surge numa altura em que se discute a reorganização do mapa das freguesias, a redução de 30% dos cargos de chefia e extinção das empresas municipais deficitárias.

De acordo com o documento, prevê-se que em cada área metropolitana ou comunidade intermunicipal se crie uma entidade gestora da mobilidade especial. Tal como acontece na administração central, o pessoal na mobilidade mantém o salário nos primeiros dois meses, nos dez meses seguintes recebe 66,7% e depois fica com 50%.

Em 2010, as autarquias empregavam 135.888 funcionários, mas o objectivo é que este número se reduza significativamente até 2014. O memorando de entendimento exige a redução do número de trabalhadores a um ritmo de 2% ao ano. José Abraão, dirigente da Fesap, receia que a mobilidade sirva para criar processos de intenções "contra funcionários mais críticos ou que não são da cor política do presidente da câmara".

Mútuo acordo pode abranger 137 mil

Os funcionários públicos a desempenhar funções de assistente técnico e operacional e o pessoal em mobilidade especial são o principal alvo das rescisões amigáveis no Estado. Os restantes funcionários públicos, nomeadamente os cargos mais qualificados, terão critérios mais apertados e a sua saída dependerá de autorização do Ministério das Finanças ou da criação de programas sectoriais de redução de pessoal por mútuo acordo.

Ao todo são 137 mil os funcionários públicos a desempenhar funções de assistente técnico (administrativos) e operacional (auxiliares das escolas ou hospitalares e operários) a quem podem vir a ser propostas rescisões amigáveis (25% do total de funcionários públicos em Junho de 2011). Somam-se-lhes os cerca de 1200 funcionários públicos que estão na mobilidade especial, um número que a partir de Maio deverá aumentar por causa do processo de reestruturação dos serviços públicos que está em curso.

As rescisões com os trabalhadores a desempenhar cargos pouco qualificados não necessitam de autorização do Ministério das Finanças, nem há restrições em relação ao número de pessoas que venham a sair, tal como acontece ao pessoal na mobilidade. Já as indemnizações, correspondentes a 20 dias de salários por cada ano de antiguidade, ficam sujeitas a uma dupla penalização: não podem ser superiores a 12 meses de salário e, além disso, o trabalhador não pode receber mais do que receberia, se se mantivesse no activo ou na mobilidade até à idade da reforma.

Já para a generalidade dos funcionários públicos apenas há a restrição correspondente a 12 meses, embora o salário mensal que serve de cálculo não possa ser superior a 9700 euros. Uma realidade que segundo os sindicatos abrange uma ínfima parte dos funcionários públicos, dado que a posição máxima da tabela remuneratória única – o quadro salarial aplicado à função pública – não vai muito além dos 6350 euros e a média salarial ronda os 1200 euros.

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