FMI suaviza discurso sobre descida dos custos laborais

Representante do FMI, Subir Lall, destaca que é preciso "identificar os últimos obstáculos à flexibilidade de preços" e medidas "para aumentar a produtividade".

Foto
Subir Lall esteve em Portugal em Abril para a consulta do Artigo IV Nuno Ferreira Santos

Para o FMI, “embora fosse possível fazer mais para melhorar o funcionamento do mercado de trabalho e as oportunidades de emprego”, a descida de “outros custos de produção talvez seja ainda mais importante”. Isto porque, diz o chefe de missão do FMI em Portugal, Subir Lall, num depoimento publicado num blogue do FMI e ligado à última visita da troika a Portugal, “os custos laborais representam apenas cerca de 30% por cento dos custos operacionais” das empresas.

Além disso, diz este responsável, “é importante garantir que o peso do ajustamento não recaia demasiado no trabalho e seja contrabalançado com ajustes em outras áreas”. Assim, acrescenta, “é preciso que reformas ambiciosas do mercado de produtos, destinadas a aumentar a concorrência e a reduzir as rendas no sector não transaccionável, sejam uma peça central da agenda do crescimento daqui em diante”. Já houve desenvolvimentos, diz o FMI, mas, garante, “é possível fazer muito mais para que o processo avance”. “Uma das prioridades é identificar os últimos obstáculos à flexibilidade de preços e medidas para aumentar a produtividade. Outra é garantir que as novas leis e regulamentos se traduzam numa mudança efectiva e em preços mais baixos para os exportadores”.

No relatório da décima avaliação, o FMI sublinha que o potencial de crescimento de economia portuguesa continua dependente de várias reformas estruturais, entre elas a eliminação das rendas no sector energético.

“A persistência de rendas nos sectores não transaccionáveis tem de ser resolvida definitivamente para aumentar o potencial de crescimento económico e reforçar a competitividade” do país, lê-se no documento divulgado esta quarta-feira. “As prioridades” nesta área devem ser “a energia e as infra-estruturas de transportes”, áreas apontadas pelo FMI como “cruciais para a competitividade externa do país”. “Na ausência destas reformas, o peso do ajustamento irá cair excessivamente sobre o mercado de trabalho”, garante o FMI.

“Identificar novas medidas para limitar as subidas futuras dos preços da electricidade para os consumidores finais, inclusive resolver a questão das rendas excessivas do sector” é um dos pontos da agenda das negociações entre o Governo e a troika, refere o FMI. Assim, os preços da electricidade vão voltar à mesa das negociações com a troika, que se iniciam na próxima quinta-feira.

Mudança de tom

O FMI veio assim suavizar o seu discurso sobre a necessidade de descer os custos com salários, tema que fez parte da décima avaliação da troika a Portugal, e onde tinha uma posição mais dura do que a Comissão Europeia. No relatório sobre a oitava e nona avaliações do programa de ajustamento português, a CE defendia que o Governo devia manter o salário mínimo congelado e “assegurar a moderação salarial” através de um controlo mais apertado da extensão dos contratos colectivos a trabalhadores e empresas não filiados. Já o FMI dizia que o ajustamento tinha sido feito à custa da função pública e que no sector privado “a flexibilidade salarial continua a ser limitada”, pelo que, na décima avaliação, estaria “concentrado” nessa questão.

Agora, sobre esta temática, que tem mesmo um subtítulo, “O peso do ajustamento não deve recair demasiado no trabalho”, Subir Lall destaca, na declaração que fez no blogue, que “devido às limitações impostas pela união monetária e à falta de flexibilidade cambial”, a estratégia de melhorar a competitividade da economia “exige a redução dos custos unitários do trabalho e de outros factores de produção, o aumento da produtividade e uma melhor capacidade de adaptação das empresas aos choques”.

Sobre a redução dos custos unitários do trabalho nas empresas privadas, houve, destaca, “algum progresso”, facilitado, “em parte”, “pelas reformas implementadas até à data para reduzir a protecção do emprego e incentivar contratos de trabalho mais flexíveis, permitindo às empresas um melhor ajuste ao choque de procura que enfrentavam”. Além disso, o responsável acrescenta que “as reformas da negociação colectiva têm ajudado a alinhar melhor os salários à produtividade”.

Em Dezembro, na conferência de imprensa que deu por concluída a última visita da troika, Carlos Moedas, secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro, afirmou que a questão do mercado de trabalho “é sempre discutida em todas as avaliações”, mas que nada de novo se registou no décimo exame da troika. Isto após o FMI ter dito que apenas a discussão sobre a redução do salário mínimo nacional não estava em cima da mesa.

O Governo tem vindo a insistir que não está em cima da mesa qualquer mexida nos custos salariais. Ainda na semana passada, quando foram aprovadas as novas regras do despedimento por extinção de posto de trabalho, o ministro do Emprego e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, garantiu que "o ajustamento salarial no privado já foi feito nos últimos anos" e que "nada justifica que se dêem mais passos nesse sentido”.

Sucessos e obstáculos

No mesmo documento, hoje divulgado, Subir Lall destaca "as amplas reformas estruturais realizadas apesar das difíceis circunstâncias socioeconómicas" e, realça, dos "obstáculos jurídicos", numa referência indirecta ao Tribunal Constitucional. "O governo tomou medidas para melhorar o funcionamento dos mercados de trabalho e de produtos e para tornar o ambiente de negócios mais propício ao crescimento. O ajustamento externo excedeu as expectativas, o que reduziu a necessidade de contrair outros empréstimos externos; e a estabilidade financeira foi preservada".

Neste momento, diz Subir Lall, "a economia está a dar os primeiros sinais de que talvez já tenha virado a página. O progresso alcançado em todas estas frentes parece ter tranquilizado os investidores do mercado obrigacionista estrangeiro e as taxas dos títulos públicos atingiram o seu nível mais baixo desde Abril de 2010". Na manhã desta quarta-feira, as taxas de juros das Obrigações do Tesouro a dez anos, transaccionadas no mercado secundário, estavam nos 4,8%, tendo recentemente o Governo aproveitado a conjuntura favorável para colocar dívida de longo prazo junto dos investidores, através de um sindicato bancário.

Isto não significa, no entanto, que "o trabalho esteja concluído". O responsável do FMI sublinha que o desemprego continua "elevado", com destaque para os jovens e os desempregados de longa duração (ou seja, que procuram, sem sucesso, colocação no mercado de trabalho há mais de um ano). Além disso, "a dívida das empresas públicas e das empresas privadas não financeiras – de quase 129 e 255% do PIB, respectivamente – continua a ser muito elevada". Assim, diz o FMI, e perante "uma dívida tão alta", é evidente "que será necessário uma consolidação orçamental ainda maior e a desalavancagem do sector privado. Talvez mais importante ainda, a redução desta carga exige um crescimento elevado e sustentado".  

Sugerir correcção
Comentar