Fim dos direitos cobrados pela UE às cordas indianas pode custar 35 milhões às empresas portuguesas

Indústria portuguesa de cordoaria é líder na Europa e teme quebra de 40% nas vendas de cordas para barcos e navegação.

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Privado que ficar com o terminal de cruzeiros vai investir 22 milhões, mas a operação não vai gerar receitas imediatas ENRIC VIVES-RUBIO

A Comissão Europeia vai extinguir os direitos antidumping que limitam as importações de cordas e cabos sintéticos das empresas indianas, acusadas pelos fabricantes europeus de “inundar o mercado com produtos de menor qualidade”, abaixo do preço de custo.

A indústria comunitária da cordoaria e redes está em guerra aberta com os produtores indianos de cordas sintéticas há pelo menos 15 anos. Até agora os efeitos têm sido minorados pelos Instrumentos de Defesa Comercial da União Europeia (UE) aplicados às importações indianas, mas a extinção destes direitos, prevista para 23 de Dezembro, pode ter “efeitos irreversíveis para a indústria europeia”, disse ao PÚBLICO Pedro Violas, director da Eurocord, associação europeia do sector.

Embora a Eurocord tenha pedido antecipadamente a prorrogação destes mecanismos ao Board of Complaints da Comissão Europeia, argumentando que têm sido fundamentais para manter no mercado condições mínimas de concorrência leal, apesar de os produtores indianos “encontrarem estratagemas para fugir aos direitos e inundarem o mercado com produtos de menor qualidade”, já foi notificada por Bruxelas de que o pedido foi rejeitado e os direitos serão mesmo extintos no próximo mês.

“Desde a primeira hora tornou-se evidente que o Board não queria aceitar esse pedido, argumentando que os direitos subsistiam há demasiado tempo, que as importações da Índia eram reduzidas e que a Eurocord não conseguia demonstrar a prática de dumping pelas empresas indianas”, disse o responsável da Eurocord, notando que a extinção dos direitos comunitários favorece essencialmente as empresas indianas Garware WallRopes, Tufropes e Axiom Cordages.
 
Prejuízos numa indústria que Portugal lidera
Para a indústria portuguesa, que “é a maior e mais bem apetrechada indústria de cordoaria da Europa”, a medida pode pôr em causa a sustentabilidade de empresas que empregam, directa e indirectamente, 3200 pessoas. Miguel Sá, da Cordoaria Oliveira Sá, antecipa “elevados prejuízos e alguns encerramentos a curto prazo”, referindo que, só no segmento de cordas para barcos e navegação, o fim dos direitos pode significar no próximo ano “uma quebra de vendas de 40%, num valor superior a 35 milhões de euros” para as empresas nacionais.

O mercado português de cordoaria e redes é formado por oito empresas de grande dimensão e duas de média dimensão, fortemente voltadas para a internacionalização, e produz cordas para barcos e navegação, redes de pesca, fios agrícolas e cordas de amarração, entre outros produtos. Até à data, o mercado comunitário tem absorvido 79% das exportações e mais de 85% do volume de vendas anual, que ronda os 350 milhões de euros. “Apesar da nossa grande competitividade, não conseguiremos reagir aos preços das empresas indianas e estamos à beira de perder vantagem num dos poucos sectores de actividade em que somos líderes”, lamentou o responsável.

Uma guerra com 15 anos
O processo contra as empresas indianas remonta a 1998, quando a indústria de cordoaria indiana começou a pressionar o mercado comunitário com exportações de cordas a preços inferiores aos custos de produção europeus. Nessa época foi instaurado um processo antidumping contra a Índia sendo então aplicados direitos elevados sobre as empresas de cordoaria indianas - 53% de direitos antidumping contra um produtor/exportador indiano e 82% de direitos antidumping residuais para todas as outras empresas indianas.

A legislação comunitária prevê que estes mesmos direitos, uma vez aplicados, vigorem durante 5 anos, podendo ser prorrogados sempre que se mantenham os pressupostos que deram origem à sua aplicação. Apesar de os direitos terem sido sucessivamente prorrogados, a indústria comunitária vem acusando a Comissão Europeia de ter sempre tentado eliminá-los “por razões políticas”. O que está em causa é “a salvaguarda de interesses económicos relacionados com a Índia, nomeadamente a protecção das exportações de alguns países comunitários” para aquele país, garantiu ao PÚBLICO Pedro Violas.

Se na última prorrogação os direitos foram prolongados por apenas três anos, com base em razões “altamente contestáveis”, os argumentos que agora ditam a sua extinção permanente são “totalmente inaceitáveis” para a Eurocord.
“Mesmo com quantidades aparentemente limitadas de importações da Índia”, incluindo quer as ofertas de venda que estes espalham pelos clientes europeus, quer as suas próprias vendas, “os preços indianos são muito mais baixos do que os preços das outras importações de fora da UE”. Uma diferença que, entre Abril de 2012 e Março de 2013, chegou aos 30%, “pressionando a descida generalizada dos preços”, garante a Eurocord.

Incoerências estatísticas
A associação defende ainda que o volume de importações da Índia pela UE a 28 é muito superior ao que está registado pelo Eurostat (gabinete de estatísticas comunitárias). A associação cita dados das alfândegas indianas referindo que as exportações indianas de cordoaria para a UE foram em 2012 de 2125 toneladas, enquanto os dados oficiais da UE relativos às importações registam 18 toneladas. A associação recorda que esta diferença de dados estatísticos já tinha sido um dos argumentos que levaram à anterior prorrogação dos direitos antidumping, tendo sido explicada nessa ocasião pelo facto terem aumentado as vendas da Índia para os portos comunitários, como Roterdão, onde não são pagos direitos aduaneiros nem são aplicáveis os direitos antidumping.

A Eurocord acusa ainda as empresas indianas de praticarem fraude sobre a origem dos produtos que exportam através de transbordo via Emirados Árabes Unidos. Ou seja, para escaparem ao pagamento de direitos, diversos produtores alugam escritórios de venda no Dubai, através dos quais exportam os seus produtos para este país e, deste, para a UE com certificado falso de origem dos Emirados Árabes Unidos, sustenta a Eurocord. Do lado dos importadores comunitários também há estratégias para fugir ao pagamento dos direitos através da atribuição de classificações de nomenclaturas erradas a estes produtos, garante a associação dos fabricantes europeus.

Apesar da decisão de que os direitos são para extinguir já estar com a chancela do Comissário Europeu do Comércio Karel de Gucht, a Eurocord tem esperança que o processo possa ser “repescado” quando passar pelo crivo do Comité Antidumping da EU (formado por delegados dos vários Estados-membros), evitando assim “a destruição da indústria europeia”.
 
 
 

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