Eu esperava Setembro

Esta persistência sem sentido, esta obstinação suicida numa política de terra queimada, só pode conduzir à total aniquilação do país.

Mesmo nos anos mais duros da crise do euro, a generalidade dos políticos e financeiros não prescindiu de um mês de Agosto passado nas águas do Mediterrâneo, entre as luxuosas vilas, ou nas suas cercanias mais democráticas e populistas. As más notícias do mês vão passando despercebidas entre o desfile de vedetas, festivais e trivialidades, susceptíveis de reconfortar o quotidiano e fazer esquecer as tristezas nossas de cada dia.

Mas que elas existem, existem. Em Portugal sabemo-lo dolorosamente. A queda da casa Espírito Santo, geradora dos mais variados comentários e de uma compreensível estratégia de redução da tensão, não deixará de arrastar para contribuintes e pequenos investidores prejuízos graves, sem que isso tenha merecido toda a atenção e preocupação que justifica um sistema financeiro que dá sinais de total instabilidade.

Com o aproximar do fim do mês, também entre nós, de Moledo à Manta Rota, já se começou o regresso a Lisboa e o encontro com o quotidiano. Setembro está praticamente aí. A União Europeia decidiu assinalar o fim de Agosto com uma cimeira no dia 30, que até levou a que Rajoy e Merkel fizessem um louvável - ainda que curto - trecho do caminho de Santiago, em busca da tão necessária inspiração divina. Esperemos que no descanso da peregrinação tenham tido tempo para ler a Alegria do Evangelho.

Nestes tempos de recuperação dos valores do passado, estou em crer que perdoarão que recorde “Setembro”, música interpretada por Madalena Iglésias, com menos notoriedade do que a festivaleira “Sei Quem Ele É”. Ao longo dos anos, a música acompanhou-me, pelo menos nesta época do ano e dou comigo a cantarolar: “Eu esperava Setembro para voltar a ver-te, para voltar a dar-te os sonhos que eram nossos. Vestida de esperança e na alma enamorada, eu esperava Setembro para voltar a ver-te”.

Para além da nostalgia acentuada da melodia, é a mensagem de esperança e de reencontro de Setembro que toca a cada um de nós, mas também ao conjunto da comunidade, que regressa “vestida de esperança”.

E que resposta lhe vai ser dada?

Que ultrapassados os sonhos e o “sabor de mar e o sabor de sal” de todos nós, era inevitável o regresso ao ambiente do início do Verão, com os mesmos decisores políticos que engendram o nosso futuro ou a ausência dele, para quem a austeridade é a regra de ouro, apesar de neste momento existirem condições  excepcionais para a busca de outras respostas.

Porque em Setembro apenas se agravará o travo amargo da austeridade - anunciado já com a dose de indiferença a que nos habituámos -, mesmo num contexto em que os resultados económicos e a evolução das opiniões políticas e económicas não poderiam ser mais favoráveis à busca de outras vias.

Os péssimos resultados da economia europeia - a atingirem pela primeira vez a Alemanha -, a queda dos índices de confiança, bem como o aumento do défice orçamental e externo português vieram tornar ainda mais evidente aquilo que já o era para a generalidade dos observadores: a falência das políticas dos últimos anos.

A eleição e as declarações de Juncker, a energia de Matteo Renzi a forçar aceitação de uma interpretação flexível do Pacto Orçamental, a conversão do superfalcão Hans-Werner Sinn à necessidade de reestruturação da dívida e, sobretudo, a recente aproximação de Mario Draghi à posição do primeiro-ministro italiano durante a reunião dos Presidentes dos Bancos Centrais são, também elas, condicionantes importantes para os decisores económicos.

Se poucos duvidam que foi Mario Draghi a salvar o euro e a economia europeia, também não faltam aqueles que, nos últimos tempos, têm visto nele uma prudência excessiva na política monetária e no combate à inflação.

É precisamente essa orientação que Draghi agora abandona, estimulando até os governos a políticas orçamentais expansionistas. Ao deixar antever uma política monetária mais expansionista e a sua conjugação com uma política financeira destinada a estimular o crescimento, Draghi dá um novo passo para salvar a União Económica e Monetária.

Tudo levaria, portanto, a pensar que este era o tempo de preparar com determinação o próximo Conselho Europeu, em vez de congeminar mais iniciativas no domínio da austeridade - aproveitando um ambiente de aparente resignação da população, que já pouco mais conseguirá fazer do que ecoar o ayez pitié de moi, da Religiosa de Diderot.

Mas esta persistência sem sentido, esta obstinação suicida numa política de terra queimada, só pode conduzir à total aniquilação do país. O que resta de público para vender é quase nada; as empresas portuguesas nunca foram tão poucas e aquelas que pagam impostos em Portugal ainda menos...

Por isso, no final de Setembro, voltaremos provavelmente a Madalena Iglésias: “Setembro desfolhou-se no silêncio das tardes, entre os dedos do vento, o meu amor desfeito". E, seguramente, passarão anos e anos antes que se volte a sentir o mesmo entusiasmo por Setembro. Talvez, então, seja o momento de encenar What Happened to Portugal?

Presidente do Instituto Europeu da FDUL e catedrático Jean Monnet

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