Estudo alerta que fórmulas dos contratos das ex-Scut podem prejudicar Estado

Investigador do ISEP adverte para “falta de rigor”, “simplicidade” e “arbitrariedade” dos processos.

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O estudo do ISEP detectou que os cálculos dos índices de sinistralidade “inflacionam os prémios às concessionárias” Fernando Veludo/NFACTOS

As fórmulas utilizadas para calcular pagamentos do Estado às concessionárias das ex-Scut podem estar a inflacionar essas transferências, admitiu à Lusa José Matos, investigador de matemática.

“A nossa conclusão é que as fórmulas são más e muito instáveis, os textos [dos contratos] também são maus, e os resultados imprevisíveis”, disse.

Este investigador de matemática do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) está a estudar a legislação sobre parcerias público-privadas rodoviárias e concessões das ex-Scut (vias sem custos para o utilizador), especialmente os contratos publicados em Diário da República.

Analisou, nomeadamente, as fórmulas aplicadas para calcular rendas, multas e prémios, estas em função da sinistralidade de cada auto-estrada. “As fórmulas são tão estranhas que até pode haver multas negativas, algo que não sei muito bem como é possível de aplicar. É a mesma coisa que um polícia que nos apanha em excesso de velocidade ainda nos dar dinheiro por cima”, ironizou José Matos.

Estas são as primeiras conclusões de um estudo iniciado em Novembro, realizado em colaboração com a Associação Cívica para Transparência Internacional, e que serão apresentadas quinta-feira no ISEP, assumindo o investigador “surpresa” perante a qualidade das fórmulas utilizadas nestes contratos.

“Falta rigor e simplicidade, deixa muita arbitrariedade nestes processos, estamos a falar de milhões de euros. Os contratos são muitos, ainda temos de olhar para outros, mas as conclusões são fortes, até porque se estudarmos mais estas fórmulas, elas não vão ficar melhores”, acrescentou.

Sublinha que o caso mais “óbvio” reside nos pagamentos relativos aos índices de sinistralidade rodoviária, tendo em conta que os contratos estabelecem o pagamento de prémios às concessionárias, por parte do Estado, em função da baixa sinistralidade e multas de acordo com o número de acidentes ocorridos.

Contudo, o estudo do ISEP detectou que as fórmulas usadas nos cálculos desses índices de sinistralidade “inflacionam os prémios às concessionárias e deflacionam as multas a pagar”. Em algumas fórmulas, acrescentou, os prémios e multas a aplicar podem ter “zero casos” no denominador.

“Quando o denominador é zero [a dividir por zero], porque há registo de auto-estradas com índices de sinistralidade zero, o quociente [resultado da divisão] é infinito, ou seja não há possibilidade de pagar. Não faço ideia como é que é possível fazer contas com isso”, apontou.

A isto acrescenta que prémios e multas “não são calculadas na mesma escala”, contas cujo resultado é “prejudicial” para o Estado. “As multas são sempre pequenas e os prémios podem ser extraordinariamente grandes”, disse.

De acordo com José Matos, estes contratos, firmados entre o Estado e as concessionárias “incluem fórmulas que são artificialmente complexas e numericamente instáveis, das quais resultam valores imprevisíveis e não justificados, legalmente, no âmbito dos contratos”.

Paralelamente, aponta o caso dos contratos de prestação bancária indexado à Euribor, em que os bancos usam uma fórmula matemática de cálculo e arredondamento, fixada em legislação própria, algo que “não existe” nos contratos relativos às ex-Scut.

Criando “fórmulas correctas” para os cálculos das rendas e outros pagamentos, e estabelecendo uma legislação para estas mesmas fórmulas, “comuns a todos os contratos”, José Matos admite que haveria “um maior rigor” nesses pagamentos e “nenhuma das partes corria o risco de sair prejudicada”.

Admite ainda que, teoricamente, tendo em conta que os números sobre os pagamentos não foram disponibilizados, as concessionárias também podem estar a ser prejudicadas com a aplicação de “fórmulas muito más”.
 
 

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