Fisco deu isenções de IMI erradas e perdeu 30 milhões de euros

Serviços da AT fazem avaliação “casuística” e isentam alguns contribuintes que deviam pagar o imposto, diz a Inspecção-Geral de Finanças. Falhas acontecem porque não há controlo informático.

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A isenção de IMI para quem tem baixos rendimentos implica ter património abaixo de 50.306,4 euros Nuno Ferreira Santos

As autarquias perderam 30 milhões de euros de receita de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) em 2012 e 2013 por causa de isenções fiscais atribuídas de forma errada pelo fisco a contribuintes que alegadamente têm baixos rendimentos, concluiu a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) com base numa auditoria realizada à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

A lei prevê que os contribuintes de mais baixos rendimentos que vivem em casas de reduzido valor patrimonial estão isentos de IMI, mas nem sempre os serviços do fisco fazem um controlo rigoroso da situação tributária das pessoas que beneficiam desta isenção.

Só em 2012 foram dadas isenções de IMI relativamente a 724.756 prédios de reduzido valor patrimonial. Mas neste lote nem todos os contribuintes cumprem verdadeiramente os requisitos para estarem isentos do IMI. Foram dadas “isenções indevidas” e isso aconteceu “principalmente devido à falta de controlos” por parte da AT, diz a IGF, na mais recente síntese de auditorias publicada no site desta entidade de inspecção, que actua na alçada do Ministério das Finanças.

O código do IMI prevê que há isenção deste imposto relativamente à habitação própria e permanente de uma família quando o agregado familiar tem um rendimento bruto por ano até 11.570,47 euros (2,3 vezes o valor anual do Indexante dos Apoios Sociais, IAS) e se o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos for até 50.306,4 euros (dez vezes o valor anual do IAS).

Mas quando está a avaliar estes parâmetros para atribuir automaticamente a isenção do IMI, o fisco não tem em conta “os rendimentos não sujeitos a englobamento, nem o valor patrimonial, de cada herdeiro, em heranças indivisas”. Isto significa que a avaliação é feita com base em informação parcelar, embora o fisco tenha acesso a ela.

E quando os serviços estão a fazer uma nova avaliação para decidirem se a pessoa em causa continua a estar isenta do IMI, os serviços de Finanças fazem-no “de forma casuística devido à ausência de um sistema informatizado, à inexistência de controlos centrais dirigidos a identificar situações irregulares”, revela a IGF, fazendo um diagnóstico que é acompanhado pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha.

As falhas não se ficam por aqui. “Acresce o facto de os serviços de finanças não terem acesso a informação alternativa sobre eventuais situações irregulares dos sujeitos passivos beneficiários”. Se o diagnóstico não é abonatório para a AT porque há receita que o Estado perde em impostos por falhas da máquina fiscal, é a própria administração tributária quem reconhece o problema. “As anomalias identificadas pela IGF foram confirmadas pela AT em 84% dos casos analisados”, diz a entidade de inspecção.

As receitas perdidas, de 30 milhões, correspondeu a 1,2% do valor arrecadado em IMI pelos cofres públicos no conjunto daqueles dois anos (1139 milhões em 2012 e 1336 milhões no ano seguinte).

Clarificar a lei

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre as conclusões da IGF e as falhas detectadas, mas não foi possível obter uma resposta em tempo útil. Fica por saber, por exemplo, se os impostos em falta foram regularizadas entretanto (como recomenda a IGF) e se já foram tomadas medidas dentro da AT para evitar novos casos como estes. Segundo o presidente do STI, a situação descrita pela IGF corresponde à situação actual. O relatório completo da auditoria não é conhecido, nem na síntese publicada é referida a data em que se realizou.

Além de recomendar que o fisco crie uma plataforma informática que permita aos serviços de finanças fazerem um controlo mais apertado, a IGF sugere que do ponto de vista legal também se aperte a malha.

Primeiro, vinca, é preciso “redefinir o conceito de rendimento bruto do agregado familiar, o qual deverá passar a incluir também os rendimentos financeiros não sujeitos a englobamento, conhecidos da AT através das declarações modelos 31 [rendimentos isentos, dispensados de retenção ou sujeitos a taxa reduzida] e 39 [taxas liberatórias]”. E depois é necessário clarificar na lei que o valor do património a considerar deve incluir “todos os prédios detidos pelos sujeitos passivos que integram o agregado familiar”, insiste.

Em relação às heranças, a IGF diz que é também preciso que “a quota-parte dos herdeiros em prédios detidos por heranças indivisas deverá ser tida em conta para efeitos de avaliação do património predial detido”.

No relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado entregue no Parlamento na última sexta-feira, o Governo faz uma estimativa da despesa fiscal do Estado (encargos com benefícios, isenções e incentivos fiscais) nos últimos anos, mas não especifica o valor associado ao IMI. Ao todo, a despesa fiscal do Estado em 2017 deverá ter um aumento residual de 0,6% face a este ano, ficando na ordem dos 8000 milhões de euros (face à previsão de 7991 milhões em 2016).

Ao quantificar a despesa fiscal, o Governo aproveitou para fazer o cálculo à diferença entre a receita obtida e o valor que hipoteticamente conseguiria se não aplicassem os benefícios fiscais previstos na lei. O valor da receita “perdida” não aparece, porém, identificado.

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