Dois directores-gerais do fisco com vencimentos do sector privado

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Manuela Ferreira Leite contratou um outro director-geral à banca e escusou-se a divulgar o seu vencimento Manuel de Almeida/Lusa

À semelhança do director-geral dos Impostos, o director-geral da Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA) foi contratado em regime de requisição e está a auferir o seu vencimento de origem no grupo Banco Espírito Santo (BES), confirmou ao PÚBLICO fonte oficial do Ministério das Finanças.

O montante do seu ordenado e regalias remuneratórias não foi entretanto divulgado, mas a sua contratação foi justificada pela necessidade o fisco ter quadros de qualidade à frente dos serviços tributários.

António Manuel Ramos Lopes, de 46 anos, foi contratado em 2003 para ocupar aquelas funções na DGITA. Na altura desempenhava funções de director ("senior manager") no departamento de sistema de informação no Banco Internacional de Crédito (grupo BES). O seu vencimento mantém-se desconhecido, tendo o PÚBLICO solicitado informação oficial ao Ministério das Finanças.

As contratações de dois dos três directores-gerais da administração fiscal em regime de requisição contraria, porém, as declarações da ministra de Estado e das Finanças, anteontem no Parlamento, de que iria poupar dinheiro com este tipo de contratações.

Na altura, e em resposta a questões da oposição sobre a legalidade (já que o director-geral dos Impostos ganha cinco vezes mais do que o Presidente da República), Manuela Ferreira Leite reagiu alegando que a oposição estava mais preocupada com os vencimentos dos contratados do que com a sua eficácia administrativa. E, quanto a custos, defendeu que poupara mesmo recursos públicos, com a extinção da estrutura de cúpula do fisco, a Administração Geral Tributária (AGT), que abrangia os três directores-gerais do fisco e outros administradores.

Essa extinção ocorreu poucos meses depois de entrar para o Governo, em Novembro de 2002. Ao contrário do que afirmou a ministra no parlamento, a reestruturação da Administração Pública gerou despedimentos. No caso da AGT, a sua extinção acarretou a caducidade do contrato individual de trabalho (e o despedimento) de diversos funcionários, tendo-se, inclusivamente, ressarcido a Segurança Social dos benefícios com a criação de postos de trabalho.

Segundo a ministra, a AGT absorvia um encargo mensal de 34 mil euros. Essa quantia, como sublinhou a ministra, será superior ao encargo agora suportado com o director-geral dos Impostos, cujo vencimento mensal é de 23.480 euros, como divulgou aos deputados o secretário de Estado do Orçamento. "Fiz, portanto, uma poupança e não um reforço" de verbas, garantiu a ministra das Finanças, sem especificar os encargos com os diversos directores-gerais e sem ter em conta que haveria um segundo director-geral em regime de requisição.

O facto de este ter optado pelo vencimento de origem prenuncia, porém, um encargo superior ao ordenado de um director-geral, que é de 6387,25 euros (3375,6 de vencimento, 1519,02 euros de remuneração por pertencer ao Conselho de Administração Fiscal, 742,63 euros vindos do Fundo de Estabilização Financeira e 750 euros de ajudas). Com base nesse valor, a remuneração do director-geral dos Impostos e a do director-geral das Alfândegas ultrapassarão os 34 mil euros.

Finanças garantem pagamento de salário do director-geral dos Impostos

Outra questão não inteiramente explicada pelo Ministério das Finanças é a suscitada na edição de ontem do "Jornal de Negócios". De acordo com a notícia, o grupo Millenium BCP continuaria a pagar parte do vencimento do actual director-geral dos Impostos.

De acordo com a base legal da contratação (o Decreto-Lei 719/74 e a lei 2/2004), os requisitados apenas poderão auferir as remunerações inerentes aos cargos e as entidades patronais de origem poderão suportar o remanescente. Essas determinações seriam condizentes com o facto de os diplomas autorizarem que o contratado continue a trabalhar, ainda que esporadicamente, para a sua entidade de origem, neste caso o grupo Millenium BCP.

O Ministério das Finanças nega categoricamente. Na sua versão, o grupo BCP adiantaria o montante do vencimento e seria mais tarde reembolsado das quantias adiantadas. Ao PÚBLICO, o porta-voz do Ministério das Finanças admitiu que, habitualmente, os trabalhadores requisitados são pagos directamente pelas entidades requisitantes, embora não especificasse qual a diferença neste caso.

Por outro lado, o Ministério das Finanças não explicou se o Estado pagaria directamente o vencimento de tabela do director-geral e que esse regime de reembolso apenas se faria pela diferença face à remuneração total, ou seja, de 17.092 euros. "O Orçamento de Estado paga a totalidade do encargo do vencimento do director-geral dos Impostos", afirmou-se.

Chefe de gabinete de Vasco Valdez trabalha na banca

O Ministério das Finanças tem sido objecto de críticas de promiscuidade com o sector bancário. Para evitar esse conflito de interesses, o director-geral dos Impostos foi declarado, a 18 de Maio passado, "impedido de decidir sobre quaisquer assuntos que sejam submetidos ao director-geral dos Impostos em que sejam interessados os sujeitos passivos Millenium BCP e demais empresas participadas".

Os assuntos passarão a ser tratados pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Vasco Valdez. Esse conflito de interesses não foi, porém, acautelado no caso do chefe de gabinete do secretário de Estado, João Catarino, que continua a desempenhar as funções de membro do conselho fiscal do Banco Itaú, um dos principais accionistas do Banco Português de Investimento (BPI).

O secretário de Estado não vê, porém, qualquer conflito de interesses. O porta-voz do Ministério das Finanças assegura não haver conflito entre "a natureza de um órgão não executivo, como é um conselho fiscal, a quem compete zelar pelo cumprimento das obrigações legais, em geral, e fiscais, em particular, da respectiva instituição, e as atribuições da administração fiscal, tutelada pela Secretaria de Estado, onde o chefe de gabinete nem sequer tem funções decisórias".

Mas, na verdade, ao chefe de gabinete compete não só a coordenação do gabinete e a ligação aos serviços, como lhe pode ser atribuída competência para a prática de actos ao abrigo da delegação de competências de poderes do membro do Governo.

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