Do défice ao excedente, mas com o desemprego a disparar

Défice externo mais baixo, mas desemprego mais alto. Terá a economia nos últimos três anos corrigido os seus desequilíbrios ou não fez mais do que mudar a composição dos seus problemas? A resposta a esta pergunta vai marcar o rumo do país nos próximos anos.

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Troika de saída, taxas de crescimento positivas de volta e as portas de acesso ao mercado abertas. Estarão os desequilíbrios da economia resolvidos e a economia pronta para iniciar uma nova era de crescimento ou, passado a emergência financeira, tudo ficou mais ou menos na mesma e o país continuará a atravessar um período de estagnação. Este é o principal tema em discussão actualmente sobre o estado actual da economia portuguesa e obter um consenso nesta matéria é tão difícil agora como era quando a troika chegou a Portugal.

Uma das principais dúvidas está no défice externo. Durante anos, antes da crise financeira, Portugal acumulou saldos negativos com o exterior. Entre 2000 e 2008, o défice foi em média de 8% do PIB. A troika identificou este indicador como um dos que era urgente corrigir e, realmente, entre 2011 e agora, passou-se de um défice próximo de 10% para um excedente com o exterior de cerca de 2%.

Olhando apenas para este número, a conclusão pode ser a de que o problema foi resolvido. O Governo tem repetido por diversas vezes que esta é a prova de que o programa de ajustamento funcionou, que a economia portuguesa reconquistou a sua competitividade e que o crescimento com base nas exportações é agora a nova realidade. Na semana passada, numa conferência em que participou, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, festejou o facto de “Portugal ter conseguido corrigir os desequilíbrios externos da economia sem poder usar a desvalorização cambial”. “Temos de rever os manuais de economia porque segundo estes isso seria impossível”, disse.

No entanto, são muitos os que lançam dúvidas sobre a sustentabilidade dos excedentes externos que agora se registam. O economista Vítor Bento, na mesma conferência onde esteve Carlos Costa, explicou o seu cepticismo em relação à possibilidade de Portugal ter os seus desequilíbrios corrigidos. “Não partilho da visão oficial do sucesso do reequilíbrio externo. Com o desemprego a 15% continuamos com uma economia muito desequilibrada. O equilíbrio externo foi feito à custa do equilíbrio interno. E quando fizermos o reequilíbrio interno será à custa do equilíbrio externo”, explicou o conselheiro de Estado.

Aquilo que Vítor Bento está a lembrar é que a correcção do saldo com o exterior ocorreu em larga medida por causa da queda a pique registada no consumo e no investimento, que fez recuar de forma inédita as importações. Para que a economia cresça ao ritmo necessário para que a taxa de desemprego (actualmente nos 15%) baixe para valores mais próximos dos anteriores à crise (média de 6% entre 2000 e 2008), deverá ainda ser necessário com a actual estrutura contar com o forte contributo da procura interna. E esta, como se sabe, faz crescer mais as importações, colocando em causa o equilíbrio da balança com o exterior.

Os dados fornecidos pela economia nos últimos trimestres parecem confirmar esta ideia. O regresso da economia portuguesa ao crescimento ocorreu em simultâneo com uma aceleração pronunciada do consumo e, por força principalmente do aumento das importações, com a redução do contributo positivo da procura externa líquida (exportações menos importações). De tal forma que, no primeiro trimestre deste ano, Portugal voltou a registar um défice com o exterior de 1,4% do PIB.

Foi perante estes sinais de que a economia portuguesa ainda não aprendeu a crescer de forma saudável que os próprios responsáveis da troika, especialmente o Fundo Monetário Internacional, defenderam nos relatórios das últimas avaliações ao programa português, que Portugal precisava de ir mais longe na reformas estruturais, se queria realmente recuperar a sua competitividade. O Fundo pede sobretudo mais flexibilidade nos mercados de trabalho e de produto.

Mais à esquerda, nos partidos de oposição ao Governo, o que se pede é um alívio da austeridade, que permita ao país investir, redefinir a sua política industrial e criar as condições para um crescimento sustentado.

Mas para que esse investimento surja e a austeridade alivie é preciso que se mude de estratégia no combate a outro desequilíbrio da economia portuguesa, o orçamental. E aqui, o Governo é o primeiro a dizer que ainda muito falta por fazer. A ministra das Finanças tem repetido por diversas vezes que “enquanto existirem défices públicos, a sua redução tem de ser uma prioridade”.

Se, em relação ao défice externo, a situação agora é mais favorável do que era antes da crise e, em relação ao desemprego, a situação é bastante pior, no que diz respeito às contas públicas, o défice orçamental encontra-se aproximadamente na média dos oito primeiros anos do século. Em comum nestes três desequilíbrios da economia portuguesa é que o próximo ano será decisivo para perceber se o país já encontrou o caminho para os corrigir de forma sustentável. 
 

   

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