Contribuintes com dívidas ao fisco podem concorrer à “factura da sorte”

Automóveis a sortear a partir de Abril serão “de gama elevada”, promete o Governo. Caso o vencedor tenha dívidas ao fisco, receberá a viatura independentemente do processo de execução fiscal.

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Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, atribui aumento de receitas a maior combate à evasão fiscal. Daniel Rocha

Os contribuintes com dívidas fiscais poderão concorrer em condições normais ao concurso organizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para sortear automóveis todas as semanas para quem pedir factura com número de identificação fiscal (NIF). Se, por exemplo, o vencedor tiver dívidas ao fisco, receberá o automóvel, independentemente do processo de execução fiscal, garantiu nesta quinta-feira o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, quando, em conferência de imprensa de apresentação do sorteio, foi questionado sobre estas situações.

O concurso, que o Governo quer lançar em Abril com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, vai sortear carros semanalmente e, “em princípio”, disse Paulo Núncio, serão atribuídas viaturas novas “de gama elevada”. No entanto, a marca dos carros ainda não está escolhida, disse, garantindo que o processo será precedido “de um procedimento específico” que respeitará as normas de contratação pública.

Em relação aos casos de dívidas ao fisco, explicou que todos os cidadãos portugueses podem participar. Quando confrontado com um exemplo concreto — se um vencedor com dívidas receberia o automóvel ou se a viatura é imediatamente penhorada —, o governante esclareceu que estes são processos “completamente separados”. “Evidentemente que o contribuinte em causa receberá o seu prémio” e, depois, “o processo normal de dívidas fiscais prosseguirá os seus trâmites normais”.

A iniciativa dirige-se aos contribuintes que, em compras ou serviços prestados, peçam factura com número de contribuinte. A partir daí, o montante acumulado em facturas, contabilizado pelo fisco a partir dos registos comunicados pelos operadores do comércio e serviços, é convertido em cupões com um determinado valor. A cada um está associado um número. E é “em função dos valores globais” da soma das facturas que são atribuídos os cupões. Mesmo sendo estabelecido este valor, “uma factura, por menor que seja, terá sempre direito a um cupão”, confirmou o secretário de Estado.

O montante que corresponde a um cupão não foi divulgado, mas, como o PÚBLICO avançou, foram equacionados três cenários: dez, cinco ou dois euros. Por exemplo, e assumindo a primeira hipótese, se um consumidor acumular 31 euros, tem direito a quatro cupões (três dos dez euros e um pelo euro restante). Isto porque uma fracção do cupão, nestes casos, também é elegível para o concurso. “Quantas mais facturas forem emitidas a cada contribuinte”, mais cupões vão a concurso, frisou Paulo Núncio.

Ao consumidor cabe apenas pedir para o NIF ser inserido na factura, mas com “a opção de não participar no sorteio”, esclareceu ainda Paulo Núncio. O diploma agora aprovado em Conselho de Ministros permite que, por ano, possam ser realizados até 60 sorteios: até 52 concursos semanais e até oito extraordinários. O PÚBLICO sabe, tal como o Dário Económico já avançou, que para este ano a intenção é realizar dois concursos extraordinários, estando em cima da mesa os meses de Julho e Dezembro.

Este ano, o Governo espera que o número de facturas comunicadas ao fisco (seja com o NIF seja com a indicação de consumidor final) aumente 50% face a 2013, ano em que foram “emitidas e comunicadas” mais de 4000 milhões de facturas.

Quando confrontado com críticas feitas ao facto de o executivo querer premiar a cidadania fiscal — caso do bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, Domingues de Azevedo —, Paulo Núncio remeteu para a necessidade de combater a economia paralela. Este é um problema que “não é um fenómeno só de países subdesenvolvidos”, afirmou.

O Brasil, onde o Estado de São Paulo tem um concurso com facturas e prémios em dinheiro, foi a principal referência na concepção do sorteio português. Mas há outros casos, sobretudo na América Latina, onde a experiência é comum. Segundo a informação cedida pela consultora PWC, houve programas semelhantes na Argentina e Colômbia, e também em Porto Rico há concursos regulares. Para além da América Latina, há ainda os casos da China, com raspadinhas e lotarias de facturas, e de Taiwan, onde esta é uma tradição enraizada, que começou há 63 anos. Na Europa, a Eslováquia iniciou sorteios em 2013.

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