Conselho das Finanças Públicas vê “riscos” nas projecções do Governo

O impacto das reformas do IRS, IRC, fiscalidade verde e do combate à fraude é incerto, avisa a instituição liderada por Teodora Cardoso.

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Teodora Cardoso preside ao Conselho das Finanças Públicas. Rui Gaudêncio

No Programa de Estabilidade que apresentou em Abril, o Governo vai mais ao detalhe do que noutros anos a identificar as medidas orçamentais, mas “a falta de especificação” das reformas condiciona as próprias projecções do executivo – e a avaliação que se pode fazer delas. O aviso é feito pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), na análise ao Programa de Estabilidade, onde alerta para alguns “riscos” às projecções orçamentais do Governo para o horizonte de 2015 a 2019.

Uma das dúvidas tem a ver com as previsões para as receitas dos impostos, olhando para o cenário projectado pelo executivo para este ano. “Para assegurar o nível de receita previsto no programa será determinante a melhoria da actividade económica e da eficiência fiscal, uma vez que o efeito das reformas implementadas em 2015 na receita fiscal é ainda um factor de incerteza”, vinca o CFP.

A instituição liderada pela economista Teodora Cardoso explica que cerca de 85% do aumento das receitas está alicerçado em aumentos de impostos indirectos e directos, bem como de contribuições sociais. Contudo, no documento, os impactos das reformas do IRS, do IRC e da Fiscalidade Verde não são objecto de detalhe nem a receita que se espera obter com a continuação dos esforços no combate à fraude e à evasão fiscais”. Tal como a Comissão Europeia, o Conselho das Finanças Públicas considera incerto o resultado destas medidas, embora admita que os “riscos poderão ser atenuados pela melhoria das perspectivas macroeconómicas” para este ano.

O CFP dá um exemplo de uma reforma sobre a qual o Ministério das Finanças não esclarece todo o seu impacto. O Conselho refere-se à “medida que prevê a introdução de um tecto máximo sobre as prestações sociais (poupança de 100 milhões de euros)”, que “não está especificada no relatório”, ficando por conhecer “quais as prestações sobre as quais poderá vir a incidir, o que não permite avaliar a sua exequibilidade operacional”.

Há uma outra proposta que o CFP diz condicionar as contas do executivo de Pedro Passos Coelho: a “introdução de uma medida para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social estimada em aproximadamente 600 milhões de euros” – uma intenção que a ministra das Finanças diz não ser um corte nas pensões, mas antes uma reforma, ainda a desenhar, para ter um “impacto positivo” na Segurança Social.

Para a instituição liderada por Teodora Cardoso, tendo em conta o chumbo do Tribunal Constitucional ao corte aplicado em 2014, a medida “terá que ser necessariamente diferente da apresentada” nesse ano. E não se sabendo qual é a medida que equivale aos 600 milhões referidos pelo executivo, “tal facto condiciona as projecções apresentadas no Programa de Estabilidade 2015, que, na ausência dessa medida, reflectiriam uma sobre orçamentação da receita e/ou subavaliação da despesa”.

“Orientação não restritiva”
De um modo global, diz o CFP, o programa desenhado até 2019 “prevê uma reversão progressiva de medidas transitórias aplicadas nos anos recentes, sendo o seu efeito mais do que compensado pela melhoria da conjuntura económica, por uma redução dos encargos com juros e pelo recurso a novas medidas, algumas das quais ainda em aberto quanto ao seu desenho”.

Especificamente para este ano, “as medidas de consolidação orçamental permanentes previstas deverão ter um impacto na receita de 504 milhões de euros (0,3% do PIB) e uma diminuição da despesa em 530 milhões de euros (0,3% do PIB)”.

Do lado da despesa, “o maior volume de poupanças decorre de medidas incidentes no consumo intermédio com um impacto de 507 milhões de euros, onde se destacam a redução de despesas com estudos, pareceres (179 milhões de euros) e outras medidas sectoriais (190 milhões de euros)”.

Já de 2016 em diante, em que há já uma “orientação não restritiva” na estratégia de correcção das contas públicas, com a redução da sobretaxa de IRS ao longo de quatro anos e da eliminação progressiva da redução dos salários na função pública até não haver corte em 2019, há uma redução de “aproximadamente 840 milhões de euros na despesa e um decréscimo da receita estimado em cerca de 1542 milhões reflectindo a reversão gradual de algumas medidas transitórias”.

Na despesa, a redução mais significativa diz respeito à “adopção de uma estratégia mais ambiciosa de reembolso antecipado dos empréstimos do FMI, a qual permitirá, em consonância com a estimativa do Ministério das Finanças, uma poupança na despesa com juros no valor de 730 milhões de euros”.

Também em relação às medidas que vão de 2016 a 2019 o Conselho das Finanças Públicas considera que “seria desejável um maior detalhe quanto à previsão” do impacto das medidas a implementar em cada um dos anos. “Esse detalhe seria relevante designadamente no que se refere ao impacto anual previsto do pagamento antecipado dos empréstimos ao FMI (730 milhões de euros), das medidas na rubrica de consumos intermédios (390 milhões de euros), da reversão gradual de outras medidas de carácter transitório (190 milhões de euros) e da substituição gradual do IMT nas transacções de imóveis por Imposto do Selo (230 milhões de euros)”.

Novo Banco com impacto na dívida
Em relação à dívida pública, a inversão da trajectória actual “está condicionada pelo nível de amortizações previsto para 2015 e anos seguintes”. Este ano, para além de querer reembolsar de forma antecipada parte dos empréstimos ao FMI, o Governo “prevê ainda a amortização dos empréstimos do Fundo de Resolução ao Estado e à banca com base nas receitas da alienação do Novo Banco, cujo valor não é ainda conhecido”.

Uma vez que só no momento da venda se saberá o impacto da operação, isso pode “determinar uma revisão do défice de 2014”. E, além disso, avisa o CFO, “uma venda deste activo por um valor inferior ao da injecção de capital público naquele banco pode dificultar a obtenção do rácio de 124,2% do PIB em 2015, comprometendo a trajectória da dívida apresentada”. Ao mesmo tempo, “outras operações incorporadas no ajustamento défice/dívida previsto, como a redução de depósitos, dependem da manutenção de condições favoráveis de financiamento no mercado”, o que, lembram os peritos do CFP, “não dependem exclusivamente da actuação do Ministério das Finanças”.

O CFP é a instituição que faz a análise a documentos oficiais do Governo em matérias orçamentais (como o programa de estabilidade, as contas nacionais e os orçamentos, por exemplo). Foi este um dos organismos a que o PSD se referiu quando desafiou o PS a submeter a análise de peritos independentes o seu programa macroeconómico (a outra instituição foi a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, um serviço da Assembleia da República que presta apoio aos deputados).

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