Catroga: Governo acreditou “numa visão mecanicista de saída da crise” que não vai acontecer

Para o mentor do programa de Governo do PSD, o problema da despesa deveria ter sido atacado logo desde o início e o PS tem de ser envolvido nesta discussão.

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O Governo terá acreditado numa visão mecanicista para a saída da crise, mas desta vez as coisas são diferentes e essa retoma automática não vai acontecer, garante o economista.

“Houve, talvez, o acreditar numa visão mecanicista de saída das crises, como é hábito, mas desta vez é diferente”, segundo o último ministro das Finanças de Cavaco Silva numa entrevista à Lusa.

Eduardo Catroga explica que, segundo esta visão, quando temos um problema de credibilidade nas contas públicas e nas contas externas e resolvemos esse problema, então, “há uma retoma da confiança e com essa retoma da confiança os motores do investimento privado nacional e estrangeiro começam a funcionar”.

Mas “desta vez é diferente”, assegura, já que “também existe um problema de confiança a nível internacional, com a crise do euro, e um problema de grande desconfiança a nível nacional”.

Para o economista, “isto significa que essa visão mecanicista de retoma da economia desta vez não vai acontecer”.

Catroga diz que vão ser precisas medidas a nível europeu e nacional para ultrapassar a actual situação.

A nível nacional, o economista salienta que Portugal precisa “de políticas de relançamento do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) potencial” e que o caminho a seguir não deve ser o das políticas de aumento da despesa pública.

“Não temos margem para políticas orçamentais expansionistas nem para aumentar os endividamentos”, lembra, sublinhando que o caminho a seguir é o de aplicar tanto quanto for possível “os recursos susceptíveis de serem obtidos da União Europeia”, reorientar “os incentivos que existem para o sector produtivo da economia e para a revitalização do tecido produtivo”.

Catroga lembra que há em Portugal empresas com sucesso que é preciso multiplicar, mas isso só se consegue com políticas orientadas para o tecido produtivo, para a oferta, “e não políticas viradas para o aumento da despesa pública ou viradas para o investimento público que poderiam trazer algum crescimento de curto prazo, mas não seria um crescimento sustentado”.

Para esse crescimento sustentado é preciso, segundo o economista, “em primeiro lugar, recuperar a credibilidade externa para garantir condições normais de financiamento à economia portuguesa”, e aí, prossegue Catroga, “o Governo avançou”.

Mas também é preciso “equacionar como é que diminuímos o custo do crédito para as empresas, como é que alocamos o crédito essencialmente ao setor dos bens e serviços transaccionáveis, e como incentivamos e criamos um ambiente favorável ao investimento”, lembra o economista.

E é aqui que surge com especial relevância a política fiscal no curto prazo, já que outras reformas, como a da Justiça ou do arrendamento, demoram mais tempo a produzir efeitos.

Apesar de Catroga considerar que o Governo avançou com algumas boas reformas, também diz que Portugal precisa “de resultados mais imediatos” para inverter “a queda brutal do investimento empresarial e para isso a arma fiscal é fundamental no curto prazo, seja isentar de IRC os lucros que são reinvestidos em projetos que aumentem a capacidade instalada, sejam incentivos fiscais que permitam atrair empresas estrangeiras ou aumentos da capacidade de empresas que já estão em Portugal”.

“Sem investimento empresarial não há crescimento e logo não há criação de emprego”, conclui Eduardo Catroga.

A nível europeu, Catroga lembra que a “Europa tem um problema de insuficiência de oferta, um problema de falta de produtividade e competitividade”, problemas que não se resolvem “com uma visão Keynesiana clássica”. Resolvem-se “com algum investimento público selectivo, mas exige sobretudo medidas para estimular a oferta”.

Para implementar esta nova visão, “Portugal devia ter um papel activo em termos de propostas concretas”, conclui o economista.

“O problema da despesa devia ter sido atacado logo no momento zero”
“O problema da despesa devia ter sido atacado logo no momento zero, nos primeiros três meses”, diz ainda Catroga.

Eduardo Catroga lembra que era evidente que, face à necessária redução do défice de um valor próximo de 11% ou 12% do Produto Interno Bruto (PIB) para um valor inferior a 3%, era inevitável um aumento de impostos. Mas o Governo, prossegue o economista, também deveria ter feito ver à troika que este tipo de ajustamento teria de ser feito, não em três anos, mas em cinco ou seis anos, no mínimo.

E mesmo neste cenário, o economista sublinha que o Governo deveria ter explicado que face ao esforço que era necessário fazer, teria de haver um período em que transitoriamente os impostos teriam de aumentar.

O Governo, face àquela “base de partida, tinha de aumentar os impostos transitoriamente, mas tinha, simultaneamente, de atacar o problema da despesa e não atacar o problema da despesa um ano e meio depois”, diz o antigo ministro.

Para Eduardo Catroga, o estudo pedido ao Fundo Monetário Internacional (FMI) no âmbito da reforma do Estado e do corte de 4000 milhões de euros de despesa pública poderia ter sido pedido “à Organização para a Cooperação e para o Desenvolvimento Económico (OCDE) ou a outra entidade qualquer para base de partida” e deveria “ter estado pronto ao fim de quatro, cinco, meia dúzia de meses do início da legislatura e ao fim de meia dúzia de meses devia ter havido um novo ritmo de diminuição de redução da despesa e um novo ritmo de aumento de impostos”.

Como isso não aconteceu, lamenta o antigo ministro, e “não havia ritmos definidos para a redução da despesa, foi-se para um aumento brutal de impostos sobre as famílias e sobre as empresas e esse aumento brutal de impostos foi uma política pró cíclica que veio agravar a recessão”.

Eduardo Catroga elogia o Governo pelas reformas estruturais que implementou, por ter devolvido a credibilidade ao país e por ter conseguido os seus objectivos em termos de ajustamento externo, mas aponta, juntamente com a questão da despesa pública, outra falha ao Executivo: não ter conseguido atenuar a queda do investimento privado.

“Não podemos esquecer que nas contas externas o governo alcançou os objectivos” e que este também era “um objectivo fundamental”, e não tínhamos “outra alternativa se não alcançar este objectivo porque era crítico para diminuirmos as necessidades de financiamento externo”, lembra Catroga.

Mas o antigo ministro lembra também que “onde este processo falhou foi não se terem tomado medidas para evitar uma queda tão pronunciada do investimento empresarial que caiu mais de 20%”.

Eduardo Catroga diz que seria possível amortecer esta queda “com programas sectoriais e programas de incentivo ao investimento produtivo”, mas, lamenta o economista, demorou-se mais de um ano a reorientar as verbas do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), só agora é que começa a estar sob o terreno essa orientação, só agora é que se está a estudar a reforma do IRC, só agora é que se começam a pensar em medidas de incentivo ao investimento”.

PS não pode ficar de fora da discussão sobre a despesa pública
Catroga defende que o PS não pode afastar-se da discussão sobre a despesa e que a troika devia exigir a cada revisão do memorando a assinatura do PSD, CDS-PP e PS para desembolsar cada tranche.

“O Partido Socialista (PS) disse logo que não, deram-lhe logo um primeiro pretexto e saiu. O PS não pode estar fora da discussão se a despesa pública está exagerada ou não. (…) O PS aproveitou a pouca habilidade do Governo em Setembro com a questão da Taxa Social Única para saltar do barco, o barco que ele afundou. Quem afundou o barco não pode dizer que não tem nada a ver com isto”.

O economista considera também que o CDS-PP tem tido um pé dentro e outro fora da coligação e diz que se fizesse parte do Governo, fazia com que a troika exigisse que a cada desembolso fosse necessária a aprovação de todos os que assinaram o acordo inicial.

"Se fosse Governo tinha desenvolvido com a troika uma estratégia em que a troika exigia que para o levantamento de novas tranches todos aqueles que assinaram [o memorando] no momento zero, tinham de assinar no momento 1 e no momento 2", assegura o antigo ministro das Finanças de Cavaco Silva.

Eduardo Catroga reconhece que o partido liderado por António José Seguro já está fora desta discussão, mas critica o partido por não apresentar uma linha estratégica alternativa, de não explicar como financiaria o crescimento que tem exigido e diz que vai ser preciso um “facto político novo” para que o PS volte a esta discussão.

“António José Seguro há um ano dizia que queria mais um ano. Mais um ano foi dado. Agora queria mais outro ano, mais outro ano foi dado. Portanto, o PS, no fundo, também não apresenta uma linha estratégica alternativa, fala em crescimento mas não diz como, nem como financiar esse crescimento. Esse crescimento, o financiamento desse crescimento, exige uma renegociação com os parceiros europeus e essa renegociação com os parceiros europeus só é viável num quadro de um Governo forte que tenha o apoio dos parceiros”, considera.

Para haver retoma da economia, para haver condições para recuperar a sustentabilidade das finanças públicas, os três partidos do arco do poder teriam de acordar sobre um conjunto de pontos fundamentais e o momento para isso acontecer perdeu-se, diz o economista, considerando que para recuperar o PS para esta discussão, diz o ex-governante, “vai ser preciso um facto político novo” que não adianta.

O momento ideal tinha sido ao final de um ano, quando o Governo deveria ter renegociado o programa, ou quando emitiu dívida pública a cinco anos, altura em que devia ter começado a apresentar uma estratégia de médio/longo prazo e apresentar propostas que até poderiam ultrapassar a actual legislatura.

Ainda assim, Eduardo Catroga diz não ter dúvidas de que para a refundação ou aperfeiçoamento do memorando, como lhe chama, é necessário o apoio dos três partidos que assinaram o memorando inicial e diz que se estivesse no Governo, ele poderia mesmo propor ao PS que integrasse o Governo, já que o programa que está a ser executado, a seu ver, é o programa negociado pelo PS.

“Se estivesse no Governo até convidada o Partido Socialista para, ou apoiava [o Governo] no Parlamento, ou até podia ir para o Governo, na medida em que estava a ser executado o programa do Partido Socialista, porque foi ele que negociou com a troika”, diz.

Sobre a redução da despesa, Eduardo Catroga diz que é uma questão aritmética e que o valor em si até deverá ser muito superior aos 4 mil milhões de euros que se têm falado, e que o que se pode discutir é o ritmo desse ajustamento.

Catroga defendue ainda que o Governo deveria ter renegociado o programa de ajustamento com a troika no final do primeiro ano considerando que as bases em que assenta o memorando estão incorrectas.

O antigo ministro de Cavaco Silva defende que esta negociação devia ter sido feita ao fim de 9/12 meses, que o Governo devia ter defendido inicialmente junto da troika que os pressupostos do programa estavam errados para ter capital de queixa e diz ainda que faltou habilidade ao Governo para gerir este processo.

“O momento ideal tinha de ter sido a reavaliação dos pontos fracos e fortes do memorando ao fim de um ano, dando origem a um reajustamento/aperfeiçoamento desse memorando negociado com forças políticas junto da troika e não apenas uma negociação técnica. Esse era o momento em que todos estavam no mesmo barco, ainda antes da questão da Taxa Social Única (TSU)”, afirma.

Eduardo Catroga diz que aconselhou o Governo por altura das negociações do acordo inicial - quando actuou como representante do PSD – que devia ter contestado as bases do acordo, e que quando entrou para o Governo devia tê-lo feito por escrito para que mais tarde pudesse ter capital de queixa e capacidade negocial.

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