Benefícios para Portugal do programa de compra de dívida do BCE são "evidentes"

Analistas dizem que, apesar das limitações, programa tem sido importante para os países periféricos.

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Harmonização tentada pelo BCE não surtiu efeitos MARTIN OESER/AFP

Um ano após o arranque do programa de compra de dívida pública da zona euro, os analistas ouvidos pela agência Lusa reconhecem-lhe algumas limitações, mas referem que os benefícios trazidos a países periféricos como Portugal são "evidentes".

De acordo com a analista financeira do Banco BPI Teresa Gil Pinheiro, em termos gerais, os objectivos do programa "têm vindo a ser atingidos", com a inversão da "tendência da queda acentuada das 'yields' [rendimento] dos 'benchmarks' [referências] europeus" e a desvalorização do euro face ao dólar, o  a competitividade da economia da região.

"Estes dois factores terão contribuído para a redução do risco de deflação num ambiente de forte queda do preço do petróleo e fragilidade da procura", referiu, acrescentando que a percepção de que as taxas de juro se manteriam reduzidas por um longo período de tempo terá favorecido a retoma do crédito, que apresenta taxas de crescimento homólogas positivas desde meados de 2015.

A somar a este sentimento esteve o anúncio, no final de 2015, de que o BCE prevê o reinvestimento em dívida pública dos títulos vencidos após o termo do programa.

"Em contraposição a isto, há o risco de que, num ambiente de baixas taxas de juro, os investidores, na busca de rentabilidade, avaliem de forma mais incorrecta a tomada de risco, aumentando o risco de perdas evidente no aumento dos indicadores de default, sobretudo no caso de dívida especulativa", avisa.

A 9 de Março de 2015, o BCE arrancou com um programa sem precedentes de compra de dívidas soberanas, que prometia injectar centenas de milhares de milhões de euros na economia da zona euro na esperança de a redinamizar.

O objectivo desta operação, denominada 'Quantitative Easing' (QE), era o de criar um círculo virtuoso para a economia: sob o efeito de uma forte procura, as taxas de juro das obrigações desceriam, empurrando os bancos a aplicar o dinheiro noutros sítios, designadamente a emprestar às empresas e aos consumidores. No final da cadeia, o programa deverá relançar a actividade económica e fazer subir os preços quando existe a ameaça da deflação.

As compras acumuladas do BCE nos primeiros 11 meses em que o programa de compra de divida pública se encontra em vigor ascendem a 547,9 mil milhões de euros.

Em termos médios mensais, as compras de dívida pública dos países do euro situam-se em cerca de 50 mil milhões de euros, ou seja, acima do nível estimado (cerca de 43 mil milhões de euros/mês).

Relativamente a Portugal, as compras acumuladas ascendiam no final de Janeiro de 2016 a 12,4 mil milhões de euros e a vida média dos títulos comprados pelo BCE é de 10,22 anos, a maturidade mais longa no conjunto dos países que participam no programa.

No caso de Portugal, segundo Teresa Gil Pinheiro, os benefícios do programa "são evidentes na evolução do custo de financiamento do Estado".

"Com efeito, o prémio de risco médio anual da dívida pública a dez anos face ao título alemão com o mesmo prazo, passou de 250 pontos base em 2014 para 188 pontos base em 2015 e, ainda que em 2016, tenha registado uma deterioração significativa, esta terá sido limitada pela existência do programa", indicou.

Adicionalmente, acrescentou, "Portugal terá beneficiado também da perda de valor do euro, através de ganhos de competitividade do sector exportador e limitando a queda dos preços dos bens importados, com efeitos positivos no comportamento da inflação e no comportamento do PIB nominal".

Para o gestor da XTB Eduardo Silva, ao fim de um ano de programa, as opiniões dividem-se quanto ao seu sucesso.

"O estímulo não teve o impacto desejado, é necessário, mas não é suficiente", disse à Lusa.

De acordo com Eduardo Silva, o QE serviu para desvalorizar a moeda e fomentar as exportações, "mas o efeito cambial tem-se vindo a perder dada a convergência de políticas monetárias entre os principais bancos centrais, excluindo os EUA".

"A crise petrolífera impediu a recuperação da inflação, mas o sentimento é de que desacelerou as pressões sobre a inflação", acrescentou.

O sector bancário está mais forte, segundo o gestor, principalmente no que diz respeito às folhas de balanço, mas a forte regulamentação que recai sobre o sector está a pressioná-lo.

"Imparidades no sistema bancário, falta de investimento empresarial (caiu 20% desde o início da crise) mesmo com juros baixos, mercados de capitais ineficientes, continuam a ser apontados como factores de preocupação apesar da recuperação que se tem registado nos últimos meses", referiu.

Para Eduardo Silva, "apesar de o programa não ter servido de catalisador da economia, juntamente com reformas estruturais implementadas pelos governos, está a permitir recuperar a confiança dos investidores, principalmente em economias como a portuguesa, que tem aproveitado a queda dos custos de financiamento para fazer 'rollover' [extensão de um contrato financeiro, para lá da data de vencimento inicialmente fixada] da dívida".

Para o gestor de ativos do Banco Carregosa, Rui Bárbara, o QE "é uma experiência recente e ninguém sabe ainda muito bem que efeitos poderá ter a longo prazo".

"Um efeito que sabemos que tem que é o da gestão das expectativas", sublinhou à agência Lusa.

"O programa conseguiu baixar o câmbio do euro face ao dólar, o que veio induzir um aumento das exportações europeias e, por via disso, algum crescimento económico que, mesmo sendo baixo, teria sido mais baixo ainda, sem essa circunstância", referiu.

Para Rui Bárbara, o QE também tem ajudado a manter algum controlo sobre a dívida soberana, sobretudo de países periféricos, como Portugal.

Em relação à banca, "houve efeitos contrapostos", mas de uma forma geral o sector beneficiou do programa, disse.

"Se, por um lado, ajudou a reduzir o aumento do crédito malparado e a baixar os custos de financiamento da banca, por outro também tornou o crédito concedido pela banca mais baixo, o que veio comprimir os resultados", explicou.

"É muito difícil saber o que teria sido sem esse programa. Tudo o mais constante, o euro não teria descido tanto e o crescimento, ainda que baixo, teria sido menor, porque as exportações também seriam em menor quantidade", acrescentou.

Para Rui Bárbara, "vai ser uma decepção" se o BCE não anunciar novas medidas de curto prazo, sobretudo, medidas dirigidas à banca, "que passa de novo por grande turbulência".

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