Banco de Portugal admite ressarcir accionistas do BES com venda do Novo Banco

BES recusou-se a fornecer lista de accionistas à data de criação do Novo Banco.

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Avisos do Bnaco de Portugal sobre intermediação ilegal são recorrentes. Foto: Pedro Cunha / PÚBLICO

O Banco de Portugal (BdP) admite o ressarcimento parcial dos accionistas do Banco Espírito Santo (BES) com o encaixe financeiro da venda do Novo Banco (NB), caso o negócio exceda os encargos da resolução e da liquidação de créditos.

A possibilidade está descrita na contestação do regulador a uma acção administrativa especial interposta em Novembro de 2014, por 120 pequenos accionistas, no Tribunal Administrativo de Lisboa, a exigir a anulação da medida de resolução, a que a Lusa teve acesso.

"Mas, se, porventura, o processo de revalorização e alienação do Novo Banco vier a correr de maneira a proporcionar um retorno que exceda os encargos da [medida de] resolução e da liquidação de créditos, pode até dar-se o caso de os accionistas do BES virem a receber algum saldo remanescente", refere o BdP.

O Estado português emprestou 4,9 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução, dotando-o de meios financeiros para avançar com a medida de resolução e assim constituir o NB.

Na contestação, o BdP refuta a tese de que tenha "tomado de assalto o BES, confiscando as acções ou destruído, por via administrativa, o seu valor económico", e nega que a medida de resolução tenha sido uma "vigarice" ou um "expediente fraudulento".

Na contestação, assinada por três advogados do escritório Vieira de Almeida e Associados, a instituição liderada por Carlos Costa sustenta que a medida de resolução não afecta o direito de propriedade dos accionistas do BES.

"Desde logo, porque não implica a privação ou expropriação das acções, muito menos um seu confisco ou esbulho, continuando os respectivos accionistas do BES, [como os autores da acção], a serem titulares das mesmas e dos direitos e faculdades a elas inerentes", diz o BdP.

O regulador alerta ainda que as acções constituem "um activo volátil, de valor variável a cada momento, em função de múltiplas circunstâncias (...), traduzindo-se a aquisição de acções, sempre, para o bem e para o mal, num investimento de alto risco".

O BdP contesta também que não tivesse competência para transferir activos e passivos do BES para o NB e rejeita que a medida de resolução seja ilegal ou que viole o direito da União Europeia e o direito Constitucional português.

A acção administrativa especial em nome de 120 investidores foi intentada pela sociedade de advogados Miguel Reis e Associados.

Na contestação a uma acção popular interposta por cerca de meio milhar de pequenos accionistas, no mesmo tribunal, contra a medida de resolução e a "transferência para o Novo Banco dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES, sem atribuir qualquer contrapartida", o BdP apresenta praticamente nos mesmos argumentos.

O regulador sublinha que, ao contrário do que defendem os subscritores desta acção judicial, representados pela sociedade de advogados Pereira de Almeida e associados, a medida de resolução não foi a causa da diminuição do valor económico das suas acções. "Basta atentar na evolução negativa do valor das acções do BES na Bolsa de Lisboa entre os 0,972 euros que cada uma valia em 27 de Junho de 2014 e os 0,12 a que negociavam no momento da suspensão da sua negociação pela CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários], em 01 de agosto, o que significa ter-se degradado o respectivo valor no curto espaço de 45 dias em cerca de 88%", sustenta o BdP.

O regulador reitera que a medida de resolução foi determinada face à "situação gravíssima e irreversível em que, no dia 03 de agosto de 2014, se encontrava o Banco Espírito Santo", resultante, segundo o BdP, de "várias operações ruinosas" levadas a cabo pela administração do BES e que foram a razão directa da sua descapitalização.

Na contestação à mesma acção, o BES recusou fornecer a lista de accionistas que integravam o seu capital social a 03 de Agosto de 2014, data da aplicação da medida de resolução que levou à criação do Novo Banco.  O recusou-se ainda a identificar "um conjunto de clientes, senhorios e trabalhadores", que são apontados como possíveis contra-interessados.

"O BES não tem obrigação processual de proceder a essa identificação e, de mais a mais, não está em condições de o fazer. O mesmo se diga em relação ao pedido [dos autores] para juntar aos autos documento comprovativo da lista de accionistas que integravam o capital social [do BES] a 03 de Agosto de 2014, de modo a asseverar a legitimidade activa dos requerentes", sustenta o banco, acrescentando que compete aos próprios accionistas provar que são os titulares das acções, e não ao BES.

O BES realça que a sua posição actual "não é a de opositor" do BdP, apesar de este ser o responsável pela aplicação da medida de resolução que o dividiu em dois. Ao adoptar esta posição, o BES sublinha que isso " não implica a assunção" de que seja um "instrumento ao serviço do BdP".

A este propósito diz compreender "as consequências nefastas" que uma eventual destruição de todo o processo que conduziu à aplicação da medida de resolução teria no contexto global do sistema financeiro nacional.

O Novo Banco, também visado nesta acção administrativa especial e numa outra acção popular intentada por cerca de meio milhar de accionistas do BES, refuta igualmente a ilegalidade da deliberação do BdP de 03 de Agosto de 2014, que separou o BES em banco bom e banco mau.

O NB considera ainda que a medida de resolução não configura uma "situação de confisco", como alegam os autores das duas acções judiciais.

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