Abater a dívida é indesejável, diz o FMI a países como a Alemanha

O conselho do fundo é apenas para países com espaço de manobra orçamental, o que não inclui Portugal.

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FMI, liderado por Christine Lagarde, entende que Portugal apresenta um “risco significativo" AFP PHOTO / MARTIN BUREAU

Aproveitar a actual conjuntura para começar a pagar a dívida acumulada durante a crise e fazê-la cair mais depressa não é desejável, defende o Fundo Monetário Internacional (FMI), numa recomendação que se destina aos países com espaço de manobra orçamental – o que não inclui Portugal.

Em consonância com os conselhos que tem vindo a dar nos últimos meses, nos seus relatórios regulares, o FMI publicou nesta terça-feira um estudo – assinado por três economistas da instituição e aprovado pelo economista-chefe Olivier Blanchard – em que analisa qual deve ser a estratégia de gestão da dívida pública a seguir nos próximos anos. Um pouco por todo o mundo, a crise financeira internacional conduziu os Estados a acumularem dívida e, agora que as economias voltaram a crescer, está lançado o debate sobre o que fazer.

O FMI começa primeiro por distinguir as diferentes circunstâncias em que se encontram os países em questão. “Enquanto alguns países enfrentam constrangimentos de sustentabilidade da dívida que lhes deixam poucas possibilidades de escolha, outros estão na posição mais confortável de serem capazes de se financiar a eles próprios a taxas de juro razoáveis – e mesmo excepcionalmente baixas”, afirma.

Na prática, o fundo distingue entre os países que têm um espaço de manobra orçamental confortável e os que não o têm. Fazê-lo não é fácil, reconhece, e “não pode ser feito através de uma regra mecânica ou do estabelecimento de um limite”. Por isso, procura calcular através de uma série de indicadores – como a capacidade de um país para obter financiamento de mercado – qual o nível de dívida a partir do qual se entra numa situação de elevado nível de incumprimento que exige uma acção radical dos governos.

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Tendo em conta a dívida que têm agora, a maior parte dos países está numa situação confortável, incluindo países da zona euro como a Alemanha, Holanda, Finlândia e Áustria. Outros países encontram-se numa situação que exige “cautela”, como a França, Espanha e Irlanda.

Portugal encontra-se mais abaixo, num nível de dívida que é considerado de “risco significativo”. Ainda pior, já sem qualquer tipo de margem de manobra e em situação de “risco grave”, estão o Japão, a Itália, Chipre e a Grécia.

Neste relatório, o fundo não se dedica aos países em que a dívida atinge já níveis arriscados, como Portugal. Concentra-se é naqueles em que a dívida, embora elevada, ainda oferece um espaço de manobra que lhes dá duas opções. “Para estes países, coloca-se a questão de ou viver com uma dívida alta, permitindo que o rácio de dívida diminua organicamente através do crescimento, ou pagar deliberadamente para reduzir o encargo da dívida”, explica o relatório.

O conselho do FMI é claramente que os países sigam a primeira opção. “Se o espaço orçamental continuar amplo, as políticas para deliberadamente reduzir a dívida são indesejáveis normativamente”, afirma o relatório. A principal explicação é que “o custo de distorção de políticas para abater deliberadamente a dívida deverá provavelmente exceder o benefício de prevenção de crises que resulta de uma dívida mais baixa”.

Assim, mais vale aproveitar agora a melhoria de conjuntura para contribuir para uma retoma mais forte da economia e fazer com que o rácio da dívida se vá reduzindo progressivamente graças precisamente ao crescimento económico.

Esta recomendação aplica-se na zona euro especialmente à Alemanha, onde o Governo está decidido a registar um défice nulo que lhe permite amortizar rapidamente a sua dívida pública. Por diversas vezes, de forma implícita ou explícita, os responsáveis do FMI têm aconselhado Berlim a aproveitar o seu espaço de manobra orçamental para lançar mais estímulos à economia, por exemplo, através do investimento público.

Para Portugal e outros países da zona euro em que se considera não existir espaço de manobra orçamental, parece não restar outra opção, segundo o FMI, do que esperar pelos benefícios de uma eventual política menos cautelosa de países como a Alemanha.

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