"A ligação às empresas é um activo importante" da Porto Business School

A concorrência na formação de executivos é cada vez maior. O novo director da Porto Business School vê a internacionalização como prioridade, e as empresas associadas e a Universidade do Porto como aliados nessa batalha.

Foto
Ramon O'Callaghan, 61 anos, passou por escolas na Holanda, Espanha, EUA e Ásia, antes de chegar ao Porto em Maio Paulo Pimenta

Ramon O'Callaghan nasceu e cresceu em Barcelona, o apelido é de origem irlandesa e casou-se com uma holandesa. Enquanto aluno estudou em Espanha e doutorou-se nos Estados Unidos (Harvard) e, enquanto profissional, já dirigiu escolas de negócios em Espanha, na Holanda (onde tem a família) e na Ásia, em concreto no Cazaquistão, onde ajudou a criar uma escola nova de raiz. Em Maio, aterrou no Porto, aos 61 anos, para liderar a Porto Business School (PBS).

Não tem sido a aventura de “A volta ao Mundo em 80 dias”, de Júlio Verne, que escolheu um dia como uma das suas obras favoritas, mas é com um olhar virado para o globo que o novo “dean” da PBS apresentou, na semana passada – e viu aprovada –, a sua proposta de plano estratégico. Na sala de reuniões do terceiro piso do edifício de 15 milhões de euros que a PBS inaugurou há ano e meio, O’Callaghan descreve ao PÚBLICO as apostas: embora queira atrair o talento nacional, também quer combater o risco de a PBS ser vista como uma escola regional.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) disse, em Março, que Portugal deveria “rever a eficácia e amplitude dos programas para promover as competências de gestão em Portugal”. Essa declaração, que consta num relatório sobre o estado do país, após a saída da troika, foi entendida como uma crítica à falta de qualidade dos gestores portugueses. É esta a ideia que tem dos gestores portugueses?
Portugal tem empresas muito boas e que são muito bem geridas. Poderia dar-lhe diversos exemplos, sobretudo na área do Porto e Norte de Portugal, onde há grandes empresas que começaram por ser pequenas empresas familiares e hoje são líderes nos respectivos sectores, no mercado nacional, europeu e algumas até em termos mundiais.

E que características tem um bom gestor?
Temos de pensar nos factores que parecem estar sempre presentes neste século XXI. Um deles é a permanente incerteza, e as aptidões têm de se ajustar a um ambiente de mudança permanente. A liderança do tipo “comandar e controlar” talvez funcione melhor em ambientes mais estáveis como naquelas indústrias em que é preciso controlar muitas linhas de produção e em que o factor-chave é a eficiência. Mas nos ambientes de maior incerteza, trata-se de adaptabilidade e não de eficiência. Aí é preciso tentar prever e preparar para o que é quase imprevisível, ter a agilidade para enfrentar o inesperado. O espírito empreendedor é fundamental, não ficar pelas oportunidades actuais e identificar as capacidades de que vamos precisar no futuro. Para países com mercados pequenos, como Holanda ou Portugal, é obrigatório saber pensar global, ser capaz de gerir diferenças culturais, ter uma atitude aberta, ser menos arrogante. E, no fim, obter resultados.

O FMI talvez não esteja a pensar nos gestores das grandes empresas quando pede mais qualidade na gestão…
Sim, talvez essas constituam o topo da pirâmide. Muitas empresas de média dimensão estão a tentar internacionalizar-se, porque o mercado português tem uma dimensão limitada. Talvez algumas necessitem de melhorar a qualidade da gestão até porque querem abraçar desafios maiores. Para uma escola de negócios como a PBS, isso é uma oportunidade.

Isso está na estratégia que propôs ao Conselho Geral da escola?
Sim. As escolas parecem todas ir atrás das grandes empresas, do tal topo da pirâmide, mas talvez haja mais oportunidades no segmento das empresas de pequena e média dimensão.

Que importância dá a esse segmento?
É exactamente uma das prioridades. O plano define linhas gerais e apresenta iniciativas concretas para alcançar os objectivos. Queremos trabalhar mais com este mercado de empresas que ainda não fazem parte do topo da pirâmide e que estão em Lisboa e no Porto, mas não nos podemos limitar a essas cidades. Temos de ir a outras, como Coimbra e Braga, que integram o que eu chamaria o nosso mercado natural.

Parece fácil de dizer. Como é que se faz isso?
Aí entramos noutros temas importantes do nosso plano. Proporcionamos formação especificamente orientada para as empresas e outra que é aberta a toda a gente. Em relação à formação específica, temos de identificar as pequenas e médias empresas (PME) e visitá-las, tal como fazemos com as grandes. O que significa que teremos de aumentar aquilo que numa empresa normal se chamaria a equipa comercial. Por outro lado, outras empresas hão-de vir ter connosco. Mas para isso teremos de ter maior visibilidade. Sabemos que temos de ser melhores a comunicar quem somos, o que fazemos e que valores defendemos, o que nos diferencia de outras escolas de negócios, o que significa que o nosso marketing, em geral, tem de melhorar, e essa é outra das nossas linhas prioritárias.

A PBS tem problemas de visibilidade?
Quando visitei empresas em Lisboa, algumas disseram-me “estamos dispostas a trabalhar convosco, mas o problema é que nós não sabemos em que é que vocês são bons”.

E em que é que a PBS é boa? Qual é a sua proposta de valor?
Uma coisa é a proposta de valor, outra é aquilo por que queremos ser reconhecidos. Nós dizemos que “mudamos vidas” [“To change lives”, slogan da escola] e o que queremos dizer com isso é que fornecemos ferramentas e abrimos caminho para o desenvolvimento pessoal e de carreira. E fazemos isso com pessoas e também com organizações.

Mas é preciso haver evidências de que o que fazem dá resultado…
Quarenta por cento do nosso trabalho são programas especificamente desenvolvidos para empresas. Portanto, o nosso negócio é o de ajudar empresas a transformarem-se e temos metodologias específicas para medir o impacto daquilo que fazemos – o ROE, Return on Education [retorno da educação]. Uma das coisas em que a qualidade da PBS é reconhecida é o chamado follow up, que é o nosso compromisso de continuar a acompanhar e seguir os nossos clientes. Preocupamo-nos em saber como estão, se estão a usar as ferramentas e competências que adquiriram enquanto estavam num dos nossos programas.

Não é possível ser bom em tudo. A PBS quer ser conhecida por ser boa em quê?
O que lhe disse faz parte da nossa proposta de valor e daquilo que nos diferencia de outras escolas. A questão que coloca pode ser traduzida assim: quais são as áreas ou temas em que vamos ser conhecidos por sermos dos melhores? Será a Logística? Finanças? Ou é algo sectorial, por exemplo, algo único que sabemos fazer e que interessa muito a uma determinada indústria, como por exemplo o sector têxtil? Claramente, somos bons nos programas para empresas e no follow up dos nossos alunos.

Voltamos à importância do meio empresarial e da qualidade da gestão, mas também da marca PBS e da forma como ela é vista…
Há temas, no Norte, por exemplo, muito relevantes, como o empreendedorismo e os negócios familiares. A maneira de nos distinguirmos sem perder de vista as necessidades dessas empresas pode ser a criação de um centro de excelência para negócios familiares. Seria algo único em Portugal e que iria no sentido do que considero importante que é reforçar a marca PBS e definir um posicionamento no mercado que a torne relevante e reconhecida.

Parece que falta à PBS o mesmo de que precisam muitas empresas…
Correcto. Qual é a nossa história? Qual é o nosso elevator pitch [abordagem de venda em menos de um minuto]? São questões relevantes e temos muito trabalho de casa para fazer.

Uma formação mais personalizada responde melhor às necessidades de pequenas e médias empresas. Mas torna o programa mais caro. Não é um risco?
Chamar-lhe-ia um desafio. Para mim é claro que precisamos de uma estratégia que permita ajudar as grandes empresas, que nos garantem volume, mas também as pequenas e médias empresas. É possível preparar programas numa lógica de módulos, como se fossem blocos de Legos, com alguns estandardizados e outros mais específicos. Temos de ser criativos.

A PBS tem dois programas de MBA (Master in Business Administration). Em termos gerais, estes programas estão a “perder a magia”, como dizia um artigo no Financial Times, recentemente? E nos cursos da PBS, há alguma mudança fundamental a acontecer?
O MBA tem sido visto como o bilhete de entrada para a gestão, tal como o curso de Medicina de que se precisa para se ser médico, mas tem havido muito debate sobre se um MBA é mesmo preciso. A Europa continental começou a importar o conceito e os programas praticados nos EUA e no Reino Unido. Há algumas décadas, um MBA era algo único e com valor porque dava às pessoas uma formação que a maioria não tinha. Mas hoje o diploma diz que as pessoas têm o básico e o valor profissional vem da experiência de cada um, não necessariamente adquirida no curso. Nesse sentido, para as escolas hoje em dia é mais difícil captar o interesse das empresas em financiar um MBA a trabalhadores. Há mais cursos e deixaram de ser exclusivos.

Compensa fazer um MBA?
Para os candidatos, especialmente se estão a fazer um MBA a tempo inteiro, a compensação é menos nítida em especial no momento de iniciar o curso. Em Portugal não, mas basta olhar para o custo astronómico de um MBA de dois anos nos EUA, por exemplo. Facilmente se chega aos 150 mil dólares (136 mil euros), nalgumas escolas de topo. E depois não é garantido que haja no mercado um emprego e um salário elevado à espera do candidato, como havia antigamente. Esta tendência alimenta um debate que já vem de longe, mas não podemos esquecer que este é só um dos lados da equação. No outro lado temos aquilo que se aprende efectivamente e que é valorizado pelo mercado de trabalho.

O quê, por exemplo?
Tenho visto resultados de inquéritos recentes que sugerem que no topo da lista do que as empresas esperam de um candidato com MBA estão as chamadas soft skills. Todas as escolas perceberam que o mercado não quer apenas os fundamentos das Finanças, da Contabilidade, Gestão da Produção e Estratégia e que quer gestores que sabem como comunicar, como ouvir, como exercer a liderança, como negociar.

De que modo é que a PBS integra essa preocupação nos seus programas?
Integrámos matérias específicas nos currículos e não só, mesmo actividades extra-curriculares que promovem essas competências, que ensinam e ajudam um candidato a treinar essas questões tão importantes como saber trabalhar em equipa, ser flexível. Quem quer ser um especialista, pode contar com as nossas pós-graduações, que dão uma forte preparação em diferentes áreas de negócios. Um MBA é para quem quer juntar todos os elementos, conseguir ter uma visão global. Têm de saber os fundamentos de todas aquelas áreas importantes para quem quer estar no mundo dos negócios, mas sem perder o foco ou perder-se nos pequenos detalhes.

O perfil dos candidatos a fazer um MBA também está a mudar…
A crise financeira de 2008 é uma das razões mais fortes para essa mudança que se está a verificar sobretudo nos programas de MBA Executivo [programa em part time para quem está a trabalhar ao mesmo tempo]. Normalmente, os nossos alunos do MBA Executivo eram enviados pelas empresas em que trabalhavam. Era uma forma de acrescentar valor ao trabalhador e à empresa. Mas com a crise as empresas começaram a cortar a torto e a direito e o orçamento para educação e formação foi um dos que foram cortados. Só que este cenário, que parecia ser justificado com a crise, já não é temporário e parece ter-se tornado definitivo.

Consegue quantificar quantos são hoje enviados por empresas?
No passado, em termos gerais, e não estou a falar especificamente do MBA Executivo da PBS, 80% dos candidatos eram apoiados pelas empresas e 20% pagavam o seu MBA. Hoje esse rácio virou-se ao contrário, e será algo como 20% de candidatos enviados por empresas e 80% assumem todos os custos com o curso. Os números podem variar de escola para escola, conheço casos na Holanda em que talvez seja um rácio 30%-70%, haverá outras em que será 40%-60%. O que é inegável é que a tendência actual mudou por completo o que era verdade no passado.

O que é que isso significa para a PBS?
Antigamente havia como que uma Grande Muralha da China a separar os programas de MBA a tempo inteiro e a tempo parcial, no sentido em que os serviços de carreira que a escola prestava aos alunos a tempo inteiro – que em princípio estariam sem emprego e precisariam de ajuda na colocação no mercado de trabalho – hoje não pode ser negado aos alunos dos programas a tempo parcial que pagam o seu próprio curso. E se alguns se encontram na infeliz circunstância de estarem desempregados, como já tem acontecido, então eles estão na mesma posição dos candidatos que frequentam o MBA a tempo inteiro. E é isso que estamos a fazer.

Com um foco mais internacional, criaram o Magellan MBA, a tempo inteiro, para atrair estrangeiros. Quais são os resultados?
Uma das coisas que me surpreenderam é que há cada vez mais portugueses a optar por esse curso, apesar de todo ele ser dado em inglês. Precisamos de fortalecer o nosso marketing internacional se quisermos evitar sermos conhecidos como uma escola regional. Vamos criar uma equipa de projecto que proponha soluções para aumentarmos a nossa atractividade internacional.

Essa participação internacional é relevante até por causa dos rankings. A PBS desceu alguns lugares [estava na posição 63 e passou para a 70] este ano…
Sim, se conseguirmos mais de 30 candidatos internacionais, durante três anos sucessivos, o Magellan já pode contar para o ranking FT de MBA. Sobre o ranking da escola [que diz respeito à Educação Executiva Personalizada], pedimos os dados detalhados e percebemos que temos os mesmos resultados do ano passado. Só que a concorrência é cada vez maior, com novas escolas na Ásia, em países como China ou Vietname. Nesse cenário, manter os resultados não garante a mesma posição no ranking. Poderemos estudar outras formas de melhorar a nossa atractividade, com um novo tipo de MBA que existe nalgumas escolas, os GEMBA (Global Executive MBA).

É só uma hipótese?
Sim. Temos de estudar essa via, definir como, quando, com que parcerias, custos e prever quantos alunos poderemos captar. 

Em que mercados quer apostar? Com que programas?
Vemos oportunidades em Angola, no Brasil, talvez a Galiza. Mas não quero que me interpretem mal. A Toyota e os japoneses conquistaram o mundo dos negócios depois de terem conquistado o mercado interno. Foi isso que lhes permitiu serem bons, terem qualidade. A PBS tem de ser forte no mercado local e nacional, mas ganhar a sua credibilidade em termos internacionais. Por isso é que defendemos esta ligação a todas as empresas e não apenas àquelas que já são de referência.

Como está a articulação da PBS com a Universidade do Porto (UP)?
Dirigi a escola de Tilburg (Holanda), que legalmente também era uma entidade separada da universidade como acontece com a PBS em relação à Universidade do Porto. O contexto era um pouco diferente, porque em Tilburg a escola era detida por uma sociedade que tinha duas universidades como accionistas, ao passo que no Porto a escola pertence a uma associação. Mas a flexibilidade e a liberdade que a escola ganha em ser uma entidade separada é relevante. No caso da PBS ainda mais, porque essa associação reúne a Universidade e mais de 60 empresas. O representante da AACSB que nos visitou esta semana [uma entidade criada em 1916 e que faz acreditação de centenas cursos de gestão e negócios em todo o mundo] mostrou-se impressionado com a forte ligação ao meio empresarial e disse mesmo poucas escolas têm um trunfo desses.

E a ligação à UP é a desejada?
Sem deixarmos de ser independentes, julgo que deve ser uma ligação reforçada. A UP tem uma boa reputação, tanto em termos nacionais como internacionais.

Há alguma coisa que o tenha supreendido pela positiva quando chegou ao Porto?
Sim, de facto considero que esta ligação ao meio empresarial não existe em muitas escolas no mundo. É um activo importante que nem todos têm.

Isso é importante para os alunos?
Deveria ser e no entanto não é referido. Devemos medir o nosso sucesso por aquilo que fazemos enquanto escola e por aquilo que fazem ou fizeram os nossos alumni. Quem passou pela PBS obteve sucesso na sua organização. Por que não usamos isso como uma forma de comunicar a nossa escola e a cidade, que está a tentar posicionar-se como uma cidade de inovação e empreendedora?

Sugerir correcção
Comentar