Quando uma maçã atirada ao ar desce em direcção a Pina Bausch

Pode um espectáculo de malabarismo viver da evocação da obra da coreógrafa alemã Pina Bausch? É a resposta afirmativa a esta pergunta que a Gandini Juggling tenta conquistar sexta-feira e sábado na Culturgest, em Lisboa, levando a palco Smashed.

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Smashed Claudine Quinn
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Não basta atirar uma maçã vermelha ao ar e apanhá-la com absoluta segurança. Nem basta sequer ir acrescentando outras maçãs vermelhas à maçã original, dificultando cada vez mais o gesto técnico, sem que uma só peça de fruta encontre tristemente o chão.

Para a companhia inglesa Gandini Juggling, deve haver beleza neste movimento. Uma beleza coreografada, fazendo do malabarismo algo distante da mera proeza da execução. Esta abordagem está de tal forma inscrita na génese da companhia que Sean Gandini, seu fundador há 22 anos com a campeã de ginástica rítmica Kati Ylä-Hokkala, reconhece ter no coreógrafo norte-americano Merce Cunningham uma referência primordial para as suas criações. “Merce é um dos artistas a que volto sempre quando estou encalhado com alguma ideia”, confessa Gandini ao PÚBLICO, em conversa prévia à sua apresentação sexta-feira e sábado na Culturgest, em Lisboa, da peça Smashed. “Quando estou muito cansado ou algo stressado”, diz ainda, “recorro à minha colecção de maravilhosas criações do Merce Cunningham e encontro ali algo de muito tranquilizador.”

Smashed, no entanto, não parte de Cunningham, mas sim do universo de dança-teatro desenvolvido por Pina Bausch com a sua companhia em Wuppertal. Em parte, porque esse era um desejo antigo de Gandini, o de se inspirar em coreografias como Kontakthof, 1980 e Nelken, e delas extrair um universo aplicável a espectáculos de malabarismo atravessados pela teatralidade. Por outro lado, porque quando lhe foi dada carta-branca pelo Festival Watch this Space, no londrino National Theatre, para apresentar o que bem entendesse na edição de 2010, a coreógrafa alemã havia falecido não havia muito tempo e nada lhe fez mais sentido do que montar um espectáculo-homenagem. Criado em tempo recorde, Smashed foi montado com uma única apresentação pública em mente, apenas no âmbito do festival. “Só que quando terminámos, foi tão bem recebido que me convenci de que tínhamos algo especial em mãos”, reconhece Gandini.

A partir desse momento, a palavra tornou-se um rápido rastilho que percorreu o circuito de festivais e, em pouco tempo, gerara um tal interesse que a Gandini Juggling tinha agendado 100 datas para a sua apresentação. “A carreira do espectáculo fez-se a si mesma”, espanta-se o director da companhia. “Mas devo dizer que nunca nos tinha acontecido este efeito cadeia com outra peça. Para nós, que vimos de um pequeno circuito, é como se, de repente, tivéssemos uma daquelas canções que toda a gente canta sem qualquer razão discernível.” E embora a associação a Pina Bausch se faça sentir em países como França, em que o público para o novo circo coincide de forma mais evidente com os espectadores de teatro e de dança, Gandini observa que em Inglaterra, por exemplo, a popularidade de Smashed não tem explicação por essa via – “infelizmente, a maioria do público que aí nos vê não está familiarizado com a obra dela.”

Não adoptando como método criativo um decalque de movimentos retirados do reportório do Tanztheater Wuppertal, esta curiosidade antiga de ver o que aconteceria se nalgumas criações de Bausch alguns gestos passassem a incorporar o malabarismo interessava sobretudo a Gandini como meio de se reportar “a uma maravilhosa relação complexa entre homem e mulher, por vezes entre homem e homem, e a um complicado jogo de poder que implica a solidão ou o desejo sexual”. “Tentamos lidar com estas coisas”, confirma, nunca esquecendo que uma das suas maiores missões é a de criar beleza. “Criar algo chocante ou engraçado pode ser fácil. A beleza é mais esquiva.”

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