O Rivoli começa a dançar com a CNB – e a seguir anda de skate com John Romão

Oito anos depois, as portas do teatro municipal do Porto voltam a abrir-se à cidade. A preços de amigo: o passe para os 12 espectáculos do ciclo O Rivoli Já Dança custa 25 euros.

Foto
A Companhia Nacional de Bailado reabre o Rivoli com Mozart Concert Arias – Un Moto di Gioia, de Anne Teresa De Keersmaeker

E pronto, o Porto voltou a ter um teatro municipal: a reabertura oficial do Rivoli é só no próximo dia 12, com uma visita especialmente simbólica da Companhia Nacional de Bailado (CNB) à sala onde em 1977 apresentou o primeiro espectáculo da sua vida, mas a bilheteira está a vender desde ontem os passes gerais para esta temporada zero. A preços "um bocadinho brutais", sublinhou o vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, na conferência de imprensa de apresentação do ciclo O Rivoli Já Dança!, que ocupará o teatro até 20 de Dezembro: 12 espectáculos, 25 euros, para deixar bem claro que "este é um território aberto a toda a gente". E a todo o tipo de práticas, do skate que se atravessa no espectáculo pasoliniano de John Romão, Teorema (25 de Outubro), ao vira do Minho que Filipa Francisco reconfigurará com o Grupo Etnográfico do Orfeão do Porto em mais uma versão de A Viagem (15 de Novembro).

Embora ainda sem o dedo do novo director artístico, Tiago Guedes, que na prática só em Janeiro de 2015 (e depois das obras de restauro do palco do Grande Auditório) assumirá a programação do Teatro Municipal do Porto, O Rivoli Já Dança! é um trailer bastante indicativo (e bastante exaustivo) daquilo que se pretende que seja o espírito da sala da Praça D. João I. "Este ciclo assinala a tendência de um teatro que dará prioridade à dança e às artes do corpo, mas sempre em diálogo com as outras disciplinas – e que será também um importantíssimo território do pensamento, onde de resto decorrerá já em Novembro o Fórum do Futuro, para o qual foram convocados grandes teóricos da contemporaneidade, incluindo dois prémios Nobel e quatro Pritzker. Entendemos que o Rivoli deve ser um mediador da cidade, um lugar onde a cidade se revê e se apresenta  um lugar simultaneamente popular e cosmopolita, histórico e contemporâneo, local e nacional", explicou Paulo Cunha e Silva.

A abertura com a CNB (que trará ao Porto a sua remontagem da peça Mozart Concert Arias – Un Moto di Gioia, de Anne Teresa De Keersmaeker) e o fecho com a versão portuense do Atlas de Ana Borralho & João Galante (uma espécie de cartografia da cidade a partir de 100 dos seus habitantes) sinalizam essa tensão entre o nacional e o local que será um dos eixos do novo Rivoli.

Pelo meio, haverá lugar para que o resto do mundo entre no teatro da Praça D. João I – primeiro com De Repente Fica Tudo Preto de Gente, do coreógrafo brasileiro Marcelo Evelin (26 e 27 de Setembro), que participou na conferência de imprensa via Skype, e depois com Shelters, encontro entre o coreógrafo israelita Hofesh Shechter e a Companhia Instável (18 de Outubro), que teve uma primeira vida no ano em que Guimarães foi Capital Europeia da Cultura. E também haverá lugar para que uma série de estruturas e de criadores da cidade ali estreiem novos espectáculos: é o caso da Circolando, que a 10 e 11 de Outubro apresenta Rios do Sono, sobre o mal que andamos todos a dormir; de Victor Hugo Pontes, que mostrará Fall em primeira mão a 8 de Novembro; de Né Barros, actualmente a reescrever duas das suas peças (o solo Untraceable Patterns e um reflexão sobre o despovoamento da Lituânia, Million) para o palco do Rivoli (20 de Novembro); e do Núcleo de Experimentação Coreográfica, que convidou Dinis Machado a desenvolver no Porto mais um capítulo da sua investigação sobre um futuro sem capitalismo (será Cyborg Sunday, a 22 de Novembro).

Um ciclo de Solos Icónicos programados pela Companhia Instável, incluindo momentos "históricos" da dança contemporânea portuguesa como Os Olhos de Gulay Cabbar, de Olga Roriz, e uma misteriosa Coisa, disse o e.e. cummings, de Vera Mantero, completa o núcleo duro da programação para estes primeiros meses. Fora deste baralho ficam dois concertos (de resto não incluídos no pacote de espectáculos a que o passe geral dá acesso), um de Sérgio Godinho (1 de Novembro) e outro dos Dead Combo (12 de Dezembro).

Postos à venda os bilhetes, resta perceber como responderá uma cidade que durante tantos anos esteve privada do seu teatro municipal ao grande comeback do Rivoli. É um público que tem de ser recuperado, reconhece o vereador da Cultura, para o qual o preço totalmente abaixo do mercado do passe geral é um "instrumento político" indispensável nesta fase. E que, reconhece também, dificilmente será replicado no pós-temporada zero: "Para este arranque tivemos de adoptar uma estratégia de captação de públicos um bocadinho brutal. Depois, o comportamento da bilhética terá de ser adaptado à procura do teatro, até porque nem é salutar na relação do teatro municipal com as outras salas da cidade este tipo de dumping."

De resto, é cedo para saber como estarão as finanças do Rivoli no próximo ano: o orçamento da Câmara Municipal do Porto só deverá ser aprovado em Novembro. Paulo Cunha e Silva desvalorizou os sinais de desagrado manifestados pelo CDS-PP depois da entrevista de Tiago Guedes ao PÚBLICO, mas admitiu que "todos os vereadores estão preocupados com o orçamento dos seus pelouros e a trabalhar para que sejam compatíveis com as suas missões".

A do Rivoli, para já, é deixar a cidade entrar. Para quem, como André Braga, da Circolando, estava há dez anos sem lá ir, "foi uma emoção fortíssima ver aquela porta lá em baixo a abrir-se". 

Sugerir correcção
Comentar