“O Porto pode ser um laboratório político-cultural para o país”

Depois de ter integrado a equipa do Porto 2001, que deu ao Porto a Casa da Música e a Biblioteca Almeida Garrett, a Casa da Animação e o Centro Português de Fotografia, Paulo Cunha e Silva acha que é agora tempo de passar dos espaços aos conteúdos. “A quantidade de espaços que temos é perigosa”, diz o vereador da Cultura de Rui Moreira.

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Os quadros vieram dos museus da cidade Fernando Veludo/NFACTOS
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O vereador senta-se numa cadeira vinda do Teatro Rivoli – “lembra-me que é o maior problema que tenho para resolver” Fernando Veludo/NFACTOS
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O gabinete tem vista para a Avenida dos Aliados Fernando Veludo/NFACTOS

O novo vereador da Cultura da Câmara do Porto escolheu um gabinete bastante mais pequeno do que os dos seus colegas no executivo liderado pelo independente Rui Moreira, mas preferiu-o por ser o único que tem varanda para a Avenida dos Aliados.

Esta vista directa sobre o coração da cidade também representa, diz, a política cultural aberta e dialogante que quer para o Porto. Cunha e Silva transformou o seu espaço de trabalho numa galeria de arte, enchendo as paredes com quadros que dormiam nos depósitos dos museus, senta-se numa cadeira vinda do Teatro Rivoli – “lembra-me que é o maior problema que tenho para resolver” –, e colocou um grande espelho mesmo em frente à porta, talvez para que quem entre, ainda antes de o confrontar a ele, se confronte com a sua própria imagem. Apetece citar o Fausto de Fernando Pessoa e sugerir que também para Paulo Cunha e Silva “tudo é símbolo e analogia”.

O programador que ganhou notoriedade nos anos 90 organizando uma série de colóquios interdisciplinares em Serralves, e que depois concebeu, no âmbito do Porto 2001, um sofisticado metro virtual que jogava com aquele que era então o grande objecto de desejo dos portuenses, sonha agora uma cidade líquida, movente, “onde tudo pode acontecer em todo o lado”.

Mas este dom para criar narrativas não é em Cunha e Silva um talento meramente retórico. Como um poeta cujo engenho fosse aguçado pelo espartilho da forma, a sua criatividade um tanto frenética exige estas grelhas conceptuais. Acabou de assumir funções, mas já tem na cabeça um número assustador de projectos, e alguns pensados em considerável detalhe. Na ânsia de os enunciar a todos, foi-se mesmo esquecendo de responder a algumas das questões que lhe colocámos.

Entusiasmado com este novo desafio, depois de ter passado pelo Porto 2001, pelo então Instituto das Artes e pela Embaixada de Roma, onde foi conselheiro cultural, Cunha e Silva está consciente das expectativas que a vitória de Rui Moreira criou e acredita que o Porto pode mostrar o caminho ao país.

A eleição de Rui Moreira está a gerar grandes expectativas, até a nível internacional, e elas serão ainda mais altas no domínio da política cultural, terreno em que Moreira se demarcou mais nitidamente do seu antecessor. O que fará para responder a essas expectativas?

São expectativas muito altas, e não por culpa de Rui Moreira, mas por a população ter percebido o discurso de forma eventualmente hiperbólica. O que Rui Moreira disse é que a cultura era, a par da coesão social e do desenvolvimento económico, um dos três vértices da sua estratégia eleitoral. E que a cultura devia articular-se com os outros dois vértices, tanto assim que me convidou para mandatário da Cultura e do Desenvolvimento. A sua ideia, que eu partilho, não é a de uma cultura entregue a si própria, mas aberta à cidade, como factor de promoção e desenvolvimento. E partilhamos também a convicção de que a cultura pode ser um factor de internacionalização da marca Porto, de um Porto mais cosmopolita e turístico, menos prisioneiro dos seus estereótipos.

Mas já tem na cabeça um modelo de intervenção?

Tenho. Essa articulação do popular e do cosmopolita, de que Rui Moreira tem falado, é uma ideia central. Ou seja, a câmara não pode ter uma política de gosto, não escolhe artistas nem faz programação cultural. Mas faz programação política: desenha janelas de oportunidade, territórios onde se inscrevem as políticas.

Essa recusa de uma política de gosto não tende a favorecer o gosto mais instalado?

A câmara não deve ter uma política de gosto, mas deve ter bom gosto, sob o ponto de vista da governança política. A política também é um exercício de bom gosto, mas não deve escolher entre situações mais populares e outras mais eruditas. Deve articular todos os gostos. Não estamos a programar para Serralves, estamos a programar a cidade, que é feita por pessoas diversas. Poderão aparecer, no âmbito das propostas da câmara, projectos culturais com os quais não me identificaria, se fosse curador ou programador, mas que fazem sentido na lógica da cidade multivariável e multipolar, na lógica da cidade líquida, que é um bocadinho a minha ideia programática, inspirada no conceito de Zygmunt Bauman de sociedades líquidas. Essa cidade líquida não é uma cidade cristalizada em torno de uma ideia de bairros. É uma cidade em que tudo pode acontecer em todo o lado. [A freguesia oriental de] Campanhã, por exemplo, será uma área de intervenção cultural fundamental, justamente pela articulação que a cultura deve estabelecer com as zonas mais fragilizadas da cidade.

Está a falar de levar programação ou de criar novos equipamentos?

De programação. Quando falo na cultura fora do sítio, estou a pensar, por exemplo, em bairros sociais. E já tenho alguma programação definida: haverá Wagner num bairro. O dinheiro é pouco, mas vamos desenvolver uma política de parcerias e tentar capitalizar o estado de graça que Rui Moreira conquistou.

Sabe que orçamento irá ter?

Não. Tenho um problema gigantesco que se chama [Teatro Municipal] Rivoli. Mas vamos encontrar soluções para essa situação, que tanto estava na agenda de Rui Moreira como na do candidato que veio a integrar a coligação pós-eleitoral [o socialista Manuel Pizarro]. É uma preocupação central, mas que nem se resolve com o orçamento que temos, nem no quadro jurídico-administrativo da câmara.

Anunciou que o futuro director de programação do Rivoli será escolhido por concurso. Vai ser lançado em breve?

Está a ser preparado. Um dos trabalhos de casa que propus a um putativo adjunto foi apresentar-me o caderno de encargos, a missão, a estratégia, a comunicação e o regulamento para a contratação do futuro director de programação do Rivoli. E a designação do cargo é importante. Não quero um director artístico nem um programador. Um director de programação tem mais autoridade do que um programador, mas não tem uma política de gosto definida.

E quem vier a ser escolhido dirigirá também o Teatro do Campo Alegre (TCA), que já afirmou pretender articular com o Rivoli?

A intenção é ter uma pessoa responsável pelos dois pólos. Ao dirigir ambos, perceberá mais claramente que os dois espaços têm identidades próprias, e isso vai obrigá-la a programar diferentemente num espaço e no outro.

Encara a hipótese de manter a Seiva Trupe como companhia residente no TCA?

A Seiva Trupe é uma marca importante da cidade, com uma relevância histórica que ninguém contesta. Poderá reentrar no Campo Alegre, mas eventualmente em condições que se adeqúem melhor à sua capacidade de ocupação daquele espaço. Se uma companhia tem uma capacidade de residência muito limitada, pode continuar a chamar-se residente, mas de facto não o é.

Voltando ao Rivoli: até que ponto condiciona o orçamento de que poderá dispor?

Sem o Rivoli, a situação seria bastante mais simples. Não é por acaso que me sento numa cadeira que veio do Rivoli, é para me lembrar que é o meu maior problema. Um teatro municipal dependente da programação financeira de uma câmara tem sempre muita dificuldade em funcionar. E o teatro municipal deve ser o local onde a política cultural da cidade se exprime com maior evidência. Essa ideia de que fala o presidente Rui Moreira de um Porto ao mesmo tempo popular e cosmopolita deve passar sobretudo pela forma como entendemos e programamos o Rivoli. O problema é que o seu alojamento numa empresa municipal implica, por força da Lei dos Compromissos e das novas exigências de políticas orçamentais, que essa empresa não seja deficitária.

A solução terá sempre de passar por uma empresa municipal?

A menos que encontremos um mecenas. Na Porto 2001, a programação do Rivoli foi de seis milhões de euros. Queremos uma programação mais discreta, mas 2001 também já foi há 12 anos. Um orçamento para programação inferior a dois milhões de euros é dificilmente exequível para um teatro que a câmara quer recuperar e devolver à cidade. Daí que também ande numa gincana mecenática, até porque tenho uma ideia para estes primeiros meses em que o Rivoli ainda não terá um director de programação: chama-se “O Rivoli Já Dança” e passa por convocar as estruturas municipais e nacionais envolvidas com a dança. Uma das reuniões que tive em Lisboa foi com a Luísa Taveira, da Companhia Nacional de Bailado, para ver se conseguimos, não orçamentos mínimos, mas submínimos.

Foi um dos programadores da Porto 2001 e lançou vários projectos que pareciam concebidos para ter continuidade. Pensa retomar algumas dessas ideias?

Há 12 anos vivíamos uma política de espaços: vamos construir e depois logo se vê. É preciso passarmos agora para uma política de conteúdos. A quantidade de espaços que temos neste momento é perigosa, e há várias patologias no âmbito da edificação cultural, a começar pela Casa do Cinema Manoel de Oliveira. Já lá fui duas vezes e estou preocupado com o que vou fazer com aquilo. É uma obra-prima da arquitectura contemporânea, mas tem 12 anos e está num estado de degradação avançadíssimo. O Porto será, para a sua dimensão, uma das cidades mais bem equipadas do mundo. Não há nenhuma cidade com 235 mil habitantes que tenha os equipamentos culturais do Porto. Que tenha a Fundação de Serralves, uma Casa da Música, um Teatro Nacional São João (TNSJ), o Centro Português de Fotografia, o Museu Nacional de Soares dos Reis, e todos estes museus municipais, para os quais tentarei encontrar uma solução mais adequada.

Um desses seus projectos de 2001 que poderia ter tido posteridade é o ciclo de conferências O Futuro do Futuro

Tenho agora um projecto chamado Fórum do Futuro, que quer fazer do Porto, durante uma semana por ano, a capital mundial do futuro. Herdei algumas ideias de 2001, mas não vou voltar ao passado. Temos de avançar, e com a consciência de que o país está numa situação muito difícil. Mas, também por isso, o que fizermos pode transcender a cidade e tornar o Porto um laboratório político-cultural para o país, mostrando como se pode transformar as cidades a partir da cultura.

O que será, em concreto, esse Fórum do Futuro?

Através da Universidade e de outras instituições, garantir para essa semana uma programação de topo em termos científicos e de ideias. Envolver o Ipatimup [Instituto de Patologia e Imunologia Molecular] e o IBMC [Instituto de Biologia Molecular e Celular] e convidar os especialistas na área do cancro; envolver o INESC [Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores] e a Faculdade de Engenharia para trazer os grandes nomes da robótica; envolver a Casa da Música para apresentar compositores que trabalhem nas áreas mais cutting edge da música, ou Serralves, para a ciberarte…

Em 2001, houve uma aposta clara na música, e talvez o cinema tenha sido o sector que pagou mais caro essa opção. O tão reivindicado pólo da Cinemateca nunca chegou, a Casa do Cinema está no estado que acabou de descrever, a Casa da Animação enfrenta uma ameaça de despejo…

A Casa da Animação é uma marca, e se não funcionar naquele edifício, temos de encontrar outro. Isso é claro. O cinema preocupa-me, é uma área à qual vou dedicar particular atenção, até porque o Porto é uma cidade do cinema, das imagens. Por isso é que a pessoa que virá trabalhar comigo é um especialista em cinema, e também em fund raising, que está neste momento numa instituição cultural em Londres. O facto de se dispor a vir, deixando a situação que tem, é indicativo do estado de graça deste executivo.

Acha que a criação de um pólo da Cinemateca no Porto é uma guerra perdida?

Não creio que seja. Aliás, fui a Lisboa na semana passada fazer uma espécie de gincana político-cultural, tentando convencer os agentes nacionais de que as estruturas nacionais que estão no Porto – que não são nossas nem eu quero que sejam, porque tenho estruturas a mais na câmara –, se abram à cidade de uma forma diferente. Quero que dialoguem de forma mais activa com esta cidade líquida em que estamos a trabalhar. Daí, também, a minha ideia de criar um museu da cidade trifásico e tripolar. Teria um pólo zero, interpretativo, na Casa dos 24, o pólo 1 na Casa do Infante, dedicado ao Porto medieval, o pólo 2 na Alfândega, que seria o Porto fluvial, das Descobertas, e o pólo 3 na Cadeia da Relação, que iria do barroco ao período romântico e à cidade contemporânea, a cidade da fotografia e do cinema. Isto implica duas estruturas que não são da câmara – o Centro Português de Fotografia [na Cadeia da Relação] e a Alfândega –, mas senti abertura à ideia de uma participação mais activa neste Porto, cidade aberta.

Prevê uma boa relação com a Secretaria de Estado da Cultura?

Sim, sou amigo pessoal do secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, e acho que o relacionamento será fácil.

E o facto de já não haver um Ministério da Cultura, como em 2001, preocupa-o?

Acho que ele é um secretário de Estado com funções de ministro, portanto não me preocupa. É o meu interlocutor no Governo.

Há dois assuntos que, por razões de prazos, já lhe terão passado pelas mãos: o Fantasporto e a Feira do Livro. O Fantasporto vai manter-se no Rivoli em 2014?

Com o Rivoli a aguardar decisões, parecer-me-ia absurdo impedir a concretização do próximo Fantasporto, em Fevereiro. Não há nenhuma providência cautelar para impedir a sua realização.

Já se reuniu com a direcção do festival?

Ainda não tive tempo, mas iniciarei reuniões com as estruturas externas para a semana e essa estará no topo da agenda. Da minha parte não haverá qualquer perseguição, político-cultural ou ideológica, ao Fantasporto.

Um diferendo entre a APEL e a autarquia levou a que a Feira do Livro do Porto não se tenha realizado este ano. Vai tentar resolver o problema?

É uma situação que ainda não tive a oportunidade de avaliar, mas acho que o Porto deve ter uma feira do livro.

Rui Moreira e António Costa mostraram grande proximidade após as eleições. Essa boa relação abre oportunidades de parcerias com a Câmara de Lisboa?

Já me reuni com a minha homóloga Catarina Vaz Pinto e tentei desenvolver uma ideia de pendularidade entre as duas cidades. Num país com estas dificuldades, não há lugar para arrivismos e protagonismos locais. A minha proposta era que acontecimentos que decorrem num sítio e no outro pudessem passar a acontecer numa lógica pendular.

Apesar de a criação contemporânea não ter sido propriamente uma das prioridades de Rui Rio, não lhe parece que o Porto tem hoje uma vida cultural interessante, ainda que muitas vezes feita de pequenos projectos sem grande visibilidade?

Há uma cidade intersticial que sobreviveu, e que poderá vir agora a ter interlocutores e a ganhar mais visibilidade. A vontade é essa, ainda que o dinheiro não seja muito. Mas o que me parece é que a cultura no Porto é muito descontínua. Há o top, há o muito down, mas falta uma espécie de classe média da cultura. É nela que acho que temos de investir. E é com instrumentos como o Rivoli que essa classe média pode ser recapturada.

Temos as grandes instituições, como a Casa da Música e Serralves, e depois há coisas tão alternativas que, para as descobrir, é preciso andar atrás delas com uma lupa urbana. Vou passar a próxima segunda-feira em Campanhã, num exercício de detecção. Já lá fui a semana passada ver o Espaço Mira [uma galeria e um centro multiusos instalados em antigos armazéns de vinho e carvão], mas há outras zonas que quero identificar. O objectivo é encontrar essa cidade escondida, resistente. Mas há pessoas que não precisam de grandes palcos, e não queremos…

… Integrá-las à força?

Pois. Os homeless da cultura, entre aspas, os que gostam de modos de vida alternativos, devem ser respeitados. Quero que existam, não quero normalizar a cultura no Porto. Pelo contrário.

Quando me perguntam se acho que tudo deve funcionar em rede, respondo que não, que um dos meus grandes medos contemporâneos é justamente o medo da rede, porque a rede nivela tudo. As redes de cineteatros fazem com que a programação seja igual em todo o lado, de Viseu a Faro.

Apesar desses focos de resistência, o ambiente geral nos meios culturais é bastante depressivo. O que é que pode fazer desde já para limpar um bocadinho o ar?

Há uma coisa que vou fazer a partir de Janeiro e que não custa quase dinheiro nenhum. Pedi a todas as estruturas que dependem da câmara – bibliotecas, arquivos, museus municipais, teatros – para identificarem uma peça, e vou criar um programa que se chama Uma Peça e os Seus Discursos. Ao longo do ano, todas as semanas haverá uma peça do património do Porto em destaque. É uma coisa muito simples, porque a peça não sai do sítio, mas dará protagonismo ao nosso património municipal, que é riquíssimo e está muito esquecido.

Que tipo de peças tem em mente?

Na Biblioteca Almeida Garrett pode ser um livro contemporâneo, mas na Biblioteca Pública Municipal já poderá ser o roteiro da viagem de Vasco da Gama. E no Jardim da Cordoaria pode ser a peça do Juan Muñoz [uma encomenda da Porto 2001], e noutro jardim pode ser uma árvore. No primeiro ano o programa será apenas para as estruturas municipais, mas numa segunda fase quero envolver Serralves, a Casa da Música, e depois também galerias de arte ou lojas de comércio tradicional. Na Rua de Mouzinho da Silveira [onde existe uma antiga e muito conhecida Casa das Sementes], a semana podia ser dedicada a um saco de sementes, e discutir-se-ia o que é semear, o ciclo da vida…

Rui Moreira afirmou querer reforçar o papel das freguesias. Conta com elas?

É fundamental que não se reduzam à função de entreposto administrativo e que sejam convocadas para um novo protagonismo cultural. Porque as freguesias têm uma relação muito próxima com o território e com a identidade local. E nós queremos investir na arte urbana, na criação contemporânea produzida num espaço que é património mundial, e isso implica um grande trabalho local, para se conseguir que as pessoas entendam como seus esses novos objectos e tenham com eles uma boa relação.

O seu conceito de arte urbana inclui, presume-se, os graffiti com significado artístico?

Claro. Olhem só para aquela empena [aponta para a extensa fachada lateral de um prédio que se avista do seu gabinete]. Merecia um concurso internacional.

O galerista Fernando Santos sugeriu que o bairro das galerias, muito circunscrito à Rua de Miguel Bombarda, deveria alargar-se. Concorda?

A Rua de Miguel Bombarda é importante, mas acho que toda a cidade deve ser programável. A ideia de um bairro disto ou daquilo não me agrada, vai contra essa ideia de cidade líquida, de uma cidade que se mexe. Como disse, fui a Campanhã ver a galeria Mira, e achei que é capaz de ser mais importante, em termos de reflexão sobre a cidade e o que queremos para ela, do que aquilo que já existe. Mas também vamos apoiar a Rua de Miguel Bombarda, que quero articular com o projecto que tenho para a galeria municipal, na Biblioteca Almeida Garrett.

E que projecto é esse?

Ao contrário do que defendo para o teatro municipal, a estratégia para a galeria municipal não passaria por ter um director artístico. Em vez disso, quero abrir concursos para três exposições por ano, uma de curadoria em arquitectura, outra de artes visuais, e uma terceira de design, de moda ou de outras áreas, como o cinema. No início de cada ano lançar-se-iam concursos e um júri escolheria três exposições, mantendo essa sequência arquitectura/artes visuais/outras. Quero ainda criar um pólo da galeria nos próprios paços do concelho, abrindo a câmara à cidade. A ponto de poder haver uma obra que só é visitável no gabinete do presidente… desde que ele não esteja em despacho.

Há outros projectos que ache significativos e que possa anunciar?

Como o programa eleitoral já anunciava, vamos apostar nas residências artísticas. Convidar um artista sénior a viver durante alguns meses no Porto e a produzir uma obra a partir dessa experiência. E a ideia é associar a cada residência um nome importante do Porto – um pouco como se faz com os prémios –, e que essa obra, esse ensaio, esse vídeo (estamos a tentar trazer o Douglas Gordon), inclua o Porto e leve o Porto consigo. Outro projecto é identificar na cidade vários percursos temáticos. Vamos começar com os caminhos do cinema e da arquitectura, e à medida que acrescentarmos outros percursos, eles ir-se-ão sobrepondo, como transparências num caderno de argolas com o mapa da cidade em fundo.

O que é que o motivou a aceitar o convite de Rui Moreira?

Desde logo, a circunstância de Rui Moreira me ter dito que convidava as pessoas de quem gostava, e não as que gostavam dele. E fiquei muito contente com o convite. Tinha acabado de chegar de Itália, e acho que a vida é uma oportunidade de fazermos coisas diferentes. Já fui médico, investigador, professor, comentador televisivo, crítico – ainda mantenho algumas dessas actividades –, e também programador ou diplomata. Autarca é que nunca tinha sido, e a ideia de programar uma cidade sob o ponto de vista das políticas culturais é uma coisa entusiasmante.

O seu currículo, se obviamente o recomenda para o cargo, também comporta riscos: no Porto 2001, habitou-se a trabalhar com orçamentos generosos, que agora dificilmente terá…

Julgo que estará um pouco abaixo da verba que tive para programar a minha área em 2001, mas o executivo foi generoso e deu-me um surplus que torna os dois orçamentos mais equivalentes. Se descontarmos, claro, a questão do Rivoli.

Íamos também sugerir que com a sua experiência de programador não será fácil resistir à tentação de dar o gosto ao dedo.

Ou o dedo ao gosto…


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